Acórdão nº 0002440-68.2010.4.01.3810 de Tribunal Regional Federal da 1a Região, Quarta Turma, 20 de Junio de 2011

Data20 Junho 2011
Número do processo0002440-68.2010.4.01.3810
ÓrgãoQuarta turma

Assunto: Crimes Contra a Flora - Crimes Contra o Meio Ambiente (lei 9.605/98) - Crimes Previstos na Legislação Extravagante - Penal

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0002440-68.2010.4.01.3810/MG RELATOR: EXMO. SR. JUIZ FEDERAL MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS (CONVOCADO)

RECORRENTE: JUSTIÇA PÚBLICA

PROCURADOR: JOSÉ LUCAS PERRONI KALIL

RECORRIDO: ANTÔNIO BOSCO RIBEIRO

DEFENSOR: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO

ACÓRDÃO

Decide a Turma, à unanimidade, quanto ao crime previsto no art.

330 do Código Penal, de ofício, reconhecer a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva do Estado com fundamento na pena em abstrato (arts. 107, IV, 109, VI, e 114, II, todos do CP), e dar parcial provimento ao recurso, para, desconstituindo a decisão de fls. 41/44, receber a denúncia quanto aos crimes previstos nos arts. 38, 40 e 48 da Lei nº 9.605/1998, em concurso formal, determinando o regular processamento da causa.

4ª Turma do TRF da 1ª Região - 20/06/2011.

Juiz Federal MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS Relator Convocado

RELATÓRIO

O EXMO. SR. JUIZ FEDERAL MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS (RELATOR CONVOCADO):

A PRR/1ª Região assim sumariou os fatos:

"O parquet federal denunciou Antônio Bosco Ribeiro pelo caput do art. 38 - c.c. a alínea e do inc. Il do art. 15, caput do art. 40 e pelo art. 48, todos da Lei 9.605/1998 e na forma do art. 70 do Codex Penal (concurso formal), em concurso material com o art. 330 do Código Penal, por ter, em 21/09/2008, danificado floresta considerada de preservação permanente, utilizando-a com infringência às normas de proteção, causando dano direto Unidade de Conservação - APA da Serra da Mantiqueira, impedindo a regeneração da vegetação degradada. O acusado teria, ainda, desobedecido a termo de embargo, imposto em 1998. O parquet pediu pela aplicação do art. 20 da Lei 9.605/1998.

Decisão das fls. 41/44, rejeitou a inicial, com base nos incs. I e III do art. 395 do Codex processual penal. (...) No recurso das fls. 45/55, o parquet aduz que boletim de ocorrência não pode sustentar conclusão no sentido da área roçada não ser de preservação permanente. Tal demanda pronunciamento de órgão ambiental especializado. Ainda que o relatório de fiscalização silencie sobre esse ponto, o magistrado a quo deveria ter observado o in dubio pro societatis. E a conduta narrada ainda se amolda aos arts.

40 e 48 da Lei Ambiental de 1998, pois o acusado promoveu roçada sem autorização na APA Serra da Mantiqueira, impedindo a regeneração da vegetação. Aponta que o termo de embargo vedava qualquer tipo de exploração florestal, '(...) nada autorizando a interpretação de que se restringiria apenas às atividades de supressão de vegetação de grande porte' - ver fl. 49. 'Irrelevante, outrossim, a aceitabilidade de tal prática. Não que se queira privar o recorrido das atividades que lhe garantam a subsistência. A verdade é que essas atividades não se podem desenvolver em completo desrespeito ao direito, assegurado na própria Constituição, ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado. É exatamente a compatibilização entre o progresso econômico social e a preservação do meio ambiente que busca o princípio do desenvolvimento sustentável, tão propalado na pauta das discussões ambientais' - ver fl. 50. Aponta que a atividade do denunciado é ilícita, pois o art. 28 da Lei 9.985/2000 veda, nas unidades de conservação, quaisquer alterações, atividades ou modalidades de utilização em desacordo com seus objetivos. Defende a inaplicabilidade do princípio da insignificância em sede de crimes ambientais, mormente quando, in casu, dois hectares - vinte mil metros quadrados, foram roçados em área contida na APA Serra da Mantiqueira, em manifesta desobediência ao termo de embargo, impedindo a regeneração da vegetação outrora degradada" (fls. 76/78).

Contrarrazões apresentadas às fls. 63/68.

Decisão mantida pelo magistrado, à fl. 70, no juízo de retratação.

O Ministério Público Federal observou que a pretensão punitiva estatal quanto ao crime de desobediência (art. 330 do CP) foi alcançada pela prescrição (fl. 78). Ainda, opinou pelo parcial provimento do recurso, sendo a denúncia recebida, nos termos da Súmula 709 do Supremo Tribunal Federal, pelos crimes ambientais previstos nos arts. 38, 40 e 48 da Lei nº 9.605/1998, em concurso formal (fl. 82).

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. JUIZ FEDERAL MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS (RELATOR CONVOCADO):

A ação penal foi proposta nesses termos:

"O Ministério Público Federal, presentado pelo Procurador da República ao final subscrito, no uso das atribuições que lhe são constitucional e legalmente conferidas, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, oferecer DENÚNCIA em face de:

ANTÔNIO BOSCO RIBEIRO, brasileiro, solteiro, agricultor, portador da Cédula de Identidade nº 22.735.179-4, expedida pela SSP/MG, inscrito no CPF sob o nº 413.802.826-91, nascido aos 16 de março de 1959, filho de José Serafim Mota e Helena Maria Mota, residente e domiciliado no Sítio Bertina, Bairro Sertão dos Martins, zona rural, em Passa Quatro/MG, pela prática dos fatos adiante descritos.

