Acórdão nº HC 177472 / MG de T5 - QUINTA TURMA

Data21 Junho 2011
Número do processoHC 177472 / MG
ÓrgãoQuinta Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

HABEAS CORPUS Nº 177.472 - MG (2010⁄0118056-0)

RELATOR : MINISTRO JORGE MUSSI
IMPETRANTE : I.T. E OUTROS
ADVOGADO : IGOR TAMASAUSKAS E OUTRO(S)
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
PACIENTE : C E M I (PRESO)

EMENTA

HABEAS CORPUS. FOTOGRAFAR PORNOGRAFIA INFANTIL. ART. 241 DO ECA, NOS TERMOS DA LEI 10.764⁄2003. ATIPICIDADE DA CONDUTA DE FOTOGRAFAR. INOCORRÊNCIA. INTERPRETAÇÃO INTEGRAL DA NORMA. ORDEM DENEGADA.

  1. A alteração na redação do art. 241 do ECA pela Lei 10.764⁄2003, não descriminalizou a conduta de fotografar pornografia infantil. Precedente do STJ.

  2. Embora o termo "fotografar" não constasse, literalmente, do caput do art. 241 do ECA - redação dada pela Lei 10.764⁄2003 -, a mera interpretação gramatical se mostraria suficiente para a compreensão do real sentido jurídico da norma em exame.

  3. Ao intérprete, contudo, cabe considerar também a finalidade e o sistema (jurídico) no qual a norma está inserida, é a chamada interpretação integral, na qual o procedimento interpretativo passa obrigatoriamente, e nessa ordem, pela observação gramatical, lógica, sistemática, histórica e teleológica.

  4. O termo "produzir fotografias", portanto, como definido pela Lei 10.764⁄2003, e em vigor ao tempo da conduta imputada ao paciente, deve ser considerado tal qual "fotografar"; expressões, inclusive, sinônimas, segundo os dicionários da língua portuguesa Aurélio e Houaiss.

  5. Neste contexto, buscar na expressão "produzir fotografia" significado diverso a "fotografar", além de ilógico, diverge de forma radical do viés sistêmico da norma que ampara e protege crianças e adolescentes, tanto em sua face histórica (sempre fotografar pornografia infantil foi considerado crime) quanto teleológica (conduta repudiada pela sociedade).

    ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. DOSIMETRIA. CAUSAS ESPECIAIS DE AUMENTO DE PENA. ART. 226 DO CP. UTILIZAÇÃO CONCOMITANTE DE DUAS CAUSAS. ART. 68, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CP. MATÉRIA NÃO DEBATIDA NO TRIBUNAL ORIGINÁRIO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. APELAÇÃO. EFEITO DEVOLUTIVO. LIMITAÇÃO. RAZÕES RECURSAIS. WRIT NÃO CONHECIDO NESSE PONTO.

  6. O efeito devolutivo do recurso de apelação criminal encontra limites nas razões expostas pelo recorrente, em respeito ao princípio da dialeticidade que rege os recursos no âmbito processual penal pátrio, por meio do qual se permite o exercício do contraditório pela parte que defende os interesses adversos, garantindo-se, assim, o respeito à cláusula constitucional do devido processo legal.

  7. Verificando-se que, efetivamente, a Corte de origem não apreciou a questão relativa à possibilidade da aplicação concomitante de duas causas de aumento da pena (art. 226, I e II, do CP), tendo em vista que sequer foi alvo de insurgência nas razões recursais ofertadas, inviável a análise da impetração aqui aforada, sob pena de supressão de instância.

  8. Writ parcialmente conhecido e, nesta extensão, denegada a ordem.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer parcialmente do pedido e, nessa parte, denegar a ordem. Os Srs. Ministros Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ⁄RJ), Laurita Vaz e Napoleão Nunes Maia Filho votaram com o Sr. Ministro Relator.

    Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Gilson Dipp.

    Brasília (DF), 21 de junho de 2011. (Data do Julgamento).

    MINISTRO JORGE MUSSI

    Relator

    HABEAS CORPUS Nº 177.472 - MG (2010⁄0118056-0)

    IMPETRANTE : I.T. E OUTROS
    ADVOGADO : IGOR TAMASAUSKAS E OUTRO(S)
    IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
    PACIENTE : C E M I (PRESO)

    RELATÓRIO

    O SENHOR MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado em favor de C. E. M. I., apontando como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, nos autos da Apelação Criminal nº 1.0702.07.372548-4⁄001.

