Acordão nº 0000360-56.2010.5.04.0871 (RO) de Tribunal Regional do Trabalho - 4ª Região (Rio Grande do Sul), 14 de Julio de 2011

Data14 Julho 2011
Número do processo0000360-56.2010.5.04.0871 (RO)
ÓrgãoTribunal Regional do Trabalho - 4ª Região (Porto Alegre - RS) (Brasil)

VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juiz da Vara do Trabalho de São Borja, sendo recorrente CONCEIÇÃO PEREIRA ESCOBAR (ESPÓLIO DE) e recorrida ZAIR RODRIGUES DOS SANTOS.

Inconformado com a sentença de fls. 120-8, proferida pelo Juiz Osvaldo Antonio da Silva Stocher, o espólio reclamado interpõe recurso ordinário às fls. 133-40. Requer a reforma do julgado no tocante à existência de vínculo de emprego, diferenças salariais, férias, gratificações natalinas, repousos semanais remunerados, dobra salarial dos sábados e domingos, contribuições previdenciárias e fiscais.

Sem contra-razões, sobem os autos ao Tribunal.

É o relatório.

ISTO POSTO:

RECURSO ORDINÁRIO DO ESPÓLIO RECLAMADO.

1. VÍNCULO DE EMPREGO.

O espólio reclamado requer a reforma da sentença no tocante à existência de vínculo de emprego, sob fundamento de que a prova é controversa. Aduz que as testemunhas da reclamante confirmaram a prestação de serviços para o reclamado, enquanto que as testemunhas do reclamado negaram tal fato. Entende que não se encontram preenchidos os requisitos previstos no art. 1º da Lei nº 5.859/72, porque a relação existente entre as partes era de prestação de favores pela locatária ao locador. Afirma que não há prova robusta das alegações da petição inicial. Assevera que o fato de a autora não receber salário comprova que a lide é temerária, porque ninguém trabalha sem receber remuneração. Sustenta que a existência de contrato de comodato afasta o vínculo de emprego reconhecido na origem. Diz que não restou comprovada a subordinação, porque o de cujus nunca comandou a reclamante, tampouco exerceu autoridade sobre ela. Refere que a relação havida entre as partes era familiar, sendo que a autora apenas ajudava o de cujus nas horas vagas, inclusive no banho dele, o que demonstra a intimidade entre eles. Destaca que ajudas mútuas são comumente praticadas por vizinhas no meio urbano. Salienta que a reclamante administrava a casa do réu, onde o auxiliava de maneira graciosa, se não em todo o período, ao menos após a doença que o impossibilitou, como afirmado pela prova oral, buscando medicamentos, recepcionando visitas, passando a realizar essas atividades em nome próprio a partir de então. Afirma que a reclamante e o falecido viviam juntos como uma só família, dividindo a residência, sem qualquer traço de subordinação jurídica. Menciona que o auxílio prestado pela reclamante ao falecido e os cuidados com a saúde e higiene pessoal dele fazem parte de sua condição de cidadã, na medida em que é obrigação de todos cuidar dos idosos, nos termos do art. 3º da Lei nº 10.741/03. Por fim, sustenta a inexistência de onerosidade, já que a autora admite que nunca recebeu salário, o que, a seu ver, afasta a existência de vínculo de emprego.

Ao exame.

Na petição inicial, a reclamante relata que foi admitida pelo falecido Conceição Pereira Escobar como empregada doméstica em 17/10/1990, mas sua CTPS nunca foi assinada. Informa que a relação empregatícia perdurou até 26/05/2010, quando ocorreu o óbito do Sr. Conceição. Afirma que na época em que foi trabalhar para o falecido, este já contava com 74 anos de idade, era viúvo e não tinha nenhum parente que dispensasse os cuidados que uma pessoa idosa necessita, embora alguns netos residissem na mesma cidade. Consigna que, além dos serviços domésticos (cozinhar, lavar roupar, cuidar da casa) também cuidava do falecido e de sua higiene pessoal, dando a medicação e a alimentação nos horários corretos. Destaca que recebia meio salário mínimo pelo trabalho prestado, embora sua jornada de trabalho ultrapasse 16 horas diárias.

Em contestação, o espólio reclamado nega a existência de vínculo de emprego. Afirma que a reclamante locava o imóvel localizado no mesmo terreno do falecido por meio de contrato verbal e que, se cuidava dele, era por livre e espontânea vontade, pois a filha e os netos prestavam toda a assistência a ele. Diz que a autora exercia suas atividades em outro imóvel. Consigna que nunca existiu pagamento de salário e que a reclamante não acosta aos autos documentos nesse sentido.

