Acórdão nº HC 114762 / SP de T6 - SEXTA TURMA

Número do processoHC 114762 / SP
Data16 Junho 2011
ÓrgãoSexta Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

HABEAS CORPUS Nº 114.762 - SP (2008⁄0194415-6)

RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA
IMPETRANTE : R.S.S.B. - DEFENSORA PÚBLICA
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE : MARIA LIDIANA BATISTA (PRESA)
PACIENTE : C.D.A.L. (PRESO)

EMENTA

DIREITO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO. ART. 12, C.C. ART. 18, III, DA LEI 6.368⁄76. INCIDÊNCIA DO § 4.º DO ART. 33. IMPOSSIBILIDADE DE COMBINAÇÃO DE LEIS.

CAUSA DE AUMENTO DE PENA. ASSOCIAÇÃO EVENTUAL. NÃO PREVISÃO DA NOVA LEI DE DROGAS. INVIÁVEL A SUA MANUTENÇÃO.

  1. Consolidou-se no STF e no STJ o entendimento de que é inviável a conjugação de leis penais benéficas, dado que tal implicaria espécie de criação de terceira norma, com a violação do primado da separação dos poderes.

  2. Assim, diante de condenação por fato ocorrido sob a égide da Lei 6.368⁄76, não é possível a incidência da minorante do § 4.º do art. 33 da Lei 11.343⁄06 tomando como base a pena da lei anterior, e ainda mais como no presente caso, em que se afirmou a condição de dedicar-se o agente à prática do ilícito e à quantidade considerável da droga.

  3. Sendo a causa de aumento de pena prevista no art. 18, III, da Lei 6368⁄76 revogada pela nova lei de drogas, Lei 11.343⁄76, inviável a sua manutenção em face do princípio da retroatividade da lei mais benéfica.

    Ordem concedida em parte para extrair a causa de aumento e, por conseguinte, fixar a pena definitiva em 3 anos de reclusão.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça: "A Turma, por unanimidade, concedeu parcialmente a ordem de habeas corpus, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora." Os Srs. Ministros Og Fernandes, S.R.J., V.D.G. (Desembargador convocado do TJ⁄RS) e Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ⁄CE) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

    Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

    Brasília, 16 de junho de 2011(Data do Julgamento)

    Ministra Maria Thereza de Assis Moura

    Relatora

    HABEAS CORPUS Nº 114.762 - SP (2008⁄0194415-6)

    RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA
    IMPETRANTE : R.S.S.B. - DEFENSORA PÚBLICA
    IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
    PACIENTE : MARIA LIDIANA BATISTA (PRESA)
    PACIENTE : C.D.A.L. (PRESO)

    RELATÓRIO

    MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (Relatora):

    Trata-se de habeas corpus, sem pedido liminar, impetrado em favor de M.L.B. e C.D.A.L., apontando como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (AC n.º 1.118.939.3⁄3).

    Consta dos autos que os pacientes foram condenados pelo juízo de primeiro grau à pena de 4 (quatro) anos de reclusão, em regime integralmente fechado, pela prática do delito descrito no art. 12, caput, c⁄c art. 18, III, ambos da Lei n.º 6.368⁄76.

    Inconformada, a defesa interpôs recurso de apelação perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que deu parcial provimento ao recurso apenas para fixar o regime inicialmente fechado para o cumprimento das penas.

    Sustenta a impetrante que o tribunal a quo não poderia ter mantido a causa de aumento de pena prevista no art. 18, III, da Lei n.º 6.368⁄76, que foi abolida pela Lei n.º 11.343⁄06, destacando que seu art. 35 não prevê qualquer punição para a associação eventual, mas tão somente para associações de caráter duradouro e estável. Ressalta que "se algum acordo houve entre os pacientes para a prática do delito tipificado no art. 12 da Lei n.º 6.368⁄76, tratou-se de mera associação eventual, conforme constou da sentença e do próprio acórdão" (fl. 4).

    Aduz, ainda, que os pacientes fazem jus ao benefício previsto no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343⁄06. Ressalta serem eles primários, possuidores de bons antecedentes e e que não há elementos nos autos a demonstrar que participem de organização criminosa ou que se dediquem a atividades criminosas. Sustenta que a quantidade de droga não é motivo suficiente para negar o benefício aos pacientes.

    Destaca, ao final, que "a combinação de leis não é vedada pelo direito pátrio, ao contrário, para agir em conformidade com o disposto nos arts. 5º, XL, da Constituição Federal, e 2º, parágrafo único, do Código Penal, o julgador deve aplicar aos fatos pretéritos os dispositivos mais favoráveis trazidos pela lei nova" (fl.7).

    Cita precedentes desta Corte em abono à sua tese.

    Requer a concessão da ordem para afastar a incidência da causa de aumento de pena prevista no art. 18, III, da Lei n.º 6.368⁄76 e para aplicar a causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343⁄06.

    Sem liminar, teve vista o Ministério Público Federal, o qual opinou pela denegação do writ e, de ofício, para que seja concedida ordem com a finalidade de anular-se o processo a partir do recebimento da denúncia.

    Veja-se a ementa do parecer (fl. 110):

    “PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DA NOVA LEI. INAPLICABILIDADE. CONCURSO EVENTUAL DE AGENTES. ART. 18, III, DA LEI N.º 6.368⁄76. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PARA DEFESA PRELIMINAR. NULIDADE ABSOLUTA.