    Noticiam os autos que o paciente foi condenado, em coautoria, à pena de 54 (cinquenta e quatro) anos de reclusão, e 200 (duzentos) dias-multa pela prática dos delitos previstos no art. 214, c⁄c art 224, "a", e art. 226, I e II, por 3 vezes, na forma do art. 69, todos do CP, e art. 241 do ECA, por 4 vezes, na forma do art. 69 do CP, sendo, no mesmo decisum, absolvido da acusação do delito do art. 213, c⁄c art. 14, II, ambos do CP, com fulcro no art. 386, VI, do CPP.

    Irresignada, a defesa interpôs recurso de apelação, ao qual foi dado parcial provimento para, reconhecer a continuidade delitiva (art. 71 do CP) para os delitos de cada espécie, reduzindo-lhe as penas para um total de 20 (vinte) anos, 6 (seis) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão, mantendo, contudo, a pena de multa.

    Sustentam os impetrantes que o paciente é alvo de constrangimento ilegal porquanto atípica a conduta denunciada de "fotografar atos libidinosos de crianças", uma vez que na época dos fatos (anos de 2006 e 2007) o art. 241 do ECA, com redação da Lei 10.764⁄2003, não previa a ação de "fotografar", caracterizando violação ao princípio da reserva legal - conduta não prevista em lei.

    Alegam, ademais, que o paciente sofre outro constrangimento ilegal decorrente da aplicação concomitante de duas causas de aumento prevista no art. 226 do Código Penal.

    Argumentam, que o art. 68, parágrafo único do CP prevê, nas hipóteses de concurso de causas de aumento da parte especial, a possibilidade do juiz limitar-se a um só aumento, e concluem que, "apesar do artigo legal prever a possibilidade de atuação nesse sentido, entende-se que se trata de um dever" (e-STJ fl. 10).

    Afirmam, outrossim, que somente com necessária fundamentação o entendimento do art. 68 do CP poderia ser afastado, fato que, segundo a impetração, não ocorreu nem na sentença nem no acórdão.

    Pretendem, portanto, a concessão da ordem para afastar, por atipicidade, a condenação do paciente pela conduta denunciada - "fotografar atos libidinosos de crianças" - e a redução da pena com a aplicação somente de (1) uma causa de aumento do art. 226 do CP para o crime de atentado violento ao pudor.

    Documentação juntada aos autos (e-STJ fls. 16 a 49).

    Informações prestadas (e-STJ 82 a 84).

    A douta Subprocuradoria-Geral da República opinou (e-STJ fls. 160 a 165) pela denegação da ordem.

    É o relatório.

    HABEAS CORPUS Nº 177.472 - MG (2010⁄0118056-0)

    VOTO

    O SENHOR MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Conforme relatado, buscam os impetrantes, inicialmente, o reconhecimento da atipicidade da conduta do paciente - fotografar crianças na prática de atos libidinosos -, ao argumento de que na época dos fatos (anos de 2006 e 2007), não haveria previsão legal que tipificasse tal ato.

    Não vislumbro, porém, razão ao presente argumento, senão vejamos:

    O ECA, em sua redação original, assim tipificava a conduta denunciada:

    Art. 241. Fotografar ou publicar cena de sexo explícito ou pornografia envolvendo criança ou adolescente:

    Pena - reclusão de um a quatro anos.

    Com a alteração trazida pela Lei 10.764⁄2003, a norma penal passou a ter a seguinte redação:

    Art. 241. Apresentar, produzir, vender, fornecer, divulgar ou publicar, por qualquer meio de comunicação, inclusive rede mundial de computadores ou internet, fotografias ou imagens com pornografia ou cenas de sexo explícito envolvendo criança ou adolescente:

    Pena - reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

    § 1º Incorre na mesma pena quem:

    I - agencia, autoriza, facilita ou, de qualquer modo, intermedia a participação de criança ou adolescente em produção referida neste artigo;

    II - assegura os meios ou serviços para o armazenamento das fotografias, cenas ou imagens produzidas na forma deste artigo;

    III - assegura, por qualquer meio, o acesso, na rede mundial de computadores ou internet, das fotografias, cenas ou imagens produzidas na forma do caput deste artigo.

    § 2º A pena é de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos:

    I - se o agente comete o crime prevalecendo-se do exercício de cargo ou função;

    II - se o agente comente o crime com o fim de obter para si ou para outrem vantagem patrimonial.

    Atualmente, com a alteração introduzida pela Lei 11.829⁄2008, temos:

    Art. 240. Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfico, envolvendo criança ou adolescente:

    Pena - reclusão de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

    Pois bem.

    No caso concreto, embora o termo "fotografar" não constasse, literalmente, do...

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