Acórdão nº 2006.33.00.018269-3 de Tribunal Regional Federal da 1a Região, 2ª Seção, 30 de Marzo de 2011

Data30 Março 2011
Número do processo2006.33.00.018269-3
ÓrgãoSegunda seção

Assunto: Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas (lei 11.343/06) - Crimes Previstos na Legislação Extravagante - Direito Penal

EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE 200633000182693/BA Processo na Origem: 200633000182693

RELATOR(A): DESEMBARGADORA FEDERAL ASSUSETE MAGALHÃES

EMBARGANTE: VICTOR MACAIA

DEFENSOR: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO

EMBARGADO: JUSTICA PUBLICA

PROCURADOR: ALEXANDRE ESPINOSA BRAVO BARBOSA

ACÓRDÃO

Decide a Seção negar provimento aos Embargos Infringentes, por maioria.

  1. Seção do TRF/1ª Região - 30/03/2011

Desembargadora Federal ASSUSETE MAGALHÃES Relatora

RELATÓRIO

O EXMO. SR. JUIZ TOURINHO NETO (RELATOR):

1. Trata-se de apelação interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra sentença prolatada pelo MM. Juiz Federal Substituto Durval Carneiro Neto, da 2ª Vara da Seção Judiciária do Estado da Bahia, que julgou procedente a denúncia, para condenar VICTOR MACAIA à pena de 1 (um) ano e 11 (onze) meses de reclusão e 194 (cento e noventa e quatro dias- multa), à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo, pela prática do delito tipificado no art. 33 c/c o art. 40, I, ambos da Lei nº 11.343/2006.

2. Narra a denúncia (fls. 03/05):

No dia 07 do fluente mês de outubro de 2006, por volta das 17:30h, o angolano VICTOR MACAIA, ora DENUNCIADO, foi preso em flagrante por Agentes de Policia Federal, no Aeroporto Internacional Luís Eduardo Magalhães, nesta cidade de Salvador, quando já se preparava para embarcar no vôo da TAP AIR PORTUGAL n° 0156, com destino a Lisboa, Portugal, onde faria conexão para embarque no vôo n° 255, da mesma Companhia Aérea, com destino a Luanda, Angola, porquanto detectado que transportava dois invólucros, com peso bruto de 970,0g (novecentos e setenta gramas), contendo cocaína.

Deu-se que, quando já se encontrava no guichê da Polícia Federal para realizar os procedimentos relativos a embarque internacional de passageiros, o APF que atendeu VICTOR MACAIA constatou no Passaporte do DENUNCIADO registros de entrada e saída recentes do Brasil, inclusive duas entradas (uma em 23.07.2006 e outra em 20.09.2006) através de São Paulo, local de grande incidência de tráfico internacional de entorpecentes.

Indagado acerca do motivo da sua viagem ao Brasil, sua profissão e razão pela qual estava sozinho, o DENUNCIADO demonstrou visível e injustificado nervosismo, respondendo com evasivas, comportamento que reforçou a desconfiança do Agente de Policia.

Ainda assim, foi permitido o acesso de VICTOR MACAIA à área do pré-embarque. Todavia, ao mesmo tempo, eram efetuadas averiguações necessárias a seu respeito, tendo um preposto da TAP AIR PORTUGAL informado que a passagem do DENUNCIADO fora paga em dinheiro, e que sua bagagem já houvera sido separada, justo em razão de suspeitas da própria empresa aérea.

Daí, o Agente de Policia Federal que atendera VICTOR MACAIA, acompanhado de outro colega, realizou procedimento de revista pessoal e da mala, encontrando um volume embaixo de cada palmilha do tênis que o DENUNCIADO trajava, totalizando dois pacotes, encerrando substância sólida de cor branca com características do alcalóide cocaína, o que veio, posteriormente, a ser confirmado por perícia.

3. Entendeu o MM. Juiz a quo não haver dúvidas da autoria do delito, uma vez que embaixo da palmilha do tênis do acusado foi encontrado cerca de 01 (um quilo) de cocaína e, preso em flagrante na área de embarque do aeroporto internacional, o réu confessou, tanto no inquérito policial quanto em Juízo, a prática delitiva.

Acolhendo pedido da defesa, o magistrado concedeu, na sentença, liberdade provisória ao acusado (fls. 252/260).

4. Em seu apelo, o Ministério Público Federal insurge-se, unicamente, contra a concessão, pela sentença, de liberdade provisória ao acusado.

Alega, inicialmente, nulidade dessa parte do julgado, uma vez que o órgão ministerial não foi ouvido antes de ser proferida a decisão.

Sustenta que o réu esteve custodiado durante toda a instrução penal, e a sentença, após reconhecer a ocorrência do crime e a autoria delitiva, condenando-o, concedeu a ele, indevidamente, a liberdade provisória, uma vez que a prisão visa a assegurar justamente a eficácia da sentença condenatória e a aplicação da lei penal.

Diz que não há prova de que terá meios de subsistência no Brasil, mormente porque é estrangeiro, sem residência fixa e não exerce qualquer atividade lícita em nosso país. Assevera que a mera alegação de que sua família lhe enviará recursos para manter-se aqui não elide a dificuldade que o acusado encontrará para se sustentar.

Aduz que a Lei 11.343/06, em seu art. 44, impossibilita a concessão de liberdade provisória ao acusado da prática do crime de tráfico de drogas, e que está consagrado no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal o entendimento de que a referida Lei 11.343/06, pela sua especificidade, não foi derrogada pela Lei 11.464/07 (fls.

