Decisão Monocrática nº 2008/0060484-7 de T1 - PRIMEIRA TURMA

Data29 Abril 2011
Número do processo2008/0060484-7
ÓrgãoPrimeira Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECURSO ESPECIAL Nº 1.046.090 - PE (2008/0060484-7) (f)

RELATOR : MINISTRO JORGE MUSSI

RECORRENTE : E.A.D.S.

ADVOGADO : MARK SANDER DE ARAÚJO FALCÃO E OUTRO(S)

RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

DECISÃO

Trata-se de recurso especial interposto por E.A.D.S., com fulcro no art. 105, III, "a" e "c", da Constituição da

República, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região.

Consta dos autos que o Recorrido foi denunciado juntamente com outros supostos comparsas pela prática do delito previsto no art.

171, § 3º, c/c art. 71, ambos do Código Penal, nos seguintes termos: "O inquérito policial anexo foi instaurado em razão dos resultados obtidos através de auditoria analítica procedida pelo então

Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) no Serviço de Assistência Médica do São Francisco (SAMESF), os quais demonstraram a ocorrência de diversas irregularidades na prestação dos serviços médicos hospitalares por parte desta

entidade, as quais deram ensejo ao pagamento indevido, por parte do SUS - Sistema Único de Saúde - de valores por aquela cobrados fraudulentamente.

[...]

Segundo se depreende deste relatório a Secretaria de Saúde do Estado de Pernambuco celebrou com o SAMESF - pessoa jurídica de direito privado localizada na cidade de Petrolina/PE - Contrato de prestação de serviços médico-hospitalares de clínica médica, cirurgia,

obstetrícia e pediatria a beneficiários do SUS. Entretanto, segundo se apurou no processo administrativo acima aludido, tal contrato deu ensejo ao cometimento de várias fraudes em detrimento do Sistema Único de Saúde.

Verifica-se dos autos que as ações delituosas dos denunciados consistiam em fraudar toda a documentação (prontuários, guias, etc.) sobre os procedimentos médico-hospitalares ocorridos no SAMESF, no período de agosto e novembro do ano de 1992.

A mencionada auditoria realizada pelo então INAMPS demonstrou que 100 % (cem por cento) dos prontuários médicos apresentavam "erros administrativos". Também fico ali consignado que havia rasuras sistemáticas das datas de admissão e alta dos pacientes, bem como nas datas dos sumários de admissão e alta. Constatou-se, ainda, a existência de laudos de solicitação de AIH (Autorização de

Internamento Hospitalar) eletiva com data de emissão anterior à solicitação, condutas estas que resultaram em prejuízo aos cofres da União.

Assim, para citar exemplos, houve a emissão de AIHs distintas para duas pessoas, a primeira denominada MARIA VERÔNICA ARAÚJO BENTO e a segunda M.V.A.B., ambas possuindo a mesma data de nascimento e o mesmo endereço, o que claramente demonstra ardil perpetrado para se cobrar indevidamente ao SUS procedimentos não realizados.

O mesmo ocorreu com AIHs expedidas em nome de MARIA DO CARMO

OLIVEIRA CRATEU e de M.D.C.O., com idêntica data de nascimento e endereço. Tais exemplos demonstram, pois, as condutas delituosas do diretor do SAMESF e sua equipe, pois que não existiram casos isolados, mas sim uma sistemática atuação fraudulenta por parte da Direção do Hospital, em detrimento do erário [...].

O laudo de exame contábil [...], elenca diversas outras

irregularidades ocorridas no SAMESF e que ensejaram prejuízos ao SUS:

  1. cobrança de complementação (pagamento) aos pacientes por

    acomodações e também de honorários médicos;

  2. falta de medicação para pacientes hospitalizados;

  3. cobrança indevida de procedimentos;

  4. montagem de dados;

  5. evolução médica diária de pacientes não hospitalizados;

  6. rasuras nas datas de admissão, alta, evolução médica;

  7. elevado número de alta precoce;

  8. elevado número de colpoperineoplastias;

  9. preenchimento irregular de laudos de solicitação de AIH;

  10. internações relacionadas como eletiva são na sua maioria oriundas do ambulatório do próprio hospital e com autorização de DIRES; k) sumário de admissão e alta montadas, sendo que suas datas diferem várias vezes das fichas cirúrgicas;

  11. comprovação de cobrança indevida, por profissionais de atos médicos que não realizaram, mas cobraram na AIH e receberam;

  12. existência de duas ou mais AIHs cobrando atos não realizados de internações não existentes;

  13. cobrança de dois partos normais para um única paciente no mesmo dia;

  14. cobrança de duas amputações de pênis para um mesmo paciente, além de uma postectomia;

  15. inúmeras cirurgias realizadas ao mesmo tempo pela mesma equipe cirúrgica e/ou com o mesmo anestesista;

  16. participação do Diretor da VIII DIRES - Divisão Regional de Saúde como cirurgião obstetra e 1º auxiliar cirúrgico, como credenciado tipo 7 e tipo 4.

  17. elevado número de parto cesário 36 % (trinta e seis por cento) além do permitido.

    O primeiro denunciado, E.A.D.S., era o proprietário do hospital em questão e eu diretor à época dos fatos apurados pela auditoria, tendo, portanto, todo conhecimento das volumosas e sistemáticas fraudes cometidas em seu estabelecimento, já que todo procedimento passava por seu crivo.

    [...]