Consta do incluso Inquérito Policial que, em data imprecisa, mas anterior a 21 de setembro de 2008, no Sítio Bertina, Bairro Sertão dos Martins, zona rural de Passa Quatro/MG, o denunciado, com cognição e liberdade volitiva, com auxílio de terceiros não-identificados, danificou floresta considerada de preservação permanente, utilizou-a com infringência das normas de proteção, causou dano direto a Unidade de Conservação - APA Serra da Mantiqueira - e impediu a regeneração natural da forma de vegetação sobre a qual interveio, mediante atividade de movimentação de terra (roçada), conforme Boletim de Ocorrência nº 81.205/2008 (fls. 06/07), Auto de Infração nº 447213-D (fl. 08) e Relatório de Vistoria nº 0053/09 APA da Serra da Mantiqueira (fls. 15/18).

Consta também que, nas mesmas circunstâncias de tempo e local acima, o denunciado desobedeceu à ordem legal de funcionário público, ou seja, descumpriu o 'Termo de Embargo' nº 136379/C (fl. 05), imposto em 01/10/98, conforme Auto de Infração nº 447213-D (fl. 08).

Segundo se apurou, o denunciado Antônio Bosco Ribeiro, embora ciente desde o dia 01/10/98 de que a área em questão estava embargada, para qualquer tipo de exploração florestal (fl. 05), desprezou a ordem legal e, sem autorização dos órgãos ambientais competentes, mediante atividade de roçada em uma área de 02.00.00 ha (dois hectares), danificou floresta considerada de preservação permanente, utilizou-a com infringência das normas de proteção, causou dano direto a Unidade de Conservação - APA Serra da Mantiqueira - e impediu a regeneração natural da forma de vegetação sobre a qual interveio.

Consoante se extrai do Laudo de Vistoria da APA Serra da Mantiqueira (fls. 15/18), datado em 04/07/2009, constatou- se que a área em questão havia sido suprimida, por meio de atividade de roçada, sendo que os restos da vegetação ainda se encontravam no local, conforme as fotos 2 a 6 (fls. 17/18), além de que a atividade está impedindo a regeneração natural da vegetação.

Ainda conforme o Relatório da APA Serra da Mantiqueira:

'As medidas necessárias à recuperação ambiental do dano deverão ser apresentadas pelo autuado, por meio de um Plano de Recuperação de Àrea Degradada, elaborado por profissional habilitado, com a devida Notação de Responsabilidade Técnica. Tal PRAD deverá passar por análise técnica e jurídica desse Instituto'.

Não há dúvidas quanto à autoria do delito de desobediência (art. 330 do Código Penal), bem como dos delitos contra a flora (arts. 38, 40 e 48 da Lei n° 9.605/98), haja vista que Antônio Bosco Ribeiro, além de ter assinado o 'Termo de Embargo' nº 136379/C (fl. 05), imposto em 01/10/98, é o proprietário do imóvel, conforme se verifica nos autos (fls. 05/08, 15/16 e 29), e, como tal, tinha para si o comando final da ação.

A materialidade delitiva consubstancia-se no Auto de Infração n° 447213-D (fl. 08), 'Termo de Embargo' nº 136379/C (fl. 05), imposto em 01/10/98, e Laudo de Vistoria de fls. 15/18.

Ante todo o exposto, o Ministério Público Federal denuncia ANTÔNIO BOSCO RIBEIRO como incurso nas sanções do art. 38, caput, c/c art. 15, lI, alínea 'e', art. 40, caput, e art.

48, todos da Lei nº 9.605/1998, na forma do art. 70 do Código Penal (concurso formal), e, ainda, em concurso material com o art. 330 do Código Penal, inclusive com a fixação do valor mínimo para reparação do dano, nos termos do art. 20 da Lei nº 9.605/98" (fls. 36/38).

Da decisão que rejeitou a denúncia destaco:

"O Ministério Público Federal afirma na denúncia que a área roçada é de preservação permanente, o que não confere com o que foi dito no boletim de ocorrência [07]. Como nenhum dos dois fundamenta a afirmação, fica dúvida sobre a ocorrência de elemento essencial do tipo do artigo 38 da Lei 9.605.

O termo de embargo de folhas 5 diz que 'fica embargada qualquer tipo de exploração florestal na área objeto da infração até decisão superior, bem como ficam apreendidos um volume estimado de 06St de lenha nativa (madeira branca), e um volume estimado em (ilegível)St de mourões de madeira nativa (madeira branca)'.

Foi embargado, portanto, o corte de árvores, de formas de vegetação grandes o suficiente para produzir lenha ou mourões. A roçada, ou corte com foice, elimina formas de vegetação de pequeno porte, como se vê na foto de folhas 18. É prática largamente utilizada pelas populações rurais para viabilizar a agricultura ou a renovação de pastagens.

No caso, conforme depoimento do denunciado, para 'limpar' suas ameixeiras.

O conceito de embargo a 'exploração florestal', num contexto em que se proibia a retirada de lenha ou mourões, não alcança a atividade de eliminar a vegetação miúda para permitir o cultivo de árvores frutíferas.

A atividade agrícola consiste em estimular a produção de variedades vegetais economicamente interessantes, inclusive pela eliminação das espécies concorrentes. Num ambiente em que as...

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