Acórdão nº HC 163428 / DF de T5 - QUINTA TURMA

Número do processoHC 163428 / DF
Data21 Junho 2011
ÓrgãoQuinta Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

HABEAS CORPUS Nº 163.428 - DF (2010⁄0032526-2)

RELATOR : MINISTRO JORGE MUSSI
IMPETRANTE : DEFENSORIA PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL
ADVOGADO : FERNANDO BOANI PAULUCCI - DEFENSOR PÚBLICO E OUTRO
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS
PACIENTE : GEAN FERREIRA COSTA

EMENTA

HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. NULIDADE. RITO ADOTADO EM AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. SISTEMA ACUSATÓRIO. EXEGESE DO ART. 212 DO CPP, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.690⁄2008. EIVA RELATIVA. DEFESA SILENTE DURANTE A REALIZAÇÃO DO ATO. PRECLUSÃO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO EFETIVO PREJUÍZO. PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. ORDEM DENEGADA.

  1. A nova redação dada ao art. 212 do CPP, em vigor a partir de agosto de 2008, determina que as vítimas, testemunhas e o interrogado sejam perquiridos direta e primeiramente pela acusação e na sequência pela defesa, possibilitando ao magistrado complementar a inquirição quando entender necessário quaisquer esclarecimentos.

  2. É cediço que no terreno das nulidades no âmbito no processo penal vige o sistema da instrumentalidade das formas, no qual se protege o ato praticado em desacordo com o modelo legal caso tenha atingido a sua finalidade, cuja invalidação é condicionada à demonstração do prejuízo causado à parte, ficando a cargo do magistrado o exercício do juízo de conveniência acerca da retirada da sua eficácia, de acordo com as peculiaridades verificadas no caso concreto.

  3. Na hipótese em apreço, o ato impugnado atingiu a sua finalidade, ou seja, houve a produção das provas requeridas, sendo oportunizada às partes, ainda que em momento posterior, a formulação de questões às testemunhas ouvidas, respeitando-se o contraditório e a ampla defesa constitucionalmente garantidos, motivo pelo qual não houve qualquer prejuízo efetivo ao paciente.

  4. Eventual inobservância à ordem estabelecida no artigo 212 do Código de Processo Penal cuida-se de vício relativo, devendo ser arguido no momento processual oportuno juntamente da demonstração da ocorrência do prejuízo sofrido pela parte, sob pena de preclusão, porquanto vige no cenário das nulidades o brocado pas de nullité sans grief positivado na letra do art. 563 do Código de Processo Penal, ou seja, em matéria penal, nenhuma nulidade será declarada se não demonstrado prejuízo (Precedentes STJ e STF).

  5. Constatando-se que a defesa do paciente permaneceu silente durante a audiência de instrução e julgamento, vindo a arguir a irregularidade somente nas alegações finais, a pretensão do impetrante de invalidação da instrução criminal encontra-se fulminada pelo fenômeno da preclusão.

    EXCLUSÃO DA QUALIFICADORA. ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO À SUBTRAÇÃO DA COISA. PERÍCIA. IMPRESCINDIBILIDADE. INFRAÇÃO QUE DEIXA VESTÍGIO. CONDENAÇÃO COM BASE EM PROVA TESTEMUNHAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO NESSE PONTO.

  6. A qualificadora do rompimento de obstáculo só pode ser aplicada no crime de furto mediante realização de exame pericial, já que, sendo infração que deixa vestígio, é necessário o exame de corpo de delito direto, por expressa imposição legal, somente podendo ser substituído o laudo pericial por outros meios de prova quando não deixar vestígios, quando os vestígios tenham desaparecido, ou, ainda, se as circunstâncias do crime não permitirem a confecção do laudo.

  7. Evidente o constrangimento ilegal quando, embora os vestígios fossem claramente passíveis de serem objeto de perícia, não se tenha realizado exame de corpo de delito para comprovar o rompimento de obstáculo à subtração da coisa, valendo-se as instâncias ordinárias apenas dos depoimentos das testemunhas dos fatos para proclamar pela incidência da qualificadora prevista no inciso I do § 4º do art. 155 do CP.

  8. Ordem parcialmente concedida.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder parcialmente a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ⁄RJ), Laurita Vaz e Napoleão Nunes Maia Filho votaram com o Sr. Ministro Relator.

    Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Gilson Dipp.

    Brasília (DF), 21 de junho de 2011. (Data do Julgamento).

    MINISTRO JORGE MUSSI

    Relator

    HABEAS CORPUS Nº 163.428 - DF (2010⁄0032526-2)

    IMPETRANTE : DEFENSORIA PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL
    ADVOGADO : FERNANDO BOANI PAULUCCI - DEFENSOR PÚBLICO E OUTRO
    IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS
    PACIENTE : GEAN FERREIRA COSTA

    RELATÓRIO

    O EXMO. SR. MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado pela Defensoria Pública em favor de G.F.C., apontando como autoridade coatora a 1ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, que negou provimento à Apelação Criminal nº 20090110001307, mantendo as conclusões da sentença que condenou o paciente à pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime aberto, além do pagamento de 30 (trinta) dias-multa, pela prática do delito previsto no art. 155, § 4º, I e IV, do Código Penal.

