Decisão Monocrática nº 2009/0211646-3 de T3 - TERCEIRA TURMA

Número do processo2009/0211646-3
Data04 Agosto 2011
ÓrgãoTerceira Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECURSO ESPECIAL Nº 1.164.739 - MG (2009/0211646-3)

RELATOR : MINISTRO VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS) RECORRENTE : R.A.D.O.

ADVOGADO : ANDREA ABRITTA GARZON TONET - DEFENSORA PÚBLICA E OUTROS RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

DECISÃO

Trata-se de recurso especial interposto por R.A.D.O., com fulcro no art. 105, inciso III, alínea "c", da Carta Maior, no intuito de ver reformado acórdão prolatado pelo Eg.

Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob o fundamento de ter o mesmo emprestado ao art. 307 do Código Penal interpretação diversa da conferida por este Superior Tribunal de Justiça quando do julgamento de demandas análogas a que se afigura.

Noticiam os autos que o recorrente foi denunciado como incurso nas sanções dos arts. 155, §4.º, incisos I e IV, c/c art. 14, II, e 307, do Código Penal. Constou da peça acusatória que o recorrente, ao ser abordado pelos policiais militares que frustraram a consumação do delito de furto pelo mesmo intentado, com o escopo de livrar-se da aplicação da lei penal e por existir em seu desfavor mandado de prisão expedido, atribui-se falsa identidade, afirmando chamar-se Paulo Sérgio dos Santos.

Recebida a denúncia e regularmente processado o feito, foi o

recorrente condenado às penas de 01 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão e 20 (vinte) dias multa, pela tentativa de furto (art. 155, §4.º, incisos I e IV, c/c art. 14, II, do CP), e de 06 (seis) meses de detenção, pela prática do crime de falsidade ideológica (art. 307 do CP).

Inconformado, manejou o apenado recurso de apelação, pugnando, dentre outras coisas, por sua absolvição pelo crime de falsidade ideológica, ao fundamento de que o ato por ele perpetrado, de identificar-se perante a autoridade policial como sendo pessoa diversa, constituiria autodefesa, constitucionalmente assegurada, o que revelaria a atipicidade de sua conduta.

A 1.ª Câmara Criminal do Eg. TJ/MG, por unanimidade de votos dos seus integrantes, negou provimento ao apelo, em aresto que restou assim ementado:

"EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - FURTO QUALIFICADO PELO CONCURSO DE PESSOAS - FALSA IDENTIDADE - ABSOLVIÇÃO - IMPOSSIBILIDADE -

MATERIALIDADE E AUTORIA INDUVIDOSAS - VERSÃO INVEROSSÍMIL DO RÉU NA NEGATIVA DO 'ANIMUS FURTANDI' - CONFISSÃO NO TOCANTE À FALSA

IDENTIDADE - INEXIGÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS FALSOS PARA CONFIGURAÇÃO DO CRIME PREVISTO NO ART. 307 DO CP - AUTODEFESA - IMPROCEDÊNCIA - GARANTIA CONSTITUCIONAL QUE NÃO CONFERE AO ACUSADO DIREITO DE MENTIR QUANTO À SUA IDENTIFICAÇÃO PESSOAL, EM OFENSA À FÉ PÚBLICA - DECOTE DA QUALIFICADORA - ARROMBAMENTO ATESTADO POR PERÍCIA - PALAVRA DA VÍTIMA E DOS POLICIAIS - VALIDADE - APLICAÇÃO DA REPRIMENDA - PENA-BASE FIXADA EM ESTRITA OBSERVÂNCIA AO PRECEITO CONSTANTE DO ART. 59 DO CP - CORRETA ANÁLISE DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS - AUMENTO DO 'QUANTUM' DE INCIDÊNCIA DE REDUÇÃO PELA TENTATIVA - INADMISSIBILIDADE - GRANDE PERCURSO DO 'ITER CRIMINIS' - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO." (fl. 200, e-STJ)

Ainda irresignado, interpôs o então apelante o recurso especial que ora se apresenta, por estar o aresto hostilizado em dissonância com a orientação jurisprudencial desta Corte Superior, que seria firme no sentido de que a conduta de "se atribuir falsa identidade perante autoridade policial, não configura o crime descrito no art. 307 do Código Penal, tratando-se de hipótese de autodefesa consagrada no art. 5.º, inciso LXIII, da Carta Magna". (REsp n.º 610.013/SC).

O Ministério Público do Estado de Minas Gerais, ora recorrido, apresentou suas contrarrazões ao apelo nobre (fls. 233/241, e-STJ), pugnando pela inadmissão ou não provimento do mesmo.

Na origem, em exame de prelibação, o recurso recebeu crivo positivo de admissibilidade (243/244, e-STJ), ascendendo, assim, a esta Corte Superior.

O Ministério Público Federal, em parecer da lavra da i.

Subprocruadora-Geral da República, Dra. Lindôra Maria Araújo, opina pelo não conhecimento ou, alternativamente, pelo não provimento do recurso (fls. 252/258, e-STJ).

Brevemente relatados, DECIDO.

Revelando-se notório o dissídio pretoriano suscitado e preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade recursal, impõe-se o conhecimento da presente irresignação recursal.

No mérito, tenho que merecem guarida as pretensões do recorrente, fazendo-se, assim, merecedor de reparos o v. Aresto hostilizado.

Nos termos do art. 307 do Código Penal, constitui crime de falsa identidade "atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem", isto é, o bem juridicamente protegido pelo tipo penal é a fé pública, relacionando-se à identidade própria ou de terceiro.

Não comete, todavia, o referido delito o agente que omite sua verdadeira identidade objetivando única e exclusivamente ocultar seus maus antecedentes criminais no afã de preservar sua liberdade.

Isso porque, primeiramente, para que a referida conduta seja

considerada típica, há a necessidade de que o acusado tenha agido com intuito de obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, de maneira que não se pode falar em acréscimo patrimonial ou ganho adicional a sua simples intenção de manter o status libertatis.

Acerca do tema, oportuna se faz a lição de CELSO DELMANTO, verbis: "Autodefesa: polêmica até hoje é a questão acerca da inculcação, por parte de quem é preso ou acusado, de falsa identidade. Em nosso entendimento, o acusado que mente sobre sua identidade não comete o crime do art. 307 do CP, por duas razões: a. São constitucionalmente garantidos o direito ao silêncio (CR, art. 5º, LXIII e § 2º) e o de não ser obrigado a depor contra si mesmo, nem a confessar (PIDCP, art. 14, 3, g) ou a declarar-se culpado (CADH, art. 8º, 2, g). Como lembra David Teixeira de Azevedo, 'o faltar à verdade equivale a silenciar sobre ela, omiti-la' pois 'sob o plano ético-axiológico, como adequação da coisa à escala valorativa...o que é mais valioso tem precedência ontológica sobre o menos valioso' ('O interrogatório do réu e o direito ao silêncio' in RT 682/288). b Conforme já decidido pelo antigo TACrSP, em acórdão unânime da lavra do juiz, depois desembargador, Gentil Leite (Ap. 172.207, j. 7.3.78,...

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