Decisão Monocrática nº 2011/0115746-9 de CE - CORTE ESPECIAL

Número do processo2011/0115746-9
Data04 Agosto 2011
ÓrgãoCorte Especial (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECURSO ESPECIAL Nº 1.255.603 - MG (2011/0115746-9) RELATOR : MINISTRO JORGE MUSSI

RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

RECORRIDO : C.S.S.

ADVOGADO : M.G.B.G. E OUTRO(S)

DECISÃO

Trata-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público, com fulcro no art. 105, III, "a" e "c", da Constituição da República, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.

Consta dos autos que o Recorrido foi denunciado pela suposta prática do delito previsto no art. 16, parágrafo único, IV, da Lei n.º 10.826/03, nos seguintes termos:

"Conforme consta do inquérito policial em anexo, no dia 5 de outubro de 2008, [...], durante o cumprimento de mandado de busca e

apreensão [...], verificou-se que C.S.S., possuía, em sua residência, 1 (uma) pistola, de marca Imbel, calibre 380, oxidada, com numeração raspada, 2 (dois) carregadores e 13 (treze) munições, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Nas condições de tempo e lugar acima descritas, ao ser dado

cumprimento a mandado de busca e apreensão, foram apreendidos, na residência do DENUNCIADO, a arma de fogo aludida, bem como 2 (dois) carregadores e 13 (treze) munições a ela pertinentes.

Segundo os apuros investigatórios, a pistola 380 estava dentro de um armário em um dos quartos da residência do DENUNCIADO e nela estava acoplado um dos carregadores com 6 (seis) munições intactas. O outro carregador encontrava-se junto à arma e estava municiada com 7 (sete) projéteis.

Não obstante dito por M.G.B.G., após ouvir relato do próprio DENUNCIADO no sentido de que ele possuía registro da arma de fogo, não foi ele apresentado à autoridade policial.

Segundo atestado pelo auto de eficiência, a arma encontrava-se em perfeitas condições de funcionamento e com a numeração

identificadora raspada." (fls. 17/18)

A denúncia foi recebida em 16/3/2009 (fls. 56/57). A defesa impetrou habeas corpus em face da decisão que recebeu a vestibular acusatória e determinou o prosseguimento do feito, tendo a Corte local, por unanimidade, determinado o trancamento da ação penal em acórdão assim ementado:

"HABEAS CORPUS. ESTATUTO DO DESARMAMENTO. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO RASPADA. ABOLITIO CRIMINIS TEMPORÁRIA. LEI N.º 11.706/08. APLICABILIDADE À ESPÉCIE. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.

ORDEM CONCEDIDA. I - A vacatio legis indireta trazida pela Lei n.º 10.826/03, com as prorrogações de prazo impostas pelas Leis ns.

10.884/04, 11.118/05, 11.191/05, 11.706/08 e 11.922/09, abarcou a simples posse, no interior da residência, de todas as espécies de arma de fogo, acessórios e munição, de uso permitido ou restrito ou ainda com numeração raspada. II - Portanto, se praticada dentro do período previsto, a conduta de simples posse é, necessariamente, atípica. III - Ordem concedida para trancar a ação penal." (fl. 184) Interposto embargos de declaração, foi o mesmo desacolhido (fls.

200/202). Irresignado, o Parquet estadual interpõe o presente recurso especial ao fundamento de que o aresto objurgado teria contrariado os arts. 16, parágrafo único, IV, 30 e 32, todos do Estatuto do Desarmamento, bem como que haveria divergência

jurisprudencial sobre a matéria, uma vez que a conduta de possuir arma de fogo e munições fora das hipóteses contempladas pela Lei n.º 11.922/09 - que prorrogou o prazo de regularização de tais artefatos pela sociedade -, não resultaria na atipicidade da conduta pela abolitio criminis, até mesmo porque, na espécie, se trataria de utensílio lesivo com numeração suprimida o que demonstraria a não-intenção do agente em regularizar sua posse, bem como a

impossibilidade de se aplicar a abolição prevista na MP 417/08.

Requer o provimento do apelo nobre a fim de que seja o réu

processado pela figura prevista no art. 16, parágrafo único, IV, do Estatuto do Desarmamento.

Contrarrazões apresentadas (fls. 258/266), foi o recurso admitido na origem (fls. 269/270).

