Decisão Monocrática nº 2010/0037473-0 de CE - CORTE ESPECIAL

Data29 Junho 2011
Número do processo2010/0037473-0
ÓrgãoCorte Especial (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

HABEAS CORPUS Nº 164.055 - SP (2010/0037473-0)

RELATOR : MINISTRO JORGE MUSSI

IMPETRANTE : ALEXANDRE ORSI NETTO - DEFENSOR PÚBLICO

IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

PACIENTE : P.C.M.D.S.

DECISÃO

Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado pela

Defensoria Pública em favor de P.C.M.D.S. contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que deu parcial provimento à Apelação Criminal n.º 993.07.016733-5,

interposta pela defesa, para diminuir a pena imposta ao paciente para 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime inicial fechado, mais multa, pela prática do crime previsto no art. 12, caput, c/c o art. 18, III, ambos da Lei n.º 6.368/76.

O impetrante alega constrangimento ilegal, decorrente da

inaplicabilidade da causa de diminuição de pena disposta no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, por ser esta mais favorável, valendo-se do princípio constitucional da retroatividade da lei mais benéfica, insculpido no art. 5º, XL, da Constituição Federal e no art. 2º do CP.

Defende que o argumento utilizado pela Corte de origem para não aplicar a referida benesse, qual seja, a impossibilidade de cisão de normas legais para a criação de uma terceira, não deveria

prevalecer, tendo em vista ser a referida causa de diminuição de pena independente do tipo previsto no caput do art. 33 da Lei n.º 11.343/06.

Requereu, liminarmente e no mérito, fosse aplicada, em favor do paciente, a minorante prevista no § 4º do artigo 33 da Lei

11.343/06.

A liminar foi indeferida.

Informações prestadas.

O Ministério Público Federal manifestou-se pela concessão parcial da ordem, apenas para que fosse determinado ao Tribunal de Justiça Estadual que aplicasse, na integralidade, a Lei n.º 11.343/06, caso mais favorável ao acusado.

É o relatório.

Da análise dos autos, verifica-se que o paciente foi condenado, em primeiro grau, à pena de 4 (quatro) anos de reclusão, em regime integral fechado, e multa, pela prática do crime previsto no art.

12, caput, c/c o art. 18, III, ambos da Lei n.º 6.368/76, porque, no dia 4-10-2006, agindo em concurso com um adolescente, preparava, para fins de entrega a terceiros, 1 (uma) porção de maconha, com peso líquido de 38,07 gramas; 3 (três) porções da mesma substância entorpecente, com peso líquido total de 5,245 gramas; 23 (vinte e três) papelotes de "crack", com peso líquido total de 6,46 gramas; e 34 (trinta e quatro) papelotes da mesma substância, pesando ao todo 11,24 gramas (e-STJ fls. 19-20).

Irresignada, a defesa interpôs apelação perante o Tribunal de origem, à qual foi dado parcial provimento, para aplicar em 1/6 (um sexto) a fração relativa à majorante prevista no inciso III do art.

18 da Lei n.º 6.368/76 - tráfico de drogas envolvendo adolescente -, ficando a reprimenda do paciente em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão, mais multa, alterando-se, ainda, o regime de

cumprimento de pena do integral para o inicialmente fechado.

Relativamente à almejada aplicação da minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei n.º 11.343/06, o Tribunal impetrado entendeu inviável reconhecê-la em favor do paciente, pelos fundamentos a seguir aduzidos:

[...] entendo não ser possível aplicá-la retroativamente, nem sobre a pena aplicada e prevista na legislação revogada, em razão do princípio prevalente na doutrina de que não se pode criar e aplicar uma 'terza legge diversa', e nem sobre a nova pena, porque o 'caput' do artigo 33 comina pena mínima de 5 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa para o crime que o apelante foi condenado, sendo, portanto, mais severo em relação ao que dispunha a Lei n.º 6.368/76, cujo artigo 12, caput, cominava pena mínima de 3 (três) anos de reclusão e 50 (cinquenta) dias-multa (v.g. 500 dias-multa, menos dois terços, igual a 166 dias-multa; 5 anos de reclusão, menos 1/6, igual a 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de reclusão; 5 anos de reclusão, menos 1/3, igual a 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão). Como se observa, em todas essas simulações, a aplicação retroativa resultaria numa pena mais grave para o apelante. E não se pode fazer incidir em fatos pretéritos apenas a inovação benéfica da nova legislação, afastada a parte prejudicial, no caso, o preceito secundário do artigo 33. Ao juiz não cabe legislar, criando uma nova lei." (e-STJ fls. 14-15).

Inicialmente, ressalvo meu posicionamento no sentido da

possibilidade de aplicação dos ditames mais benéficos da nova Lei de Tóxicos aos fatos cometidos anteriormente à sua vigência, mesmo quando já transitada em julgado a sentença condenatória, à luz do princípio da retroatividade da lei penal mais benigna,

constitucionalmente previsto (art. 5º, XL, da CF), e em observância ao que dispõe o art. 2º, parágrafo único, do Código Penal, assim redigido: "A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado".

