Decisão Monocrática nº 2011/0057184-4 de CE - CORTE ESPECIAL

Número do processo2011/0057184-4
Data30 Maio 2011
ÓrgãoCorte Especial (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 4.676 - RS (2011/0057184-4) RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA

AGRAVANTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL AGRAVADO : M.D.C.M.

ADVOGADO : JUSSARA TEREZA OSÓRIO DA ROCHA - DEFENSORA PÚBLICA E OUTROS PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OFENSA AOS ARTS.

129, § 9º, DO CP E 41 DA LEI Nº 11.340/06 (LEI MARIA DA PENHA).

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. CRIME DE LESÃO CORPORAL LEVE. NATUREZA DA AÇÃO PENAL. INICIATIVA PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO. ACÓRDÃO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

DECISÃO

Trata-se de agravo em recurso especial interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, em face de decisão que inadmitiu o recurso especial interposto, com fulcro nas alíneas "a" e "c" do permissivo

constitucional, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, assim ementado:

"APELAÇÃO CRIME. LEI MARIA DA PENHA. LEI Nº 11.340/06. LESÕES CORPORAIS LEVES. REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA. NECESSIDADE. PRECEDENTES DESTA CÂMARA E DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO DO MINISTÉRIO PÚBLICO". (fl. 70).

No recurso especial, às fls. 80/96, o recorrente alega que "por ter o acórdão recorrido mantido a decisão de arquivamento do expediente do inquérito policial, ante a renúncia ao direito de representação da ofendida, não obstante relativa à ocorrência de crime de lesões corporais leves, perpetrado contra mulher em ambiente familiar, acabou por contrariar o conteúdo dos artigos 129, § 9, do Código Penal e 41 da Lei nº 11.340/06", ao argumento de que "a ação penal em exame revela-se de natureza pública incondicionada".

Afirma, ainda, que "a exigência de representação para os crimes de lesões corporais de natureza leve, estatuído pelo artigo 88 da Lei nº 9.099/95, por ser uma medida despenalizadora clássica, porquanto constitui evidente obstáculo ao direito de punir estatal, foi afastada nos casos de violência doméstica contra a mulher,

resultando que a ação penal decorrente de tal imputação passou a ser pública incondicionada, reintegrando-se a regência do artigo 100 do Código Penal". Por fim, aponta a ocorrência de dissídio

jurisprudencial, ao passo que transcreve trechos de julgados tidos como paradigmas supostamente divergentes.

O Tribunal de origem negou seguimento ao recurso, às fls. 131/133, sob os seguintes fundamentos:

"Verifica-se que o entendimento esposado pelo Colegiado encontra guarida na jurisprudência da Corte Superior, no sentido de que é admitida a renúncia à representação, desde que feita antes do recebimento da denúncia. No caso, antes do recebimento da denúncia, a vítima, em audiência, renunciou expressamente à representação. Com efeito, por ocasião do julgamento do RESP 1.097.042-DF, afetado à Terceira Seção da Corte Superior, com base no Procedimento da Lei nº 11.672/2008 e Resolução/STJ nº 8/2008 (Lei de Recursos Repetitivos), restou consolidado o seguinte entendimento: (...). Com a

jurisprudência firmada, a Corte Superior passará a julgar nesse sentido os processos que tratam do assunto, mostrando-se totalmente inconsistente a argumentação expendida pelo recorrente para

fundamentar sua irresignação, sobre a qual incide a Súmula 83/STJ, verbis: 'Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida'".

No agravo, de fls. 137/141, o recorrente sustenta que o julgado apontado na decisão recorrida "sequer transitou em julgado, tendo sido objeto de embargos de declaração ainda não apreciados pela Colenda Terceira Seção do Egrégio STJ, de sorte que os contornos e o sentido do decidido naquele recurso ainda podem ser objeto de redefinição, a despeito do fato, sabido, de que a Quinta e Sexta Turma do STJ passaram a sufragar o entendimento da decisão ora recorrida".

Acrescenta que é importante "ponderar o fato de que a interpretação e aplicação do artigo 44 da Lei nº 11.340/06 é objeto da ADC nº 19, ajuizada pelo Presidente da República, e da ADI nº 4424, ajuizada pelo Procurador-Geral da República, estando ambas pendentes de apreciação no Egrégio STF".

É o relatório.

Razão não assiste ao agravante. Com efeito, observa-se, da leitura da pretensão recursal, que a matéria debatida encontra-se pacificada nesta Corte nos termos do que decidido pelo Tribunal de origem.

O objeto da impetração cinge-se à verificação da natureza da

iniciativa da ação penal relativa ao § 9º do art. 129 do Código Penal, à luz das disposições da Lei Maria da Penha.

Firmei meu entendimento sobre o tema em meados de 2008, no

julgamento do HC 96.992/DF, ocasião em que fiquei vencida, ao lado do eminente, hoje aposentado, Ministro Nilson Naves. Desde então, defendi que se trata de caso de ação penal de iniciativa pública condicionada à representação.