Remetido o feito criminal a este Superior Tribunal de Justiça, manifestou-se a Subprocuradoria Geral da República pelo provimento do reclamo especial.

Decido.

Preenchidos os requisitos de admissibilidade do apelo nobre, passo à análise do mérito recursal.

Impende consignar que os textos originais dos arts. 30 e 32 do Estatuto do Desarmamento assim preconizavam:

“Art. 30. Os possuidores e proprietários de armas de fogo não registradas deverão, sob pena de responsabilidade penal, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias após a publicação desta Lei, solicitar o seu registro apresentando nota fiscal de compra ou a comprovação da origem lícita da posse, pelos meios de prova em direito admitidos.

"(...).

Art. 32. Os possuidores e proprietários de armas de fogo não registradas poderão, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias após a publicação desta Lei, entregá-las à Polícia Federal, mediante recibo e, presumindo-se a boa-fé, poderão ser indenizados, nos termos do regulamento desta Lei.

Analisando-se o teor e a finalidade dos dispositivos transcritos, observa-se que a Lei estabeleceu uma condição suspensiva para que os possuidores e proprietários de armas de fogo – seja as de uso permitido, proibido ou restrito – não registradas, pudessem obter o seu registro, desde que comprovada, por nota fiscal ou qualquer outro meio de prova em direito admitido, a origem lícita da posse. O art. 32, por sua vez, possibilitou também, no mesmo prazo, a entrega à Polícia Federal de armas de fogo registradas ou não pelos seus possuidores e proprietários, desde que de forma espontânea e

presumida a boa-fé.

Ocorre que, em 17 de junho de 2004, a Lei nº 10.884 - na qual foi convertida na Medida Provisória nº 174 -, determinou que o termo inicial da contagem do prazo de 180 dias para a solicitação de registro ou entrega do armamento, previsto nos arts. 29, 30 e 32 da Lei nº 10.826/03, seria a partir da publicação do decreto que os regulamentasse, não ultrapassando, para ter efeito, a data limite de 23 de junho de 2004.

Além disso, o referido prazo foi prorrogado até o dia 23 de junho de 2005 pela Lei nº 11.118, de 19 de maio de 2005, sobrevindo, ainda, a Lei nº 11.191 de 10 de novembro de 2005, que adiou o término do prazo para 23 de outubro de 2005, possibilitando que as armas permitidas ou de uso restrito pudessem ser entregues até essa data sem a incidência da Lei nº 10.826/03.

Nesse sentido, observa-se que a doutrina e a jurisprudência desta Corte de Justiça têm entendido que deve ser considerada atípica a conduta de posse irregular de arma de fogo, tanto de uso permitido (art. 12) como de uso restrito (art.16) ocorrida no período

referente a 23 de dezembro de 2003 a 23 de outubro de 2005, por se tratar de hipótese de vacatio legis indireta decorrente do teor do art. 30 da Lei do Desarmamento.

Quanto ao tema bem explica FERNANDO CAPEZ, leia-se:

"A Lei n. 10.826/2003, com as alterações legislativas posteriores (Medida Provisória n. 174, de 18.03.2004, convertida na Lei n.

10.884, de 17.06.2004 e, posteriormente, a Lei n. 11.118, de

19.05.2005), concedeu prazo para que todos os possuidores e

proprietários de armas não registradas procedessem aos respectivos registros, apresentando nota fiscal de compra e ou comprovação da origem lícita. Antes do decurso do referido lapso temporal, não se pode falar na existência do crime de posse ilegal dessas armas, presumindo-se a boa-fé, ou seja, a ausência de dolo daqueles que as possuam. Assim, tanto o art. 12 (posse ilegal de arma de fogo de uso permitido) como parte do art. 16 (posse ilegal de armas de fogo de uso restrito) do Estatuto tiveram sua vigência condicionada ao encerramento do mencionado prazo. Há, portanto, um período

intermediário, em que tais condutas não são alcançadas nem pela Lei n. 9.437/97, nem pela nova legislação [...]. Nesse interregno, a posse ilegal das armas de fogo de uso permitido e restrito não é incriminada, nem pela revogada Lei n. 9.437/97, nem pelos arts. 12 e 16 da nova lei. É um paradisíaco período de atipicidade [...] A Lei n. 10.826/2003 não passou a considerar atípica...

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