Decisão Monocrática nº 2009/0241612-2 de CE - CORTE ESPECIAL
Número do processo | 2009/0241612-2 |
Data | 24 Junho 2011 |
Órgão | Corte Especial (Superior Tribunal de Justiça do Brasil) |
RECURSO ESPECIAL Nº 1.239.077 - SC (2009/0241612-2) RELATOR : MINISTRO JORGE MUSSI
RECORRENTE : N.D.P.
ADVOGADO : CRISTIANO IMHOF E OUTRO(S)
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA
DECISÃO
Consta dos autos que N.D.P. foi denunciado por lesão corporal de natureza leve praticado contra mulher no âmbito familiar (art. 129, § 9º, do Código Penal).
Condenado à pena de 3 (três) meses de detenção, o réu interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal de Justiça de Santa Catarina negado provimento ao recurso em acórdão de seguinte ementa (fl. 264 e-STJ):
APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME DE LESÃO CORPORAL PRATICADO CONTRA MULHER NO ÂMBITO FAMILIAR - PLEITO QUE VISA A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE EM FACE DA RETRATAÇÃO DA OFENDIDA, BEM COMO A IMPROCEDÊNCIA DA DENÚNCIA POR CONFIGURAR OFENSA AO ART. 395, II, DO CP - DELITO PROCEDIDO POR AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA - PRESCINDIBILIDADE DE
REPRESENTAÇÃO - PREFACIAL AFASTADA.
MÉRITO, RECURSO QUE OBJETIVA A ABSOLVIÇÃO, AO ARGUMENTO DE QUE A AUSÊNCIA DE COABITAÇÃO, BEM COMO A INDEPENDÊNCIA DE AMBOS TORNA ATÍPICA A CONDUTA - VÍTIMA E RÉU QUE SÃO IRMÃOS - VÍNCULO FAMILIAR PRESENTE - TIPO DEVIDAMENTE CONFIGURADO - POSTULADA A DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI 11.340/06, POR AFRONTAR O PRINCÍPIO DA ISONOMIA - INOCORRÊNCIA - LEI QUE OBJETIVA IGUALAR A RELAÇÃO ENTRE HOMEM E MULHER NO MEIO FAMILIAR - RECURSO NÃO PROVIDO.
Agora no especial, alega a Defesa que o acórdão recorrido, ao afastar a preliminar de legitimidade (natureza incondicionada da ação penal), contrariou o art. 41 da Lei nº 11.340/06, bem como o art. 43, III, do Código de Processo Penal, uma vez que o início da ação penal pelo delito tipificado no art. 129, § 9º, do Código Penal, dependeria de representação da ofendida, o que no caso não ocorreu.
Aponta ainda dissídio jurisprudencial acerca do tema.
Apresentadas as contrarrazões, foi o especial inadmitido na origem.
Sobreveio agravo de instrumento (Ag-1.261.629/SC), tendo a 5ª Turma desta Corte Superior, em sede de embargos de declaração, determinado a conversão do agravo em recurso especial (DJe de 14/2/11).
Com vista dos autos, opinou a Subprocuradoria-Geral da República pelo desprovimento do especial. Eis a ementa do parecer (fl. 508 e-STJ):
RECURSO ESPECIAL. CONTRARIEDADE AO ARTIGO 41 DA LEI Nº 11.340/06 (LEI 'MARIA DA PENHA'). FALTA DE CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA. AÇÃO PENAL
INCONDICIONADA. PARECER PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO.
Decido.
O cerne da questão cinge-se à seguinte dúvida: se nos crimes de lesão corporal leve, perpetrados no âmbito doméstico e familiar contra a mulher, após o advento da Lei 11.340/2006, a ação penal procede-se ou não mediante representação da ofendida, haja vista o disposto em seu artigo 41, que veda a aplicação da Lei 9.099/1995 aos casos em comento.
Para melhor elucidação da quaestio, transcreve-se o teor do citado dispositivo legal:
"Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995."
Depreende-se que a mens legis do art. 41 da Lei nº 11.340/2006 visa restringir a aplicação da Lei dos Juizados Especiais somente no tocante à exclusão do procedimento sumaríssimo e das medidas
despenalizadoras aos delitos cometidos com violência doméstica contra a mulher.
Ora, analisando-se outros dispositivos contidos na Lei Maria da Penha, como o artigo 12, inciso I, e o artigo 16, conclui-se que o legislador não quis arredar o instituto da representação da vítima como condição de procedibilidade da ação penal pública nos delitos de lesão corporal leve, perpetrados com violência doméstica contra a mulher.
No artigo 12, inciso I, determinou-se que a autoridade policial, ao fazer o registro da ocorrência em casos de violência doméstica, tome por termo a representação da vítima, se apresentada; logo, esta pode, ou não, ser oferecida pela ofendida. Já no artigo 16,
estabeleceu-se que eventual retratação da ofendida deve ser
realizada em audiência a ser designada para tal fim, após ouvido o Ministério Público, e antes do recebimento da denúncia, veja-se: "Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal:
I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada;" (grifou-se)
[...]
"Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público."
Portanto, consoante ensinança de Maria Berenice Dias, "de modo expresso, há referência na Lei Maria da Penha à representação da vítima (LMP, artigo 12) e à possibilidade de renúncia à
representação em juízo (LMP, artigo 16). Assim, mister reconhecer que, logrando o magistrado compor de forma consensual as causas geradoras da violência, mister assegurar à vítima a possibilidade de desistir da representação que havia formalizado na polícia. Para evitar a repetição das desastrosas situações a que as mulheres foram submetidas nos juizados especiais, agora para desistir da representação deve comparecer perante o juiz e o Ministério Público, acompanhada de advogado" ('A Lei Maria da Penha na Justiça',
publicado em ADV - Advocacia Dinâmica: boletim informativo semanal, Ano 27, nº 38, setembro 2007, p. 774).
Observa-se, ainda, que a adoção de entendimento contrário, de que a ação penal seria pública incondicionada, traria consequências por vezes não desejadas pelas vítimas, uma vez que, caso haja
reconciliação entre agressor e ofendida, é certo que o
prosseguimento da ação penal e, eventual condenação do réu,
acarretará sofrimento a toda família.
Acerca do tema, por ser bastante elucidativo, transcreve-se lição da já mencionada autora Maria Berenice Dias:
"Não há como pretender que prossiga a ação penal depois de o juiz ter obtido a reconciliação do casal ou ter homologado a separação com definição de alimentos, partilha de bens e guarda de filhos e visitas.
A possibilidade de trancamento do inquérito policial em muito facilitará a composição dos conflitos envolvendo as questões de Direito das Famílias, que são bem mais relevantes do que a imposição de uma pena criminal ao agressor. A possibilidade de dispor da representação revela formas através das quais as mulheres podem exercer poder na relação com os companheiros.
Há um argumento que precisa ser considerado. A vítima tem enorme dificuldade de denunciar um ente amado com quem convive, que é o pai de seus filhos e provê o sustento da...
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