Note-se que, modificada a composição da Sexta Turma, alterou-se tal compreensão, vindo a Terceira Seção a consolidar seu entendimento ao julgar recurso repetitivo, nos seguintes termos:

"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA.

PROCESSO PENAL. LEI MARIA DA PENHA. CRIME DE LESÃO CORPORAL LEVE.

AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA.

IRRESIGNAÇÃO IMPROVIDA. 1. A ação penal nos crimes de lesão corporal leve cometidos em detrimento da mulher, no âmbito doméstico e familiar, é pública condicionada à representação da vítima. 2. O disposto no art. 41 da Lei 11.340/2006, que veda a aplicação da Lei 9.099/95, restringe-se à exclusão do procedimento sumaríssimo e das medidas despenalizadoras. 3. Nos termos do art. 16 da Lei Maria da Penha, a retratação da ofendida somente poderá ser realizada perante o magistrado, o qual terá condições de aferir a real espontaneidade da manifestação apresentada. 4. Recurso especial improvido". (REsp 1097042/DF, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, DJe 21/05/2010).

A partir de então, ambas as Turmas desta Corte têm se posicionado no mesmo sentido:

"HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. CRIME DE LESÃO CORPORAL DE NATUREZA LEVE (VIOLÊNCIA DOMÉSTICA). LEI MARIA DA PENHA. AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA. ORDEM CONCEDIDA. 1. A ação penal nos crimes de lesão corporal leve cometidos em detrimento da mulher, no âmbito doméstico e familiar, é pública condicionada à representação da vítima. Precedentes da Terceira Seção. 2. O

disposto no artigo 41 da Lei 11.340/2006, que veda a aplicação da Lei 9.099/1995, restringe-se à exclusão do procedimento sumaríssimo e das medidas despenalizadoras. 3. Ordem concedida". (HC 150.463/RS, Rel. Min. JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJe 14/02/2011).

"HABEAS CORPUS. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LESÕES CORPORAIS LEVES. LEI MARIA DA PENHA. AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA. REPRESENTAÇÃO.

PRESCINDIBILIDADE DE RIGOR FORMAL. AUDIÊNCIA PREVISTA NO ARTIGO 16 DA LEI 11.340/06. OBRIGATORIEDADE APENAS NO CASO DE MANIFESTAÇÃO DE INTERESSE DA VÍTIMA EM SE RETRATAR. 1. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 1.097.042/DF, ocorrido em 24 de fevereiro do corrente ano, firmou a compreensão de que, para propositura da ação penal pelo Ministério Público, é necessária a representação da vítima de violência doméstica nos casos de lesões corporais leves, pois se cuida de ação penal pública condicionada.

  1. A representação não exige qualquer formalidade específica, sendo suficiente a simples manifestação da vítima de que deseja ver apurado o fato delitivo, ainda que concretizada perante a autoridade policial. 3. (...). 4. Habeas corpus denegado". (HC 96.601/MS, Rel. Min. HAROLDO RODRIGUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/CE), SEXTA TURMA, DJe 22/11/2010).

Sobre o tema, é importante ter em conta o teor do art. 41 da Lei 11.343/06, verbis: "Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995".

Segundo penso, tal dispositivo não pode ser interpretado de maneira insulada, mas, antes, deve ser compreendido de maneira sistemática, mormente tendo em linha de consideração o contido no art. 16 da mesma lei:

Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal

finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

Penso que restringir o espectro de atuação do art. 16 da Lei Maria da Penha para os delitos de ameaça, contra a honra e contra a liberdade sexual, excluindo-se tão-apenas o delito de violência doméstica é conferir exegese inapropriada.

Depois de muito meditar sobre o tema, acredito que a mens legis do art. 41 da Lei Maria da Penha - exclusão da aplicação Lei 9.099/95 - refere-se exclusivamente ao procedimento sumaríssimo e aos

mecanismos despenalizadores. O art. 88 da Lei dos Juizados, em verdade, não está conectado de forma imanente à introdução do nolo contendere no nosso sistema processual penal. A modificação da disciplina da ação penal do art. 129 do Código Penal poderia muito bem ter sido viabilizada por meio de outra norma, meramente

modificadora do Codex.

Vem em abono ao entendimento ora formulado o ensinamento de GERALDO PRADO:

Embora de início tenha me inclinado, com muita resistência, a adotar a tese de que o crime de lesão corporal dolosa leve, em caso de violência doméstica e familiar contra a mulher, tenha voltado a ser de ação penal pública incondicionada, mudei de idéia (tenho, pois, de me retratar!).

As teses de política criminal, assentadas no objetivo de pacificação social em mãos da vítima, não me seduzem, tampouco têm o poder jurídico e prevalecer sobre a Constituição da República, que atribui ao Legislativo o monopólio de traçar as linhas gerais de política criminal, valendo-se da lei.

A melhor solução de política criminal estaria em atribuir ao

Ministério Público, no âmbito da ação penal...

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