Acordão nº 0205700-32.2008.5.04.0203 (RO) de Tribunal Regional do Trabalho - 4ª Região (Rio Grande do Sul), 3 de Agosto de 2011

Magistrado ResponsávelFlavio Portinho Sirangelo
Data da Resolução 3 de Agosto de 2011
EmissorTribunal Regional do Trabalho - 4ª Região (Rio Grande do Sul)
Nº processo0205700-32.2008.5.04.0203 (RO)

VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juiz da 3ª Vara do Trabalho de Canoas, sendo recorrentes VERA MARIA BITENCOURT SILVA E INTERNATIONAL INDÚSTRIA AUTOMOTIVA DA AMÉRICA DO SUL LTDA. e recorridos OS MESMOS.

As partes recorrem da sentença das fls. 357-359, prolatada pelo Exmo. Juiz Luiz Fernando Henzel, que julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais.

A reclamada recorre da sentença nos seguintes pontos: a) prescrição; b) dano, culpa e nexo causal; c) indenização por danos morais; d) indenização por danos materiais; e) termo final da pensão mensal; e f) honorários periciais.

A reclamante, por sua vez, impugna a sentença nos seguintes tópicos: a) valor da pensão mensal e pagamento em parcela única; b) valor da indenização por danos morais; e c) constituição de capital.

Com contrarrazões apenas da reclamante, os autos vêm a este Tribunal.

É o relatório.

ISTO POSTO:

1. Recurso da reclamada.

1.1. Prescrição.

A sentença afastou a prescrição arguida pela reclamada, entendendo que, em se tratando de lide decorrente de doença ocupacional, o prazo prescricional começa a correr a partir da data em que o trabalhador tem ciência inequívoca da doença que o acomete, a qual, no caso, diante da ausência de prova em sentido contrário, deve ser presumida ou na data da perícia oficial realizada no processo, ou na data de ajuizamento da ação.

A reclamada renova a prejudicial, dizendo que os primeiros sintomas da doença da reclamante surgiram em outubro de 2003 e que, em razão disso, ela foi afastada em benefício previdenciário em agosto de 2005, de modo que nessas datas ela já sabia que estava doente, tendo, aí, iniciado o prazo prescricional. Nesse contexto, a reclamada entende que, aplicado o prazo prescricional civil de três anos, a reclamante deveria ter ajuizado a ação, no máximo, em agosto de 2008, e, como ela somente o fez em dezembro de 2008, sua pretensão está prescrita.

Sem razão.

São dados incontroversos que a reclamante foi admitida em 01-01-1997, para trabalhar como operadora multifuncional I; que, em 01-09-1999, passou a trabalhar como montadora; que, em 01-01-2007, passou a trabalhar como almoxarife; e que, em 20-06-2008, foi demitida sem justa causa. A petição inicial alega que, em razão do trabalho, a reclamante desenvolveu síndrome do túnel do carpo bilateral, bursite no ombro esquerdo e discopatia na coluna cervical, segmento C5-C6. A perícia médica confirmou em parte as alegações, apontando nexo causal entre o trabalho e a síndrome do túnel do carpo (fls. 183-196).

O presente recurso suscita a controvérsia em torno do prazo prescricional a ser observado quando a ação veicula pretensão ao pagamento de indenização por danos morais e materiais, decorrente de doença ocupacional.

O art. 114, VI, da Constituição Federal, introduzido pela Emenda Constitucional n.º 45/2004, determinou ser da competência da Justiça do Trabalho conciliar e julgar ações de indenização por dano moral ou material propostas por empregado contra empregador, fundadas em acidente do trabalho ou doença ocupacional a ele equiparada.

Ocorre que, na hipótese, a doença ocupacional decorreu de prestação de trabalho finda em junho 2008, portanto, posterior à edição da referida Emenda Constitucional, tendo a ação sido ajuizada aproximadamente seis meses depois, em dezembro daquele ano.

De acordo com a jurisprudência atual da SDI-I do TST (ED-ED-E-ED-RR 74200-36.2002.5.15.0043, Rel. Min. Lelio Corrêa, Pub. DJE 04-02-2011), para a definição do prazo prescricional incidente à pretensão de indenização por danos materiais e morais decorrente de doença ocupacional, deve ser considerada a data da ciência inequívoca do evento danoso, se antes ou após a edição da Emenda Constitucional n.º 45-2004.

No caso, em que pese a reclamada afirmar que essa ciência ocorreu em 2003, quando iniciaram os sintomas das doenças, ou em 2005, quando a reclamante foi afastada em benefício previdenciário, entendo correto o entendimento da sentença de que a reclamante somente teve ciência da real extensão das doenças em momento posterior. Com efeito, em se tratando de doença ocupacional, a actio nata para postular a reparação do dano (ciência inequívoca da lesão) coincide com o momento de consolidação dessa lesão que, no caso da autora, ocorreu no curso do contrato, até porque, segundo o laudo pericial (fl. 194), foi na atividade laborativa que, paulatinamente, foi se agravando o quadro clínico da autora.

Assim, o marco inicial para a contagem da prescrição, na hipótese, deve ser a data do término do contrato (junho de 2008), de modo que a regra de prescrição com incidência ao caso é a do artigo 7º, inc. XXIX, da Constituição da República.

