Acórdão nº REsp 894911 / RJ de T2 - SEGUNDA TURMA

Número do processoREsp 894911 / RJ
Data21 Junho 2011
ÓrgãoSegunda Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECURSO ESPECIAL Nº 894.911 - RJ (2006⁄0210187-0)

RELATOR : MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES
RECORRENTE : UNIÃO
RECORRIDO : COMPANHIA BRAZILIA - EM LIQUIDAÇÃO
ADVOGADOS : DANIELI DA CUNHA SALCIDES E OUTRO(S)
L.F. E OUTRO(S)

EMENTA

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. DESAPROPRIAÇÃO DE TERRAS SITUADAS NA ILHA DO GOVERNADOR. AEROPORTO DO GALEÃO - RIO DE JANEIRO. DEMANDA INICIADA EM 1951. ARTIGO 535 DO CPC. OMISSÕES E OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. NULIDADE DO ACÓRDÃO. VÍCIO DA REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. QUESTÕES DE FATO. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. ENUNCIADO SUMULAR N. 7⁄STJ. INCIDÊNCIA. PRESCRIÇÃO.

  1. Na origem, cuida-se de ação ordinária de impugnação de ato administrativo da Comissão de Desapropriação de Terras do Galeão proposta pela Cia Brasília, em razão de decisão de não ressarcimento no valor das terras em discussão, mas tão-somente pelas benfeitorias que a mesma fizera no local. A referida Comissão concluiu que o aludido terreno pertencia à União antes mesmo da desapropriação direta de toda a área ocidental da Ilha do Governador. A então autora pugnou por indenização baseada no valor real e atual do terreno.

    A sentença acolheu o pedido formulado pela parte para indenizar a autora, anulando a decisão administrativa da Comissão de Desapropriação de Terras do Galeão, em dinheiro correspondente ao justo valor dos referidos imóveis, ao tempo da desapropriação, atendendo-se à desvalorização da moeda, sem levar em conta a valorização decorrente dos melhoramentos ocasionados pelos serviços públicos, conforme for apurado na execução.

    Em apelação, foi dado provimento ao recurso da autora e, após o julgamento de embargos infringentes, deu-se o trânsito em julgado. Liquidada a sentença por arbitramento, houve o trânsito em julgado, apurado o valor devido à recorrida, datado de maio de 1990.

  2. Em 9.4.97, a parte recorrida pede vista dos autos, para o fim de suposta preparação de acordo extrajudicial. Retirados os autos, estes ficaram extraviados por mais de 4 anos, muito embora, desde julho de 1998, os procuradores das partes terem diligenciado para a restauração dos autos. Em 15.5.2001 os autos foram restituídos a Juízo por um Pastor da Igreja Evangélica Assembléia de Deus, da região de São Cristóvão, Rio de Janeiro. Após, foi concedida vista às partes e ao Ministério Público Federal para o fim de translado de peças essenciais aos autos originais.

    A União, por sua vez, requereu a extinção do feito, sob dois fundamentos (i) ausência de representante legal da então autora, já que a companhia não poderia se manter desprovida de representante legal para estar em juízo; (ii) extinção do feito em razão da prescrição intercorrente ainda no processo de conhecimento ou a prescrição ocorrida após o trânsito em julgado, pela demora em 11 anos a dar início ao processo de execução. A União requereu, ainda, a condenação da parte recorrida pela litigância de má-fé.

    Em sentença, o magistrado singular entendeu, preliminarmente, que, sendo a recorrida uma sociedade anônima, dever-se-ia aplicar, ao caso, o disposto no artigo 211 da Lei 6.404⁄76, porquanto a sociedade em liquidação é representada apenas por seu liquidante.

    Todavia, no tocante à prescrição, o magistrado singular entendeu por acolher o pedido, ao fundamento de que o processo teria ficado sem andamento para o julgamento da apelação da recorrida, na fase de liquidação por arbitramento, no período de 13.12.1978 a 29.9.1989. Assentou que durante o referido período a recorrida não praticou qualquer ato que impulsionasse o processo e, ao contrário, quando anos mais tarde houve a inclusão do feito em pauta, a parte requereu o adiamento do julgamento, mantendo-se inerte até o ano de 1989. Ressaltou-se, ainda, que a sentença de liquidação transitou em julgado em 2 de abril de 1990, sem que qualquer recurso tenha sido interposto pelas partes. Por tais razões, afirmou a ocorrência de prescrição para a autora dar seguimento à lide e promover a execução do julgado e que até junho de 2001 não teria sido promovida a referida ação.

    O Tribunal Regional Federal da 2ª Região proveu o recurso interposto pela Companhia Brasília para afastar a prescrição. Daí a interposição do recurso especial em análise.

  3. Violação do disposto no artigo 535 do CPC.

    3.1 Quanto à alegada obscuridade, a União sustenta ter requerido, em embargos de declaração, esclarecimentos acerca do fato de que a aquisição da propriedade pela União, em decorrência da desapropriação, "jamais foi questionada nos presentes autos, nem mesmo a transcrição do título de propriedade foi impugnada em momento algum, o que não foi feito pelo acórdão" (grifo no original).