    Sustenta o impetrante que o paciente é alvo de constrangimento ilegal porquanto eivada de nulidade a ação penal, tendo em vista a inversão da ordem de oitiva das testemunhas na audiência de instrução e julgamento, além da inobservância da regra que impõe a inquirição direta pelas partes, não mais se realizando as perguntas pelo juiz.

    Afirma, ainda, que deve ser excluída a qualificadora do rompimento de obstáculo, pois não teria havido laudo de exame do local do crime para sua comprovação, o que teria o condão de afastar o disposto no art. 155, § 4º, I, do Código Penal.

    Pugna, portanto, liminarmente e no mérito, pela concessão da ordem para que seja reconhecida a nulidade da ação penal, desde a audiência de instrução e julgamento, requerendo, ainda, a exclusão da circunstância qualificadora prevista no art. 155, § 4º, I, do Código Penal.

    Instrui a inicial com alguns documentos (e-STJ fls. 6 a 37), sendo indeferida a tutela de urgência (e-STJ fls. 42 e 43) e prestadas as informações pela autoridade impetrada (e-STJ fls. 101), oportunidade em que acostou cópia de diversas peças processuais (e-STJ fls. 102 a 153).

    A douta Subprocuradoria-Geral da República opinou pela concessão da ordem.

    É o relatório.

    HABEAS CORPUS Nº 163.428 - DF (2010⁄0032526-2)

    VOTO

    O EXMO. SR. MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Da detida análise dos autos, constata-se que o paciente foi condenado à pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime aberto, além do pagamento de 30 (trinta) dias-multa, pela prática do delito previsto no art. 155, § 4º, I e IV, do Código Penal.

    Irresignada, defesa interpôs recurso de apelação criminal para o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, ao qual foi negado provimento, o que deu azo ao presente mandamus.

    Busca o impetrante, em síntese, a anulação do feito a partir da audiência de instrução ao argumento de que o referido ato teria se realizado em desacordo com a norma contida no art. 212 do Código de Processo Penal, com a nova redação que lhe foi dada pela Lei nº 11.690⁄2008, afirmando que o magistrado teria desrespeitado a ordem de inquirição das testemunhas por ter sido o primeiro a formular as perguntas, quando sua atuação seria em último lugar, ou seja, complementar.

    A Lei nº 11.690, que entrou em vigor a partir de 9 de agosto de 2008, introduziu algumas modificações no regulamento da prova testemunhal, dando nova redação ao art. 212 do Código de Processo Penal nos seguintes termos:

    “Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.

    “Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição".

    Da leitura do mencionado dispositivo, observa-se que as alterações promovidas pela referida legislação trouxeram o método de exame direto e cruzado da prova oral utilizado também na Inglaterra e na Itália, abolindo o antigo sistema presidencial quanto à formulação das perguntas e reperguntas por parte do juiz, inerente ao processo inquisitório, adotando, assim, o sistema adversarial anglo-americano, consistente primeiramente no direct-examination - por parte de quem arrolou - e posteriormente no cross-examination - sendo submetido à parte contrária-, de tal sorte que ao magistrado cabe apenas a complementação da inquirição sobre os pontos não esclarecidos, ao final, caso entenda necessário.

    Embora seja certo que no julgamento de casos semelhantes este Relator posicionou-se no sentido de que a inobservância da inovação legislativa citada importaria em eiva absoluta do ato, um aprofundamento no estudo dos institutos de Direito Processual Penal aplicáveis à espécie demonstra a necessidade de revisão do entendimento até então defendido.

    Isto porque, é cediço que no terreno das nulidades no âmbito no processo penal vige o sistema da instrumentalidade das formas, no qual se protege o ato praticado em desacordo com o modelo legal caso tenha atingido a sua finalidade, cuja invalidação é condicionada à demonstração do prejuízo causado à parte, ficando a cargo do magistrado o exercício do juízo de conveniência acerca da retirada da sua eficácia, de acordo com as peculiaridades verificadas no caso concreto.

    Assim, para a declaração da nulidade de determinado ato processual, não basta a mera alegação da ausência de alguma formalidade na sua execução, sendo imperiosa, repita-se, a demonstração do eventual prejuízo concreto suportado pela parte na sua omissão, mormente quando se alcança a finalidade que lhe é intrínseca, conforme dispõe o artigo 563 do Código de Processo Penal. Nesse sentido, confira-se lição de Ada Pellegrini Grinover, A.S.F. e Antonio Magalhães Gomes Filho:

    "Sem ofensa ao sentido...

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