Dessa forma, considerando que, entre a data da ciência da lesão (presumida em junho de 2008, quando terminou o contrato) e o ajuizamento da ação (dezembro de 2008) decorreram apenas seis meses, nenhuma das pretensões da reclamante está prescrita.

Recurso não provido.

1.2. Doença ocupacional. Dano, culpa e nexo causal.

A sentença acolheu a conclusão da perícia médica e reconheceu que a reclamante sofre de síndrome do túnel do carpo, que foi agravada pelo trabalho prestado à reclamada, o qual envolvia a movimentação de carrinhos, o levantamento de peso e a realização de movimentos repetitivos que expunham a trabalhadora a risco ergonômico. A sentença atribuiu à reclamada culpa pelo agravamento do quadro, entendendo que restou comprovado que ela não adotou medidas de segurança adequadas ao risco da atividade, salientando que a culpa também decorre do fato de que o trabalho foi prestado sob sua direção, dependência e para satisfação de seu interesse econômico.

Por tais motivos, a sentença condenou a reclamada ao pagamento de indenização por danos materiais e morais; a primeira, na forma de pensão mensal de 7% do último salário básico da reclamante, até que ela se reabilite para o trabalho, e, a segunda, no valor de R$ 10.000,00. A sentença ainda condenou a reclamada ao reembolso de todas as despesas com medicamentos, tratamento médico e fisioterapia que a reclamante vier a ter até a sua recuperação, mediante comprovação nos autos.

A reclamada pede absolvição, negando o nexo causal e a culpa, dizendo que a doença de que sofre a reclamante decorre de causas degenerativas, reumáticas, endocrinológicas, metabólicas e psicológicas, tanto que ela utiliza medicação contínua. Aduz que o nexo causal surge somente quando o trabalhador realiza a mesma atividade por anos, o que não é o caso da reclamante. Refere que, embora a reclamante tenha sido destacada para atividades diversas no curso do contrato, desde o início apresentou sintomas, o que indica a preexistência das doenças. Afirma, também, que as mulheres têm predisposição para o desenvolvimento de síndrome do túnel do carpo, de modo que a reclamante desenvolveria a doença mesmo que não estivesse trabalhando. Assevera que, se a doença tivesse mesmo sido agravada pelo trabalho, a reclamante já estaria curada, pois parou de trabalhar cerca de um ano e meio antes da realização da perícia. Refere que a conclusão do perito é de que o trabalho pode ter agravado o quadro, o que demonstra incerteza, não podendo subsistir a condenação. Diz que sempre atendeu às regras de segurança e medicina do trabalho pertinentes, tais como PPRA, PCMSO e exames médicos, e que, por tal motivo, também resta afastada a culpa. Defende que só a culpa grave é capaz de gerar o dever de indenizar, invocando a Súmula n.º 229 do STF. Alega que houve culpa concorrente da reclamante, que não observou as regras pertinentes à sua própria segurança, e que isso deve ser levado em conta para efeito de arbitramento da indenização.

1.2.1. Quanto ao dano.

A perícia médica (fl. 184) descreve da seguinte forma o histórico funcional da reclamante: admitida em 01-01-1997, para trabalhar como operadora multifuncional I. Entre 1998 e 1999, passou a trabalhar como montadora, fazendo a montagem e o teste de motores de seis cilindros e de motores de colheitadeiras e tratores, puxando-os e fazendo também a submontagem de pistões e biela. Trabalhava de pé, com luvas, protetor auricular, óculos e uniforme. Entre agosto e setembro de 2005, esteve afastada em benefício previdenciário em razão de síndrome do túnel do carpo. Em janeiro de 2007, passou a trabalhar no almoxarifado, separando blocos e virabrequins e levando-os para o setor de conferência em empilhadeira manual e carrinhos de ferro. Em junho de 2008, foi demitida sem justa causa.

Com base nos documentos que acompanharam a petição inicial (fls. 18-33) e naqueles fornecidos por ocasião da perícia (fls. 201-217, o perito apurou que, atualmente, a reclamante sofre de síndrome do túnel do carpo, sendo, portanto, inequívoca a existência de dano à saúde da autora. Segundo o perito, a doença é curável, mediante tratamento adequado.

1.2.2. Quanto ao nexo causal.

O perito registrou que a síndrome do túnel do carpo pode ser relacionada com o trabalho prestado à reclamada, porque as atividades da reclamante envolviam repetição contínua de movimentos, constituindo causa de agravamento da doença, que pode também surgir ou ser agravada por fatores pessoais do trabalhador.

É razoável concluir que as atividades desenvolvidas pela reclamante junto à reclamada contribuíram para o agravamento da doença. É possível presumir, a partir das características das atividades prestadas na linha de montagem e almoxarifado da reclamada, assim como dos prontuários e registros médicos (fls. 18-33 e 201-217), que a autora adquiriu síndrome do túnel do carpo no curso do contrato de trabalho e que, por realizar esforços repetitivos, teve seu quadro agravado.

Há, ainda, que considerar a existência de nexo técnico epidemiológico (LBPS, art. 21-A) entre a doença da reclamante e as suas atividades laborativas, na forma do Decreto 3.048-99, Anexo II, Lista B, Grupo VI da CID-10, item IX, porque a síndrome do túnel do carpo...

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