274/285).

5. Nas contra-razões, argumenta a Defensoria Pública que a não oitiva do Ministério Público não gera nulidade, pois não constitui ato essencial à formação do processo.

Aduz que não há nos autos nenhum elemento que indique que o réu, solto, voltará a delinqüir ou importunar o regular andamento do processo, devendo, pois, ser mantida a sentença, por seus próprios fundamentos (fls.

316/321).

6. Nesta instância, o Procurador Regional da República Alexandre Espinosa Bravo Barbosa reitera parecer de fls. 311/312 pelo provimento do apelo.

Afirma que o acusado, após a liberdade provisória, pediu para viajar para São Paulo, fornecendo endereço para ser localizado. Todavia, procurado pelo oficial de Justiça, para contra-arrazoar o recurso de apelação, justamente naquele endereço, além de não ser localizado, o meirinho foi informado que o acusado se mudou sem deixar paradeiro.

Diante disso, alega estar claro que a liberdade provisória deve ser revogada, pois o juiz a condicionou ao comparecimento do acusado aos atos do processo (fls. 311/312).

7. É o relatório.

8. Encaminhe-se à eminente revisora em 26/01/2009.

VOTO

O EXMO. SR. JUIZ TOURINHO NETO (RELATOR):

1. Como se vê dos autos, o MM. Juiz a quo, na sentença, examinou pedido formulado pela defesa do acusado, o qual se encontrava preso em flagrante, concedendo-lhe o benefício da liberdade provisória.

1.1. O Ministério Público alega nulidade da sentença, porque não foi ouvido antes de ser deferida a liberdade provisória.

Em casos semelhantes, este Tribunal já decidiu que a ausência de manifestação do Ministério Público nessas hipóteses constitui apenas irregularidade formal, não devendo ser declarada se não causou prejuízo à parte.

1. A ausência de manifestação do Ministério Público Federal, no que concerne à concessão de liberdade provisória nos moldes preconizados pelo art. 310, parágrafo único, do Código de Processo Penal, constitui-se apenas em irregularidade formal, não conduzindo, por si só, à nulidade da decisão proferida. (...) (RCCR 2007.35.00.003180-5/GO, 20/07/2007 DJ p.40, rel.

Juiz Tourinho Neto, 3ª Turma, unânime).

1. A despeito da exigência do CPP, in casu, a concessão de liberdade provisória sem a prévia manifestação do Ministério Público não acarreta a nulidade da decisão que concedeu o referido benefício, configurando, pois, mera irregularidade formal. (...) (RCCR 2006.36.00.002355-0/MT, 28/02/2007 DJ p.27, rel. Juiz Conv. Ney Barros Bello Filho, 4ª Turma, unânime).

A acusação não demonstra nenhum prejuízo que sua não-oitiva prévia possa ter causado. Não há, portanto, nenhuma nulidade a ser declarada.

1.2. Quanto à liberdade provisória, entendeu o magistrado que não mais subsistiam os motivos da prisão, em face da revogação, pela Lei 11.464/07, do obstáculo criado pela Lei 11.343/06, para concessão do benefício quando da prática de crime de tráfico de drogas. Disse, ainda, que a concessão da liberdade ao estrangeiro não faz presumir que este se furtará à aplicação da lei penal.

A concessão de liberdade provisória ao acusado não encontra óbice no fato de ser ele estrangeiro, tendo em vista que a Constituição Federal lhe assegura os mesmos direitos reservados ao brasileiro nato.

Ainda que resida no exterior, se, após o interrogatório, ou mesmo na sentença condenatória, não restar evidente qualquer motivo justificador da prisão preventiva, deve ser concedido o benefício, pois a regra é a liberdade. A prisão é situação excepcional.

Demais, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que a concessão de liberdade provisória não pode estar condicionada à permanência do denunciado no distrito da culpa, pois fere a liberdade de ir e vir, que não se sujeita a critérios de restrição, pois inexiste meia liberdade. Ou se tem ou não se tem o direito.[1]

Tampouco há obstrução à liberdade provisória, por se tratar de crime tráfico de drogas.

A Lei 8.072/90, em seu art. 2º, inciso II, continha vedação expressa à concessão de liberdade provisória aos acusados da prática de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins.

Com o advento da Lei 11.464/07, que deu nova redação ao referido inciso II, a expressão "liberdade provisória" deixou de figurar no texto do dispositivo legal, restando, tão-somente, a proibição à concessão de fiança.

O professor Luiz Flávio Gomes[2] sustenta, corretamente, com base no princípio da posteridade (lex posterior derogat priori), ter ocorrido derrogação tácita de parte do art. 44 da Lei 11.343/06 (lei especial) pela Lei 11.464/07 (lei geral), porque esta cuidou inteiramente da matéria, sendo incompatível com aquela. No seu entender, houve uma sucessão de leis processuais materiais no tempo.

E continua o renomado doutrinador: a diferença entre o conflito aparente de leis penais (ou de normas penais) e a sucessão de leis penais (conflito de leis penais no tempo) é a seguinte: o primeiro pressupõe (e exige) duas ou mais leis em vigor (sendo certo que por força do princípio ne bis in idem uma só norma será aplicável); no segundo (conflito de leis penais no tempo) há uma verdadeira sucessão de leis, ou seja, a posterior...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT