Acórdão nº HC 100668 / RS de T6 - SEXTA TURMA

Número do processoHC 100668 / RS
Data16 Junho 2011
ÓrgãoSexta Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

HABEAS CORPUS Nº 100.668 - RS (2008⁄0039932-6)

RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA
IMPETRANTE : R.J.G. E OUTROS
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PACIENTE : JORGE ERMES CARVALHO PORTELA

EMENTA

PROCESSUAL PENAL. JUSTA CAUSA (ATIPICIDADE). AUSÊNCIA. AFERIÇÃO. AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO. HABEAS CORPUS. VIA INADEQUADA. REVELIA. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA.

  1. O habeas corpus não se apresenta como via adequada ao trancamento da ação penal, quando intenta amplo revolvimento fático-probatório, não condizente com a via angusta do writ.

  2. Nesse sentido, conforme corrente doutrinária e jurisprudencial majoritária, somente se justifica a interrupção, desde logo, da marcha processual quando perceptível, primo ictu oculi, a falta de justa causa para a persecutio criminis, evidenciada pela simples enunciação dos fatos a demonstrar a ausência de mínimo suporte fático que dê base à acusação.

  3. Não há ilegalidade na decretação da revelia se, regularmente citado após inúmeras diligências em diversos endereços por ele próprio declinados, o réu tenta se esquivar do processo e dá azo a inúmeros adiamentos, deixando de comparecer ao interrogatório sem justificativa plausível, não servindo como tal a juntada de atestado de comparecimento à consulta médica que não impediria a presença ao ato judicial.

  4. Ordem denegada.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça: "A Turma, por unanimidade, denegou a ordem de habeas corpus, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora." Os Srs. Ministros Og Fernandes, S.R.J., V.D.G. (Desembargador convocado do TJ⁄RS) e Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ⁄CE) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

    Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

    Brasília, 16 de junho de 2011(Data do Julgamento)

    Ministra Maria Thereza de Assis Moura

    Relatora

    HABEAS CORPUS Nº 100.668 - RS (2008⁄0039932-6)

    RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA
    IMPETRANTE : R.J.G. E OUTROS
    IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
    PACIENTE : JORGE ERMES CARVALHO PORTELA

    RELATÓRIO

    MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA:

    Trata-se de habeas corpus, substitutivo de recurso ordinário, com pedido liminar, impetrado em favor de J.E.C.P., apontando como autoridade coatora a 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.

    Narra a impetração que o paciente, a fim de acelerar tramitação de inquérito policial instaurado em face de seu ex-cunhado, para a apuração da prática, em tese, do crime de abandono material, compareceu à Corregedoria-Geral de Polícia, em Porto Alegre⁄RS, para solicitar providências administrativas.

    Informa que, em 30.04.2006, o Ministério Público ofereceu denúncia contra o paciente, como incurso nas sanções do art. 339, caput, do Código Penal.

    Afirmam os impetrantes que o paciente “foi atendido por uma policial civil que sugeriu que o seu requerimento fosse reduzido a termo, não lhe esclarecendo que seria lavrada uma comunicação de ocorrência pelos delitos de injúria, difamação e prevaricação contra o S. Delegado de Polícia de Panambi⁄RS, mesmo porque esses fatos jamais ocorreram”, acrescentando que “não lhe foi esclarecido o que se tratava a expressão 'o desejo de representar criminalmente contra o Delegado Titular da Delegacia de Panambi', acreditando que se tratava de mero pedido de providências administrativas' (fl. 04).

    Alegam que não há justa causa para a propositura da ação penal, tendo em vista o fato de que o paciente jamais quis representar criminalmente contra a autoridade policial e, ainda, o fato de não possuir plena capacidade para entender o caráter ilícito de seu comportamento, tendo sofrido processo de interdição, no ano de 1995.

    Quanto ao delito de prevaricação, que supostamente o paciente teria imputado à autoridade policial, defendem que o paciente em momento algum teria se referido a qualquer interesse ou sentimento pessoal pelo qual esta teria agido de forma negligente na condução do inquérito policial, o que é necessário à sua configuração.

    Sustentam que “os fatos narrados na denúncia são absolutamente genéricos, não esclarecendo no que consistiu a difamação e a discriminação em razão da condição sócio-econômica do paciente ou mesmo que 'apelidos diversos' teria a autoridade policial empregado a ponto de causar ofensa moral ao paciente” (fl. 24).

    Destacam que o paciente foi citado e intimado para a audiência de interrogatório pelo escrivão, sendo tal citação eivada de nulidade, tendo em vista que não há nos autos a “formalização de que houve a leitura da denúncia ao paciente” (fl. 21).

    Aduzem que houve cerceamento de defesa, uma vez que o paciente não foi regularmente interrogado, apesar de ter comparecido espontaneamente perante o Juízo competente, de sempre ter mantido seu endereço atualizado e de ter justificado, com atestados, suas ausências às audiências designadas para a sua oitiva, o que acarreta a nulidade da ação penal.

    Ressaltam, ainda, que há nulidade absoluta pela ausência de defensor constituído, discorrendo a impetração sobre atos processuais que se realizaram com a intimação de procuradores que já haviam renunciado aos poderes a eles outorgados e, ainda, sobre a ausência de intimação do paciente para constituir novo procurador.

    Salientam que o paciente, no curso das investigações instauradas contra a autoridade policial, manifestou seu interesse em interrompê-las, não tendo sido seu pedido atendido, constatando-se, pois, “atividade investigativa irregular, que não pode dar origem ao crime de denunciação caluniosa” (fl. 17). Acrescentam que “os crimes cometidos pelo paciente são de ação penal pública privada ou, no máximo, condicionada à representação”, motivo pelo qual “o inquérito policial foi realizado na mais completa ausência de legitimidade” (fl. 18).

    Impetrado prévio writ perante o Tribunal a quo, a ordem restou denegada (fls. 492⁄500).

    Requerem, liminarmente, a suspensão do curso da ação penal nº 016⁄2.05.0001017-8, que corre perante a 2ª Vara Criminal da Comarca de Ijuí⁄RS. No mérito, requerem seja trancada a ação penal e, alternativamente, seja declarada a nulidade do procedimento desde a citação do acusado.

    Indeferida a liminar (fls. 607⁄611) e prestadas informações (fls. 617⁄623), opinando o Ministério Público Federal pelo conhecimento parcial da impetração e sua denegação. O parecer tem a seguinte ementa (fl. 673):

    HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE DA CONDUTA E DE ININPUTABILIDADE. A DENÚNCIA DESCREVE FATOS QUE, EM TESE, SÃO TÍPICOS, PERMITINDO O AMPLO DIREITO DE DEFESA. ALEGAÇÃO DE INIMPUTABILIDADE QUE NÃO PODE SER APRECIADA NA VIA ESTREITA DO HABEAS CORPUS, ALÉM DE NÃO TER SIDO EXAMINADA PELO TRIBUNAL A QUO. REVELIA CORRETAMENTE DECRETADA. CERCERAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO.

    Parecer pelo conhecimento parcial do habeas corpus e, na parte conhecida, pela sua denegação.

    Segundo informações complementares (fls. 697⁄698), prestadas pelo juízo de primeiro grau em 09 de junho de 2011, o processo ainda não foi sentenciado.

    É o relatório.

    HABEAS CORPUS Nº 100.668 - RS (2008⁄0039932-6)

    EMENTA

    PROCESSUAL PENAL. JUSTA CAUSA (ATIPICIDADE). AUSÊNCIA. AFERIÇÃO. AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO. HABEAS CORPUS. VIA INADEQUADA. REVELIA. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA.

  5. O habeas corpus não se apresenta como via adequada ao trancamento da ação penal, quando intenta amplo revolvimento fático-probatório, não condizente com a via angusta do writ.

  6. Nesse sentido, conforme corrente doutrinária e jurisprudencial majoritária, somente se justifica a interrupção, desde logo, da marcha processual quando perceptível, primo ictu oculi, a falta de justa causa para a persecutio criminis, evidenciada pela simples enunciação dos fatos a demonstrar a ausência de mínimo suporte fático que dê base à acusação.

  7. Não há ilegalidade na decretação da revelia se, regularmente citado após inúmeras diligências em diversos endereços por ele próprio declinados, o réu tenta se esquivar do processo e dá azo a inúmeros adiamentos, deixando de comparecer ao interrogatório sem justificativa plausível, não servindo como tal a juntada de atestado de comparecimento à consulta médica que não impediria a presença ao ato judicial.

  8. Ordem denegada.

    VOTO

    MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA(Relatora):

    Como é cediço, somente se reconhece, em sede de habeas corpus, a ausência de justa causa para a ação penal, determinando o seu trancamento, quando há flagrante constrangimento ilegal, demonstrado por prova inequívoca e pré-constituída de não ser o denunciado o autor do delito, não existir crime, encontrar-se a punibilidade extinta por algum motivo ou pela ausência de suporte probatório mínimo a justificar a propositura de ação penal.

    Gustavo Henrique Badaró, no seu Direito Processual Penal, Tomo I, Elsevier Editora, São Paulo, 2008, págs.71⁄72, discorrendo sobre a justa causa para a ação penal, afirma:

    A justa causa passa a pressupor a existência de um suporte probatório mínimo, consistente na prova da existência material de um crime e em indícios de que o acusado seja o seu autor. A ausência de qualquer um destes dois elementos autoriza a rejeição da denúncia e, em caso de seu recebimento, faltará justa causa para a ação penal, caracterizando constrangimento ilegal apto a ensejar a propositura de habeas corpus para o trancamento da ação penal.

    Há ainda corrente que exige mais. Para Silva Jardim (1994, p. 42), a ação só é viável quando a acusação não é temerária, por estar baseada em um mínimo de prova:

    Este suporte probatório mínimo se relaciona com os indícios de autoria, existência material de uma conduta típica e alguma prova de sua antijuridicidade e culpabilidade. Somente diante de todo esse conjunto probatório é que, a nosso ver, se coloca o princípio da obrigatoriedade do exercício da ação penal.

    ...

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