Em sentença, foi reconhecido o vínculo de emprego entre as partes, pelos seguintes fundamentos (fls. 121/verso a 125/verso):

Pelo exame dos depoimentos transcritos verifica-se que restou comprovada a prestação de serviços da reclamante em favor do de cujus.

Como se extrai de seu depoimento, a segunda testemunha indicada pela reclamante detinha plenas condições de observar a execução dos seus serviços, pois morou por aproximadamente 20 anos ao lado da casa do de cujus. Esta testemunha também soube fornecer detalhes das tarefas desempenhadas pela reclamante, tais como a limpeza da casa, o preparo de comida e a lavagem de roupas. Por último, a testemunha refere acreditar que a reclamante morava e trabalhava no local há mais de 18 anos, o que se mostra coerente ao exposto na petição inicial, segundo a qual o labor foi prestado de 17-10-1990 a 25-6-2010, ou seja, por um período de mais de 19 anos.

Embora não seja tão esclarecedor quanto o depoimento anteriormente abordado, o exposto pela primeira testemunha indicada pela reclamante também reforça a convicção de que esta era empregada do de cujus, inclusive porque a depoente também presenciou pessoalmente a prestação de tarefas atinentes ao labor doméstico, tendo referido que viu a reclamante dando banho no de cujus.

A prova constante dos depoimentos das testemunhas convidadas pelo reclamado - sendo uma ouvida apenas como informante - não se mostra suficiente para infirmar a conclusão já exposta quanto à existência da relação de emprego. Veja-se que tal prova é destoante quanto ao fato de a sra. Fátima ter trabalhado em outro local. Enquanto Maria Leontina, primeira testemunha indicada pelo reclamado, afirma que a sra. Fátima possuía um comércio em Santo Antônio das Missões, a informante Maria Lucia refere que, ao que sabe, a Sra. Fátima não trabalhava em outro local.

O depoimento da primeira testemunha indicada pelo reclamado também não merece prevalecer porque esta não observava diuturnamente o que ocorria na residência do de cujus. Como a testemunha expõe, sabe do período que a reclamante morou nos fundos da casa do de cujus porque seguidamente ia a Santo Antônio das Missões. Além de não ter detido condições de observar com frequência os fatos sob exame, a testemunha tampouco refere que, nas oportunidades em que se deslocava àquele município, tenha permanecido onde lhe fosse possível apreender o que se passava com o de cujus. A testemunha também afirma que é conhecida da Fátima e que a residência de Fátima ficava localizada a aproximadamente 2 quadras e meia da residência do de cujus. No entanto, não afirma com certeza se era a sra. Fátima que cuidava deste último, expressando em seu depoimento o seguinte: ao que sabe quem cuidava do de cujus era Fátima.

Também não ficou provada a existência de locação do imóvel à reclamante, conforme a tese da defesa. A primeira testemunha convidada pelo reclamado, perguntada se a reclamante pagava aluguel ao de cujus, disse que "acha que sim", mas não tem certeza quanto a tal fato. A informante, por seu turno, afirma que por intermédio da Sra. Eva sabe que a casa dos fundos era alugada para a reclamante. Em suma, a testemunha do reclamado apenas acha que a reclamante pagava aluguel, enquanto que a informante sabe do fato apenas de maneira indireta, mediante informação prestada pela sra. Eva.

Destaco ainda que as alegações deduzidas pelo reclamado acerca da existência de contrato de locação são contraditórias. O reclamado argumenta que a reclamante locava o imóvel localizado no mesmo terreno do de cujus, mediante contrato verbal (fl. 55, parte final). Após, afirma que a sua saída ocorreu devido a um contrato de comodato que o de cujus detinha com a reclamante, segundo o qual estaria previsto o seguinte, em sua cláusula 8ª: Extingue-se o presente contrato de COMODATO com a morte da COMODANTE ou COMODATÁRIO. Em caso de morte do segundo, todo o imóvel será restituído imediatamente à primeira (fl. 59). Percebe-se que o reclamado ora alega que o contrato era verbal, ora alude a cláusula de um contrato supostamente escrito.

De qualquer forma, não foi comprovada a existência da alegada condição de locatária da reclamante. Não houve prova de ajuste verbal e, do contrato das fls. 69-70, que trata de pretenso comodato, a reclamante não é parte.

Cumpre ressaltar que as demais alegações tecidas por ambos os litigantes acerca da licitude ou não da posse do imóvel ocupado pela reclamante não surtem qualquer efeito para o deslinde da presente controvérsia, motivo pelo qual não são apreciadas nesta decisão.

Por fim, cumpre destacar que tampouco...

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