    Todavia, a Corte a quo entendeu que, não obstante ter havido ato da Comissão de Desapropriação anulando os títulos de propriedade da Companhia Brasília, em havendo sentença judicial, com trânsito em julgado, tornando sem efeito o referido ato administrativo e anulando a decisão que cancelava os registros do particular, transferindo-o à União, por óbvio que aquela Corte fez retornar ao status quo ante a situação da dominialidade do imóvel, reconhecendo, como única titular do imóvel, a empresa recorrida, até porque não seria possível o reconhecimento da titularidade a ambas as partes.

    Ao contrário do que fora defendido pela parte recorrente, não se pode concluir que o Tribunal Federal de Recursos, mesmo declarando a nulidade do ato administrativo praticado pela Comissão de Desapropriação, devolvendo a titularidade das terras à Companhia Brasília, tivesse mantido os efeitos daquele ato nulo, em especial, a transferência de titularidade dos bens à União.

    3.2 - Omissão quanto à supostas nulidades processuais

    A União afirma não ter sido intimada de nenhum ato processual ocorrido na fase do trâmite do processo no Tribunal Regional Federal da 2ª Região, embora sustente tenha a Companhia Brasília inserido fato novo na lide e apresentado documentos novos, que supostamente teriam influenciado a tomada de decisão final. Aduz, outrossim, a nulidade do processo desde o momento em que não teria lhe sido oportunizada manifestar-se nos autos sobre documentos e fatos novos constantes dos autos, "assim como sobre decisões judiciais, sendo nulo também o próprio acórdão de fls. 916 e 917, face ao desrespeito ao disposto no artigo 398 do CPC c⁄c artigos 38 da Lei Complementar nº 73⁄93 e 6º da Lei nº 9.028⁄95".

    Contudo, a simples leitura do acórdão recorrido, inclusive em sede de embargos de declaração, não deixa dúvidas de que a Corte de origem manifestou-se, de forma clara e fundamentada, acerca da suposta não oportunização, à União, de manifestação acerca de documentos e fatos novos, sustentando, em síntese, que a recorrente não teria se desincumbido do ônus de provar a ocorrência de eventual prejuízo suportado, em razão da ausência de manifestação fundamental, capaz de influenciar no julgamento da causa. Assim, o recurso especial não merece provimento também quanto ao ponto.

    Ademais, há muito o Superior Tribunal de Justiça firmou a tese segundo a qual os órgãos julgadores não estão obrigados a examinar todas as teses levantadas pelo jurisdicionado durante um processo judicial, bastando que as decisões proferidas estejam devida e coerentemente fundamentadas, em obediência ao que determina o art. 93, inc. IX, da Lei Maior. Isso não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.

  4. Preliminar de nulidade do acórdão recorrido

    Aduz a União a nulidade do acórdão, porquanto existiria vício na representação processual da parte autora, já que o liquidante teria sido nomeado em 30.5.1919, há mais de 81 anos e que teria, caso estivesse vivo, presumivelmente 102 anos. Afirma que, após a prolação da sentença, os autos deveria ter permanecido suspensos até a regularização da capacidade processual, nos termos do determinado pelo artigo 265, I, do CPC.

    No tocante à alegada violação do disposto nos artigos 31, 123, 208 e 211 da Lei 6.404⁄76 e 7 a 11, do CPC, entendo que o recurso não merece conhecimento.

    Isto porque a leitura atenta do acórdão combatido, integrado pelo pronunciamento da origem em embargos de declaração, revela que os referidos dispositivos legais, bem como as teses a eles vinculadas não foram objeto de debate pela instância ordinária, o que atrai a aplicação da Súmula n. 211 desta Corte Superior, inviabilizando o conhecimento do especial no ponto por ausência de prequestionamento.

    Quanto às demais questões pertinentes à representação processual, as alegações da União no tocante à realização irregular da Assembléia que elegeu novo liquidante, bem como a inexistência de outras provas de que determinadas ações realmente existiam, que a convocação da assembléia teria sido irregular e que somente um único acionista teria dela participado, que não se sabe se o espólio é, de fato, acionista ou não, já que a propriedade das ações poderia ser comprovada por meio de registro em Livro de Ações Nominativas, cuja existência "permanece um mistério" e que o liquidante fora nomeado por suposto herdeiro, detentor de apenas 15% das ações da sociedade, entendo que melhor sorte não socorre à recorrente.

    Isto porque as pretensões da União obrigariam à análise de inúmeros elementos fáticos e probatórios colacionados aos autos, o que é sabidamente vedado em sede de recurso especial em razão do óbice imposto pelo enunciado sumular n. 7⁄STJ.

  5. Prescrição

    5.1 - No tocante à prescrição, a União inicia suas argumentações, sustentando não se tratar de desapropriação indireta, mas sim, de expropriação direta, porquanto todos os bens situados na parte ocidental da Ilha do Governador, a partir da Fazenda Santa Cruz, incluído o terreno então ocupado pela Companhia Brasília, teriam sido desapropriados pelo Decreto Presidencial nº 2.201 e autorizada pela Lei n. 439⁄1937, posteriormente complementado pelo Decreto-lei 1.343⁄39.

    Em inexistindo propositura, pelo Poder Público, de ação de desapropriação direta, forma de aquisição originária da propriedade, que culminaria no pagamento do justo valor, nos termos do preceituado pela ...

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