Acórdão nº REsp 888417 / GO de T4 - QUARTA TURMA

Data07 Junho 2011
Número do processoREsp 888417 / GO
ÓrgãoQuarta Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECURSO ESPECIAL Nº 888.417 - GO (2006⁄0212228-9)

RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
RECORRENTE : ESTADO DE GOIÁS
PROCURADOR : V.J.C.A. E OUTRO(S)
RECORRIDO : R.G.B.
ADVOGADO : MARINHO VICENTE DA SILVA

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. POSSE DE BEM PÚBLICO OCUPADO COM BASE EM "CONTRATO VERBAL". INVIABILIDADE. COM A EXTINÇÃO DE AUTARQUIA ESTADUAL, OS BENS, DIREITOS E OBRIGAÇÕES TRANSFEREM-SE AO ENTE PÚBLICO FEDERADO. LIMINAR EM AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE, TENDO POR OBJETO ÁREA OCUPADA, MESMO QUE HÁ MAIS DE ANO E DIA. POSSIBILIDADE.

1. Em regra, não há falar em contrato verbal firmado com a Administração Pública, sobretudo quando diz respeito a autorização para ocupação de imóvel pertencente a Autarquia, visto que, pela natureza da relação jurídica, é inadmissível tal forma de pactuação.

2. Houve a transmissão da posse do imóvel em litígio ao Estado, por força de lei estadual que extinguiu o DER-GO, transferindo os bens, direitos e obrigações da autarquia para o Estado de Goiás, daí que o recorrido tem mera detenção do bem.

3. O artigo 1.208 do Código Civil dispõe que "não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade".

4. Após regular notificação judicial para desocupação do imóvel, e com a recusa do detentor, passou a haver esbulho possessório, mostrando-se adequada a ação de reintegração de posse.

5. Descabe análise a respeito do tempo de "posse" do detentor, pois, havendo mera detenção, não há cogitar de "posse velha" (artigo 924 do Código de Processo Civil) a inviabilizar a reintegração liminar em bem imóvel pertencente a órgão público.

6. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.Os Srs. Ministros Raul Araújo, M.I.G. e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 07 de junho de 2011(Data do Julgamento)

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

Relator

RECURSO ESPECIAL Nº 888.417 - GO (2006⁄0212228-9)

RECORRENTE : ESTADO DE GOIÁS
PROCURADOR : V.J.C.A. E OUTRO(S)
RECORRIDO : R.G.B.
ADVOGADO : MARINHO VICENTE DA SILVA

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

1. O Estado de Goiás, ora recorrente, ajuizou, em 23 de maio de 2002, ação de reintegração de posse. Informa possuir imóvel urbano localizado no município de Goiânia, Avenida Anhangüera, quadra 11, lote 14, casa 1, onde funcionava a sede do Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de Goiás- DER-GO (extinta autarquia estadual), e atualmente está afetado à Secretaria de Segurança Pública. Narra que o imóvel está ocupado, mediante transferência verbal de uso, realizada pelo então DER-GO para seu servidor. Argumenta que notificou judicialmente o réu a desocupar o imóvel, pois necessita da área para melhor abrigar os órgãos e agentes públicos. Sustenta que o recorrido, ao desatender a notificação, vem praticando esbulho tornando necessário o ajuizamento da ação possessória.

O Juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Goiânia - GO extinguiu o processo por entender haver carência da ação, sustentando que o autor não demonstrou a posse anterior sobre a área em litígio.

Interpôs o Estado recurso de apelação, resultando: a) o recurso foi desprovido, por entender o Tribunal de origem que não houve nos autos prova hábil a demonstrar que o autor tenha exercido posse; b) a remessa necessária foi parcialmente provida para reformar a parte dispositiva da sentença, julgando improcedentes os pedidos formulados na inicial.

O acórdão tem a seguinte ementa:

DUPLO GRAU DE JURISDICAO. APELACAO CIVEL. ACAO DE REINTEGRACAO DE POSSE. AUSENCIA DOS REQUISITOS LEGAIS. NO CASO DE REINTEGRACAO DE POSSE, NOS TERMOS DO ARTIGO 927 DO CODIGO DE PROCESSO CIVIL, INCUMBE AO AUTOR PROVAR, I - A SUA POSSE, II - A TURBACAO OU O ESBULHO PRATICADO PELO REU, III - A DATA DA TURBACAO, NA ACAO DE MANUTENCAO A PERDA DA POSSE, NA ACAO DE REINTEGRACAO. SE O AUTOR NAO COMPROVA ANTERIORIDADE NA POSSE, MAS APENAS A AQUISICAO DO DOMINIO RESPECTIVO, INCORRE O PRESSUPOSTO ESSENCIAL PARA O ACOLHIMENTO DA PRETENSAO DEDUZIDA. RECURSO DE APELACAO E REMESSA OBRIGATORIA CONHECIDOS, MAS IMPROVIDA A APELACAO E PARCIALMENTE PROVIDA A REMESSA."

Inconformado com a decisão colegiada, interpõe o apelante recurso especial com fundamento no artigo 105, inciso III, alínea "a", da Constituição Federal, sustentando violação dos artigos 926 do Código de Processo Civil e 1.196 do Código Civil.

Alega que não foi celebrado contrato entre a extinta autarquia e o recorrido, mas transferência verbal precária de uso.

Sustenta que, com o advento da Lei estadual 13.550⁄99, que extinguiu o DER-GO, foram transferidos ao recorrente todos os bens, direitos e obrigações da autarquia extinta, não tendo havido aquisição do imóvel, mas sucessão por disposição legal.

