Decisão Monocrática nº 2010/0216796-2 de T1 - PRIMEIRA TURMA

Número do processo2010/0216796-2
Data04 Maio 2011
ÓrgãoPrimeira Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECURSO ESPECIAL Nº 1.222.816 - PR (2010/0216796-2)

RELATOR : MINISTRO BENEDITO GONÇALVES

RECORRENTE : N.P.A.E.F.L. - MICROEMPRESA ADVOGADO : G.B.N. E OUTRO(S)

RECORRIDO : AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA - ANVISA PROCURADOR : PAULO FERNANDO AIROLDI E OUTRO(S)

RECORRIDO : MUNICÍPIO DE MANDAGUARI

ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO

DECLARATÓRIA. FISCALIZAÇÃO SOBRE A FABRICAÇÃO, COMERCIALIZAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DE PRODUTOS VEGETAIS. PRETENSÃO RECURSAL VINCULADA AO ENQUADRAMENTO TÉCNICO DOS PRODUTOS CONFORME SUA NATUREZA (ALIMENTOS OU MEDICAMENTOS). NECESSIDADE DE REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA N. 7 DO STJ. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA SEGUIMENTO.

DECISÃO

Trata-se de recurso especial interposto por Nutryervas Produtos Alimentícios e Fitoterápicos Ltda-ME contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal a 4ª Região, cuja ementa é a seguinte: ADMINISTRATIVO. SAÚDE PÚBLICA. PROIBIÇÃO DE COMÉRCIO. SEM LICENÇA E/OU REGISTRO DE PRODUTOS FITOTERÁPICOS. ANVISA. LEI Nº 6.360/76.

REGULAR EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA.

Apelo improvido.

A recorrente, dando notícia da qualificação técnica dos produtos que comercializa, defende que resoluções da Anvisa não podem se sobrepor aos artigos e do Decreto-Lei n. 986/1969, dispositivos legais que reputa violados pelo acórdão a quo.

Em contrarrazões (fls. 453 e seguintes), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa argúi que o recurso especial não merece conhecimento em razão de o acórdão a quo tratar de matéria constitucional, porque a pretensão recursal depende de reexame fático-probatório e por entender que os dispositivos de lei não foram prequestionados; no mérito, alega sua competência legal para a regulamentar, controlar e fiscalizar toda produção, comercialização e distribuição de produtos e serviços relacionados à saúde, nos termos dos artigos , e da Lei n. 9.782/1999.

Recurso especial admitido na origem.

Autos conclusos em 10 de dezembro de 2010.

É o relatório. Passo a decidir.

Ao negar provimento à apelação da ora recorrente, o Tribunal de origem considerou, no que interessa e com grifo nosso, o seguinte: O cerne da controvérsia resume-se em perquirir se os produtos apreendidos pela ANVISA e pela Vigilância Sanitária do Município de Mandaguari necessitavam ou não de registro junto aos órgãos públicos oficiais para que fossem fabricados e comercializados. Em sendo necessário, o procedimento fiscalizatório reputar-se-á correto, e a medida requerida deverá ser indeferida. Caso contrário, o

procedimento será considerado abusivo, tornando legítima a pretensão da autora de assegurar a possibilidade de voltar a fabricar e comercializar os referidos produtos, sem que possa sofrer novas sanções administrativas.

A manifestação da ANVISA esclarece que a Agência fiscalizou apenas a empresa R. Mota Produtos Alimentícios EPP (fls. 146). Os autos de infração feitos diretamente contra a parte autora (Nutryervas, fls.

147-150) foram lavrados pela Secretaria de Saúde e Bem Estar de Mandaguari, que deveria ser ouvida antes da antecipação de tutela.

Acrescenta que os alimentos com alegação de propriedade funcional que são comercializados pela autora estão, sim, sujeitos a registro, na forma do Anexo II da Resolução de Diretoria Colegiada - RDC n.

278, de 22/09/2005 - ANVISA. O deferimento do pleito, a seu ver, colocaria em risco a saúde pública e abriria "um precedente

perigoso, pelo impacto nocivo que pode causar à saúde da população" (fl. 160-v).

Após tal manifestação, a parte autora retornou espontaneamente aos autos, em síntese, para: dizer que a R. Mota é empresa distinta da autora (embora comercialize os produtos fabricados por esta e ambas tenham sócios em comum), mas a autuação lá efetuada afetou

diretamente os negócios da autora; repisar a tese da inicial; esclarecer que a empresa autora havia sido interditada pela

Vigilância Sanitária, mas já ocorreu a "desinterdição", e que o suposto estabelecimento clandestino (Rua Dr. Alcir Castelo Branco, em Mandaguari) não passa de um armazém utilizado como depósito pela empresa R. Mota.

Pois bem.

Nessa análise preliminar, creio faltar verossimilhança às alegações da parte autora.

Primeiro deixo claro que, segundo os autos de infração juntados pela parte autora, houve autuações por dois órgãos:

  1. a ANVISA é responsável pelo Termo de Apreensão de fl. 146, lavrado contra a empresa R. Mota Produtos Alimentícios, localizada na Rua Santos Dumont, nº 1000, por meio do qual foram apreendidos equipamentos (computador, contadores de cápsulas, máquina de fechar caixas etc) e documentos (notas fiscais);

  2. o Município de Mandaguari (Secretaria de Saúde e Bem Estar Social) lavrou 4 "Auto/Termo" (fls. 147-150): b.1) contra

Nutryervas, Rua Rocha Pombo, 184, de apreensão cautelar de produtos "por não possuírem registro no Ministério da Saúde": isoflavona em cápsulas, anti-reumático em cápsulas, valeriana composta em

cápsulas, composto energético em cápsulas, garra do diabo em pó, cáscara sagrada etc); b.2) idem, idem, de interdição, pelo fato de estar produzindo, fabricando, embalando, armazenando etc, produtos fitoterápicos sem registro e autorização do Ministério da Saúde; b.3) contra Nutryervas, Rua Dr. Alcir Castelo Branco s/nº, auto de infração, por estar produzindo medicamentos fitoterápicos sem registro e autorização de funcionamento da empresa (AFE); b.4) idem, idem, de apreensão e inutilização de "todos os produtos encontrados no endereço" por se tratar de local clandestino e produtos sem registro no Ministério da Saúde.

Portanto, os alimentos/medicamentos apreendidos durante o processo de fiscalização acham-se discriminados no documento de fl. 147. São eles: isoflavona em cápsulas, anti-reumático em cápsulas, valeriana composta em cápsulas, composto energético em cápsulas, garra do diabo em pó e cáscara sagrada.

A IN n. 05/2008 da ANVISA torna pública a "Lista de Medicamentos Fitoterápicos de Registro Simplificado", na qual constam dois dos produtos apreendidos, quais sejam a Cáscara Sagrada e a Valeriana (v. tabela de fl. 13).

Basta uma simples leitura da referida instrução para perceber que essas substâncias traduzem-se em "medicamentos", e não em meros alimentos in natura, como quer fazer crer a autora.

Além disso, estão, sim, sujeitos a registro na ANVISA, embora esse registro seja feito de forma simplificada.

A isoflavona, a garra do diabo, o anti-reumático e o composto energético, de fato, não constam na referida lista. Isso, porém, não permite concluir que estão livres da obrigatoriedade de registro.

Note-se que a Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) da ANVISA, n.

278, de 22/09/2005 (fl. 162), estabelece a obrigatoriedade de registro dos alimentos classificados como "suplemento vitamínico e ou mineral" (Anexo II), categoria na qual pode, prima facie, ser enquadrado o composto energético apreendido.

Quanto à isoflavona e à garra do diabo, não há maiores informações nos autos, mas parecem tratar-se de plantas medicinais, que poderiam ser enquadradas como "alimentos com alegações de propriedade

funcional e ou de saúde", cujo registro é obrigatório, na forma do Anexo II da RDC n. 278/2005.

Uma rápida pesquisa na Internet indica que, quanto à isoflavona: A Isoflavona de soja é um fito-hormônio utilizado no tratamento dos sintomas ligados ao climatério, como: ondas de calor, desânimo, cansaço, alterações de humor, depressão e insônia. Além disso, o uso da Isoflavona reduz o risco de doenças cardiovasculares e

osteoporose, sendo especialmente indicado para pacientes que nao podem ou nao querem fazer o uso da Terapia de Reposição Hormonal) tradicional.(disponívelem:http://www.sunnydaycosmeticos.com.br/produ tos/produtosnaturais/alimentos.html, acesso em 30/03/2009).

E quanto à garra do diabo:

A planta era comumente usada pelos nativos africanos, na forma de infusão, em doenças reumáticas, diabetes, arteriosclerose, doenças do fígado, rins e bexiga. Além de possuir também uma possível ação benéfica sobre doenças do estômago, vesícula, pâncreas e intestinos.

Também proclamavam que seu uso regular reduzia os males da velhice e as artérias tornavam-se mais elásticas.

[...]

Pela ação dos heterosídeos e do B-sitosterol, a garra-do-diabo deempenha sua principal propriedade, a de antiinflamatória, por mecanismos de inibição da síntese de prostaglandinas interferindo na permeabilidade da membrana celular e influenciando a inibição da prostaglandina sintetase; O composto denominado harpagoside possui ação antiespasmódica.

A garra-do-diabo favorece um aumento da atividade do fígado

estimulando a desintoxicação, especialmente quanto à eliminação de uréia.

Possui também um efeito estimulante sobre o sistema linfático.

Estudos ainda em desenvolvimento buscam elucidar sua provável ação sobre a vesícula, pâncreas, estômago, intestinos e rins.

A garra-do-diabo é indicada no tratamento de doenças reumáticas, artrite, artrose, gota, e reumatismo, dispepsia e falta de apetite.

A garra-do-diabo tem ação analgésica, antiinflamatória e

espasmolítica e estimulante digestivo.

Contra-indicações da Garra-do-Diabo

Pessoas com úlcera nas vias digestivas e intestinais. Mulheres grávidas (por possuir ação abortiva, devido a presença do

B-sitosterol).

Não há qualquer informação acerca da composição do anti-reumático, o que não permite saber se não se trata, na verdade, de um

medicamento, ao invés de um mero alimento in natura. Porém, o próprio nome do produto (anti-reumático) indica tratar-se de um remédio, ou que, no mínimo, tem a pretensão de apresentar-se ao consumidor como sendo um remédio para reumatismo.

Por outro lado, numa pesquisa feita neste momento (30/03/2009) no site da própria empresa autora na Internet

(http://www.nutryervas.com.br/ produtos_naturais.php), note-se o enfoque comercial dado a seus produtos, muito mais no sentido de medicação do que de mero alimento:

Os Produtos Naturais Realmente Funcionam?

A maioria dos remédios alopáticos (os...

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