Prevê o § 4º do art. 33 da Lei n.º 11.343/06:

§ 4º. Nos delitos definidos no caput e no §1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

O crime definido no caput do art. 33 da nova legislação de tóxicos, é praticamente o mesmo pelo qual foi condenado o paciente - art. 12, caput, da Lei n.º 6.368/76 -, modificando o legislador tão somente as penas mínima e máxima cominadas abstratamente para o delito, que foram elevadas para 5 (cinco) e 15 (quinze) anos de reclusão e pagamento de 500 a 1.500 dias-multa.

Evidente, destarte, que a nova causa de especial diminuição da reprimenda, bem como a novas frações previstas no art. 40 da Lei n.º 11.343/06, que, substituindo a regra contida no art. 18, I, da Lei n.º 6.368/76, passou a estabelecer aumentos de 1/6 a 2/3, quando anteriormente previa-se a elevação de pena de 1/3 a 2/3, seriam perfeitamente aplicáveis ao caso em exame, posto que se tratam de normas de caráter preponderamente penal, e, sendo mais benéficas, incidem imediata e retroativamente aos crimes cometidos

anteriormente a sua vigência, independentemente da fase em que se encontrem, inclusive com sentença transitada em julgado, já em sede de execução.

Nesse vértice é a lição de FERNANDO CAPEZ, ao comentar as hipóteses de aplicação de lei posterior, consoante o disposto no art. 2º e seu parágrafo único, do Código Penal, e no art. 5º, XL, da Carta Magna: "b) 'Novatio legis in mellius': é a lei posterior (novatio legis) que, de qualquer modo, traz um benefício para o agente no caso concreto (in mellius). A lex mitior (lei melhor) é a lei mais benéfica, seja anterior ou posterior ao fato. Quanto posterior, recebe o nome indicado neste item, significando nova lei em

benefício do agente. Tanto na hipótese da abolitio criminis quanto na da alteração in mellius, a norma penal retroage e aplica-se imediatamente aos processos em julgamento, aos crimes cuja

perseguição ainda não se iniciou e, também, aos casos já encerrados por decisão transitada em julgado. Qualquer direito adquirido do Estado com a satisfação do jus puniendi é atingido pela nova lei, por força do imperativo constitucional da retroatividade da lex mitior (art. 5º, XL)" (Curso de Direito Penal, Parte Geral, 10ª ed., v. 1, São Paulo: Saraiva, 2006, p. 55).

A jurisprudência deste Superior Tribunal não diverge, leia-se: "CRIMINAL. HC. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. ART. 18, INCISO III, DA LEI N.º 6.368/76. SUPERVENIÊNCIA DA LEI N.º 11.343/2006. ABOLITIO CRIMINIS. CAUSA DE AUMENTO AFASTADA DA CONDENAÇÃO. REDUÇÃO DA PENA PREVISTO NO ART. 33, § 4º, DA NOVA LEI DE TÓXICOS. NORMA DE NATUREZA PENAL. RETROATIVIDADE. INEXISTÊNCIA DE LIMITE TEMPORAL. INSTITUTO MAIS BENÉFICO AO ACUSADO. ORDEM CONCEDIDA.

"1- A nova Lei de Tóxicos revogou expressamente a causa de aumento de pena anteriormente disposta no art. 18, inciso III, da Lei n.º 6.368/76, consistente na associação eventual para o tráfico

configurando, assim, abolitio criminis.

"2- A aplicação retroativa da lex mitior é imperativo constitucional (artigo 5º, XL da Constituição da República e art. 2º do Código Penal), devendo, portanto, ser afastada da condenação do acusado, a referida causa de aumento de pena.

"3- A Carta Magna não impõe limite temporal para a retroatividade da lei penal mais benigna e o Estatuto Repressor, ao esclarecer a questão, faz a ressalva de que, ainda na hipótese da ocorrência de trânsito em julgado de decisão condenatória, lei posterior de qualquer modo mais favorável ao agente deve ser aplicada aos fatos anteriores.

"4- A redução da pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06, por ser instituto de direito material, deve ter sua aplicação retroativa determinada sempre que visualizada a possibilidade do réu ser beneficiado, ainda que transitada em julgada a condenação.

"5- Ordem concedida, para reformar a dosimetria da pena imposta ao paciente, excluindo de sua condenação a majorante do art. 18, inciso III, da Lei n.º 6.368/76, decorrente da associação eventual para o tráfico, e determinar, ainda, que seja analisada a possibilidade de redução da reprimenda de um sexto a dois terços, com base no art.

33, § 4º, da Lei nº 11.343/06" (HC n. 83.716/SP, rel. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), Quinta Turma, j. em 6-9-2007 - grifamos).

"HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. DECISÃO FUNDAMENTADA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS

DESFAVORÁVEIS. GRANDE QUANTIDADE DE SUBSTÂNCIAS ENTORPECENTES. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA. ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/2006. NORMA DE DIREITO PENAL MATERIAL. RETROATIVIDADE.

"1 - Estabelecida a pena-base acima do mínimo legal em decorrência do reconhecimento de circunstâncias...

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