    A aplicação retroativa de parte da lei nova (supressão de causa de aumento), mantendo-se a aplicação de parte do regramento anterior (penas cominadas), equivale à criação de uma terceira lei, tarefa alheia à competência do Judiciário. Precedentes do STJ.

    A grande quantidade de drogas em poder dos pacientes e as evidências do engajamento duradouro no tráfico não permite infirmar, pelo menos nos estreitos limites da via eleita, motivação concreta e idônea capaz de denotar que o paciente se dedica às atividades criminosas. Impossibilidade de aplicação, nesta sede, da causa de diminuição trazida pelo art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343⁄06, à míngua do reconhecimento sumário e estreme dúvida de todos seus requisitos. Precedentes.

    Nulidade absoluta decorrente da inobservância do rito previsto na lei processual vigente, em prejuízo do contraditório e da ampla defesa, vez que ao denunciado não se oportunizou defesa preliminar. Jurisprudência do STJ e STF. Nulidade irremediável do processo a partir do recebimento da denúncia.

    Parecer pela denegação da impetração, sem prejuízo que o Tribunal, na esteira de outros precedentes, estime a concessão da ordem de ofício, por outro fundamento, para anular o processo a partir do recebimento da denúncia, renovando-se os atos processuais a partir de então e colocando-se ao pacientes em liberdade em razão do excesso de prazo.”

    É o relatório.

    HABEAS CORPUS Nº 114.762 - SP (2008⁄0194415-6)

    EMENTA

    DIREITO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO. ART. 12, C.C. ART. 18, III, DA LEI 6.368⁄76. INCIDÊNCIA DO § 4.º DO ART. 33. IMPOSSIBILIDADE DE COMBINAÇÃO DE LEIS.

    CAUSA DE AUMENTO DE PENA. ASSOCIAÇÃO EVENTUAL. NÃO PREVISÃO DA NOVA LEI DE DROGAS. INVIÁVEL A SUA MANUTENÇÃO.

  4. Consolidou-se no STF e no STJ o entendimento de que é inviável a conjugação de leis penais benéficas, dado que tal implicaria espécie de criação de terceira norma, com a violação do primado da separação dos poderes.

  5. Assim, diante de condenação por fato ocorrido sob a égide da Lei 6.368⁄76, não é possível a incidência da minorante do § 4.º do art. 33 da Lei 11.343⁄06 tomando como base a pena da lei anterior, e ainda mais como no presente caso, em que se afirmou a condição de dedicar-se o agente à prática do ilícito e à quantidade considerável da droga.

  6. Sendo a causa de aumento de pena prevista no art. 18, III, da Lei 6368⁄76 revogada pela nova lei de drogas, Lei 11.343⁄76, inviável a sua manutenção em face do princípio da retroatividade da lei mais benéfica.

    Ordem concedida em parte para extrair a causa de aumento e, por conseguinte, fixar a pena definitiva em 3 anos de reclusão.

    VOTO

    MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (Relatora):

    A discussão origina-se de fatos ocorridos em 3⁄5⁄2006, em que os Pacientes foram presos por trazer consigo e manter em depósito 102 papelotes da substância entorpecente denominada de cocaína.

    Oferecida a denúncia, veio o seu recebimento em 25.05.2006 (fl. 20), com determinação de interrogatório para o dia 06.07 do mesmo ano (fls. 13⁄19).

    Concluída a instrução, em 25⁄10⁄2006 sobreveio sentença condenatória lastreada no tipo do art. 12, caput, c⁄c o art. 6.368⁄76, em cujo contexto foi-lhes aplicada a pena total de 4 anos de reclusão, mais multa, sendo, pelo tráfico, fixados 3 anos de reclusão, quantum que restou acrescido de 1⁄3 pela causa de aumento; o regime foi o integralmente fechado.

    O Tribunal de Justiça, por sua vez, em recurso de apelação da defesa, manteve a condenação e a pena, somente extraindo o regime integralmente fechado para admitir, de início, o regime fechado.

    A título de análise dos temas do writ, cumpre destacar as seguintes controvérsias suscitadas na apelação, com a respectiva decisão:

    1. ) Nulidade por inobservância do rito previsto no art. 38 da Lei 10.409⁄2002.

      “Não procede a alegação de nulidade do feito, pela inobservância do procedimento previsto no artigo 38 da Lei 10.409⁄02, uma vez que a lei em questão não revogou a Lei 6.368⁄76.

      (...)

      Trata-se, assim, de Lei “natimorta”, que não descreve qualquer figura penal e não derrogou a Lei 6.368⁄76.

      E mesmo que assim não se entenda, a inobservância do procedimento previsto no art. 38 da Lei n.º 10.409⁄02 (fase preliminar de resposta escrita) configura nulidade relativa e, assim, faz-se necessária a comprovação do efetivo prejuízo causado à defesa, inocorrente na hipótese dos autos” (fl. 38).

    2. ) Extração da causa de aumento do art. 18, III, da Lei 6.368⁄76.

      “De se ressaltar, ainda, que, a meu juízo, pese respeitável entendimento em contrário, não é possível o afastamento da causa de aumento de pena prevista no art. 18, III, da Lei 6.368⁄76, que, de resto, ficou bem comprovada na hipótese dos autos, sob o argumento de que ela não foi recepcionada pela Nova Lei de Drogas (Lei 11.343⁄2006).

      Ora, como bem salientou o eminente Desembargador Ubiratan de Arrruda, quando do julgamento do Agravo em Execução n.º...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT