Acórdão nº HC 182804 / DF de T5 - QUINTA TURMA

Data21 Junho 2011
Número do processoHC 182804 / DF
ÓrgãoQuinta Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

HABEAS CORPUS Nº 182.804 - DF (2010⁄0154267-6)

RELATOR : MINISTRO JORGE MUSSI
IMPETRANTE : DEFENSORIA PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL
ADVOGADO : MARCOS GERALDO TEIXEIRA SANTANA - DEFENSOR PÚBLICO
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS
PACIENTE : A.S.O.
PACIENTE : L.F.D.O.S.

EMENTA

HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. NULIDADE. RITO ADOTADO EM AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. SISTEMA ACUSATÓRIO. EXEGESE DO ART. 212 DO CPP, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.690⁄2008. EIVA RELATIVA. ARGUIÇÃO INOPORTUNA. PRECLUSÃO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO EFETIVO PREJUÍZO. PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. ORDEM DENEGADA.

  1. A nova redação dada ao art. 212 do CPP, em vigor a partir de agosto de 2008, determina que as vítimas, testemunhas e o interrogado sejam perquiridos direta e primeiramente pela acusação e na sequência pela defesa, possibilitando ao magistrado complementar a inquirição quando entender necessário quaisquer esclarecimentos.

  2. É cediço que no terreno das nulidades no âmbito no processo penal vige o sistema da instrumentalidade das formas, no qual se protege o ato praticado em desacordo com o modelo legal caso tenha atingido a sua finalidade, cuja invalidação é condicionada à demonstração do prejuízo causado à parte, ficando a cargo do magistrado o exercício do juízo de conveniência acerca da retirada da sua eficácia, de acordo com as peculiaridades verificadas no caso concreto.

  3. Em que pese a audiência de oitiva das testemunhas tenha se realizado em desconformidade com o que preceitua o artigo 212 do Código de Processo Penal, é certo que o ato cumpriu sua finalidade, ou seja, houve a produção das provas requeridas, sendo oportunizada às partes, ainda que em momento posterior, a formulação de questões às testemunhas ouvidas, respeitando-se o contraditório e a ampla defesa constitucionalmente garantidos, motivo pelo qual não houve qualquer prejuízo efetivo ao paciente.

  4. Eventual inobservância à ordem estabelecida no referido preceito legal cuida-se de vício relativo, devendo ser arguido no momento processual oportuno juntamente da demonstração da ocorrência do prejuízo sofrido pela parte, sob pena de preclusão, porquanto vige no cenário das nulidades o brocado pas de nullité sans grief positivado na letra do art. 563 do Código de Processo Penal, ou seja, em matéria penal, nenhuma nulidade será declarada se não demonstrado prejuízo (Precedentes STJ e STF).

  5. Na hipótese dos autos, constatado que a defesa dos pacientes arguiu a irregularidade ocorrida na oitiva das testemunhas somente nas alegações finais, isto é, não levantada a nulidade na primeira oportunidade para defesa se pronunciar após a ocorrência do ato maculado, a pretensão do impetrante de invalidação da instrução criminal encontra-se fulminada pelo fenômeno da preclusão.

    SENTENÇA CONDENATÓRIA. FRAGILIDADE DO CONJUNTO PROBATÓRIO QUANTO AO PACIENTE L.F. DECISÃO QUE ENCONTRA APOIO EM ELEMENTOS COLHIDOS SOB O CRIVO DO CONTRADITÓRIO. DECISÃO FUNDAMENTADA. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO. ABSOLVIÇÃO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO APROFUNDADO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ESTREITA DO WRIT .

  6. O mero exame da culpabilidade, a ensejar a pretendida absolvição, é questão que demanda aprofundada análise de provas, o que é vedado na via angusta do remédio constitucional, que possui rito célere e desprovido de dilação probatória.

  7. No processo penal brasileiro vigora o princípio do livre convencimento, em que o julgador, desde que de forma fundamentada, pode decidir pela condenação, não cabendo, na estreita via do writ, o exame aprofundado de prova no intuito de reanalisar as razões e motivos pelos quais as instâncias anteriores formaram convicção pela prolação de decisão repressiva em desfavor do paciente.

  8. Ordem denegada.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, denegar a ordem. Os Srs. Ministros Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ⁄RJ), Laurita Vaz e Napoleão Nunes Maia Filho votaram com o Sr. Ministro Relator.

    Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Gilson Dipp.

    Brasília (DF), 21 de junho de 2011. (Data do Julgamento).

    MINISTRO JORGE MUSSI

    Relator

    HABEAS CORPUS Nº 182.804 - DF (2010⁄0154267-6)

    IMPETRANTE : DEFENSORIA PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL
    ADVOGADO : MARCOS GERALDO TEIXEIRA SANTANA - DEFENSOR PÚBLICO
    IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS
    PACIENTE : A.S.O.
    PACIENTE : L.F.D.O.S.

    RELATÓRIO

    O EXMO. SR. MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Trata-se de habeas corpus com pedido de liminar, impetrado pela Defensoria Pública em favor de A.S.O. e L.F.D.O.S., contra acórdão proferido pela 2ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, que negou provimento a Apelação Criminal n.º 2008.07.1.028956-4, mantendo a condenação dos pacientes à pena de 6 (seis) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, a ser cumprida em regime inicial semiaberto, pela prática do delito previsto no art. 157, § 2º, incisos I e II, na forma do art. 70, ambos do Código Penal.

    Narra o impetrante que, designada audiência de instrução e julgamento, esta se realizou em desacordo com as normas contidas no art. 212 do Estatuto Processual Penal, com a nova redação que lhe foi dada pela Lei nº 11.690⁄2008, pois houve inversão na ordem de formulação das perguntas, malferindo os princípios do contraditório e da ampla defesa.

    Entende que prescinde de demonstração do efetivo prejuízo, porquanto este seria presumido.

    Alega, ainda, que o conjunto probatório seria frágil, pois não haveria nos autos indícios de autoria delitiva quanto ao réu L.F., destacando que o reconhecimento feito pelas vítimas careceria de validade jurídica, visto que reconheceram até pessoa que nem estava presente no local dos fatos.

    Sustenta que em decorrência do referido ato os pacientes são vítimas de constrangimento ilegal, postulando, assim, o deferimento da liminar, para suspender os efeitos da condenação até o julgamento final deste writ, e a concessão da ordem, para que se anule a audiência impugnada, determinando-se que outra seja realizada nos moldes do art. 212 do Código de Processo Penal, bem como a absolvição de L.F.D.O.S.

    Instrui a inicial com alguns documentos (e-STJ fls. 11 a 109), sendo indeferida a tutela de urgência (e-STJ fls. 115 e 116) e prestadas as informações pela autoridade impetrada (e-STJ fls. 123 a 125), oportunidade em que acostou cópia de diversas peças processuais (e-STJ fls. 126 a 149).

    A douta Subprocuradoria-Geral da República opinou pela concessão da ordem.

    É o relatório.

    HABEAS CORPUS Nº 182.804 - DF (2010⁄0154267-6)

    VOTO

    O EXMO. SR. MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Da detida análise dos autos, constata-se que os pacientes foram denunciados como incursos nas penas do art. 157, § 2º, incisos I e II, c⁄c art. 70, ambos do Código Penal e art. 1º da Lei nº 2.252⁄54.

    Superadas as demais fases processuais, sobreveio sentença que julgou parcialmente procedente a exordial acusatória, absolvendo-os do delito de corrupção de menores e condenando-os à pena de 6 (seis) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, a ser cumprida em regime inicial semiaberto, e pagamento de 30 (trinta) dias-multa, pela prática do delito previsto no art. 157, § 2º, incisos I e II, na forma do art. 70, ambos do Código Penal.

    Irresignada, a defesa e acusação interpôs recurso de apelação criminal para o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, ao qual foi negado provimento, o que deu azo ao presente mandamus.

    Primeiramente, busca o impetrante, em síntese, a anulação do feito a partir da audiência de instrução ao argumento de que a audiência de instrução e julgamento teria se realizado em desacordo com a norma contida no art. 212 do Código de Processo Penal, com a nova redação que lhe foi dada pela Lei nº 11.690⁄2008, afirmando que o magistrado teria desrespeitado a ordem de inquirição das testemunhas por ter sido o primeiro a formular as perguntas, quando sua atuação seria em último lugar, ou seja, complementar.

    A Lei nº 11.690, que entrou em vigor a partir de 9 de agosto de 2008, introduziu algumas modificações no regulamento da prova testemunhal, dando nova redação ao art. 212 do Código de Processo Penal nos seguintes termos:

    “Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.

    “Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição".

    Da leitura do mencionado dispositivo, observa-se que as alterações promovidas pela referida legislação trouxeram o método de exame direto e cruzado da prova oral utilizado também na Inglaterra e na Itália, abolindo o antigo sistema presidencial quanto à formulação das perguntas e reperguntas por parte do juiz, inerente ao processo inquisitório, adotando, assim, o sistema adversarial anglo-americano, consistente primeiramente no direct-examination - por parte de quem arrolou - e posteriormente no cross-examination - sendo submetido à parte contrária-, de tal sorte que ao magistrado cabe apenas a complementação da inquirição sobre os pontos não esclarecidos, ao final, caso entenda necessário.

    Embora seja certo que no julgamento de casos semelhantes este Relator posicionou-se no sentido de que a inobservância da inovação legislativa citada importaria em eiva absoluta do ato, um aprofundamento no estudo dos institutos de Direito Processual Penal aplicáveis à espécie demonstra a necessidade de revisão do entendimento até então defendido.

    Isto porque, é cediço que no terreno das nulidades no âmbito no processo penal vige o sistema da instrumentalidade das formas, no qual se protege o ato praticado em desacordo com o modelo legal caso tenha atingido...

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