Em contrarrazões, afirma o recorrido que os bens, direitos e obrigações do extinto DER-GO foram transferidos para o Estado de Goiás por força do artigo 3º, parágrafo único, da Lei estadual 13.550⁄99, apenas a partir de sua vigência, não tendo o Estado posse anterior.

Por decisão do Ministro Luiz Fux, no Ag. 76657-8⁄GO, foi determinada a subida do recurso especial.

Em "questão de ordem" suscitada pelo Ministro Luiz Fux foi determinado, pela colenda Primeira Turma, a redistribuição do feito a uma das Turmas da Segunda Seção.

Opina o Ministério Público Federal pelo conhecimento e provimento do recurso.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 888.417 - GO (2006⁄0212228-9)

RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
RECORRENTE : ESTADO DE GOIÁS
PROCURADOR : V.J.C.A. E OUTRO(S)
RECORRIDO : R.G.B.
ADVOGADO : MARINHO VICENTE DA SILVA

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. POSSE DE BEM PÚBLICO OCUPADO COM BASE EM "CONTRATO VERBAL". INVIABILIDADE. COM A EXTINÇÃO DE AUTARQUIA ESTADUAL, OS BENS, DIREITOS E OBRIGAÇÕES TRANSFEREM-SE AO ENTE PÚBLICO FEDERADO. LIMINAR EM AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE, TENDO POR OBJETO ÁREA OCUPADA, MESMO QUE HÁ MAIS DE ANO E DIA. POSSIBILIDADE.

1. Em regra, não há falar em contrato verbal firmado com a Administração Pública, sobretudo quando diz respeito a autorização para ocupação de imóvel pertencente a Autarquia, visto que, pela natureza da relação jurídica, é inadmissível tal forma de pactuação.

2. Houve a transmissão da posse do imóvel em litígio ao Estado, por força de lei estadual que extinguiu o DER-GO, transferindo os bens, direitos e obrigações da autarquia para o Estado de Goiás, daí que o recorrido tem mera detenção do bem.

3. O artigo 1.208 do Código Civil dispõe que "não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade".

4. Após regular notificação judicial para desocupação do imóvel, e com a recusa do detentor, passou a haver esbulho possessório, mostrando-se adequada a ação de reintegração de posse.

5. Descabe análise a respeito do tempo de "posse" do detentor, pois, havendo mera detenção, não há cogitar de "posse velha" (artigo 924 do Código de Processo Civil) a inviabilizar a reintegração liminar em bem imóvel pertencente a órgão público.

6. Recurso especial provido.

VOTO

O SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

2. Preliminarmente, a título de registro, observo que o artigo 9º, § 2º, do Regimento Interno desta Corte prevê:

§ 2º. à Segunda Seção cabe processar e julgar os feitos relativos a:

I - domínio, posse e direitos reais sobre coisa alheia, salvo quando se tratar de desapropriação;

Com efeito, a matéria em debate é da competência deste colegiado.

3. A questão controvertida é quanto a possibilidade de ajuizamento, pelo Estado, de ação de reintegração de posse de imóvel público, ocupado por servidor de autarquia, antes de sua extinção, com alegada anuência verbal do poder público.

3.1. Consoante se extrai dos autos, o imóvel em litígio era considerado "bem próprio" da extinta autarquia.

Por esse ângulo, é preciso ser analisada a natureza jurídica da alegada "anuência verbal", que permitiu a ocupação, pelo recorrido, do referido bem público.

A sentença consignou:

Em sua peça incoativa, historia o autor ser o legítimo possuidor do referido bem de raiz, atualmente ocupado pelo requerido, mediante transferência precária de uso, verbal e sem prazo estabelecido, pelo extinto D.-D. deE. deR. doE. deG.

[...]

No mérito afirma que ocupa o imóvel há mais de dez anos, o que se pode provar com testemunhas a serem ouvidas em audiência de instrução (se necessária), bem como através de depoimento de vizinhos.

Observa que, por outro lado, encontra-se no referido imóvel na condição de "locatário", por força de contrato de locação verbal, como outros que ocupam as casas pertencentes ao antigo DERGO, no ex-núcleo rodoviário do Setor Aeroviário.

[...]

Conseguintemente, não tendo o autor da ação comprovado a posse da área do terreno, objeto do litígio, e, sim, tão somente a aquisição do domínio respectivo, inexiste o pressuposto essencial para o acolhimento da pretensão formulada. A ação própria, para tanto, é a reinvidicatória, respaldada no pressuposto de que é apropriada ao proprietário não possuidor contra o possuidor não proprietário.

[...]

A propósito, impende ressaltar a desvalia da notificação premonitória adrede feita pelo autor, ao fito de cessar o alegado comodato supostamente avençado entre as partes litigantes, objetivando, consectariamente, a continuidade da posse como esbulho, pela simples razão de não poder ser o autor da medida cautelar, pelos motivos apontados, até então, considerado possuidor-comodante. (fls. 131-135)

O acórdão recorrido dispôs:

Em sua peça recursal, o recorrente esclarece que propôs a mencionada ação com o fito de que o Sr. Rui Gomes Barbosa desocupasse um imóvel urbano localizado na Av. Ananhnguera, Qd. 11, lt. 14, Casa 01, Setor Aeroviário, nesta capital, vez que o imóvel fora transferido ao recorrido, para a sua moradia, enquanto o mesmo ainda...

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