    As falsidades das declarações dos acusados na documentação

    pertencente ao estabelecimento médico foram descobertas através da auditoria acima mencionada, estando todas comprovadas nos laudos periciais de fls. 383/387, 410/412, 425/429, 512/514, restando fartamente demonstrada a materialidade delitiva. Da mesma forma se encontra demonstrada as autorias delitivas, através dos depoimentos carreados na seara policial e pela farta documentação acostada aos autos." (fls. 3/11)

    A denúncia restou recebida em 12/2/2004 (fls. 922). Após regular instrução criminal, o Juiz Federal da Subseção Judiciária do Estado de Pernambuco extinguiu o processo ante a ocorrência de prescrição da pretensão punitiva do Estado na modalidade virtual, conforme termos assim ementados:

    "DIREITO PROCESSUAL PENAL. PRESCRIÇÃO ANTECIPADA OU EM PERSPECTIVA.

    RECONHECIMENTO. CASO CONCRETO. EXCEPCIONALIDADE. PARTICULARIDADES.

    APLICAÇÃO DA PENA. MÍNIMO LEGAL OU PRÓXIMO DELE. CRIMES.

    CONTINUIDADE DELITIVA. CÔMPUTO. NÃO INFLUÊNCIA NO CÁLCULO DA

    PRESCRIÇÃO. SÚMULA N.º 497 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INUTILIDADE DO PROCESSO. SUPERVENIENTE FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. CARÊNCIA DA AÇÃO. DOUTRINA. PRECEDENTES. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO.

    1. Deparando-se o Magistrado, no caso concreto, com a certeza de que a pena a ser aplicada aos réus estará indubitavelmente prescrita quando cotejada com a pena a ser aplicada no comando sentencial (art. 110 do Código Penal), não há como se entender o prosseguimento do trâmite processual, dês que redunda em evidente inutilidade da atividade jurisdicional. Doutrina. Precedentes.

    2. Quando se tratar de crime continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação - súmula n.º 497 do Supremo Tribunal Federal.

    3. A prescrição pela pena em perspectiva pode ser reconhecida, em face do caráter finalístico do processo e da utilidade do seu resultado. Estando demonstrado nos autos que as circunstâncias judiciais e legais não justificam a exasperação da pena além do máximo legal, pode ser reconhecida antecipadamente a extinção da punibilidade.

    4. De nenhum efeito a persecução penal com dispêndio de tempo e desgaste do prestígio da Justiça Pública, se, considerando-se a pena em perspectiva, diante das circunstâncias do caso concreto, se antevê o reconhecimento da prescrição retroativa na eventualidade de futura condenação. Falta, na hipótese, o interesse teleológico de agir a justificar a concessão ex officio de habeas corpus para trancar a ação penal.

    5. Extinção do feito sem resolução de mérito." (fls. 1492/1493) Contra tal decisão, o Parquet estadual interpôs recurso de apelação, tendo a Corte a quo dado provimento à irresignação a fim de afastar o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva do Estado ante a inexistência no ordenamento jurídico da causa extintiva na

      modalidade virtual.

      Irresignada, a defesa interpõe o presente recurso especial, alegando que o aresto impugnado teria violado o art. 107, IV, 1ª parte, arts.

      109, 110, § 1º e § 2º, todos do Estatuto Repressor e o art. 43, III, do Código de Processo Penal, bem como a ocorrência de divergência jurisprudencial sobre a matéria.

      Assevera que o ordenamento jurídico admitiria a prescrição em perspectiva da pretensão punitiva do Estado, sendo que a

      continuidade da ação penal representaria verdadeira falta de

      interesse de agir.

      Contrarrazões apresentadas às fls. 1659/1667. O recurso foi admitido na origem (fls. 1669/1670) e, remetido os autos a este Sodalício Superior, manifestou-se a Subprocuradoria Geral da República pelo parcial conhecimento do apelo especial e, nesta extensão, pelo seu desprovimento, nos seguintes termos ementados:

      "RECURSO ESPECIAL. ESTELIONATO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO ANTECIPADA. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. DISSÍDIO PRETORIANO NÃO DEMONSTRADO. PREQUESTIONAMENTO.

      AUSÊNCIA.

      - Dissídio pretoriano (CF, art. 105, III, 'c') não demonstrado nos moldes determinados no artigo 255 do Regimento Interno do c.

      Superior Tribunal de Justiça e do artigo 541, parágrafo único, do Código de Processo Civil.

      - Se o eg. Tribunal de origem não se pronunciou acerca do

      dispositivo infraconstitucional tipo por violado, padece o recuso especial de prequestionamento indispensável ao acesso às instâncias excepcionais.

      - A teor dos parágrafos 1º e 2º do artigo 110 do Código Penal, a prescrição da pretensão punitiva regulada pela pena em concreto tem como pressuposto o trânsito em julgado da condenação para a

      acusação. Falta amparo legal para a aplicação da denominada

      prescrição em perspectiva, antecipada ou virtual, fundada em

      condenação apenas hipotética. Precedentes do STJ.

      - Parecer pelo conhecimento parcial e, nessa extensão, pelo

      desprovimento do recurso especial." (fls. 1677)

      Decido.

      Inicialmente, vale ressaltar que a presente irresignação defensiva não merece conhecimento pela alínea "c" do inciso III do art. 105 da Constituição Nacional, pois não restou comprovada a divergência jurisprudencial nos termos da legislação...

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