Acórdão nº RHC 25873 / RS de T5 - QUINTA TURMA

Data16 Junho 2011
Número do processoRHC 25873 / RS
ÓrgãoQuinta Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 25.873 - RS (2009⁄0064425-6)

RELATOR : MINISTRO JORGE MUSSI
RECORRENTE : R.S.Z.
ADVOGADO : CLÓVIS LUGOKENSKI E OUTRO(S)
RECORRIDO : TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4A REGIÃO

EMENTA

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. SONEGAÇÃO FISCAL. APONTADA FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO CRIMINAL. ALEGAÇÃO DE EXCLUSÃO DO DOLO DA RECORRENTE NA ESFERA ADMINISTRATIVA. INDEPENDÊNCIA DE INSTÂNCIAS. INDIGITADA FALTA DE EVIDÊNCIAS DA PRÁTICA DE ATOS DOLOSOS OU FRAUDULENTOS E DE QUE DENÚNCIA ESTARIA LASTREADA EM SIMPLES PRESUNÇÃO DE FATO GERADOR. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO APROFUNDADO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME NA VIA ESTREITA DO MANDAMUS. SUSCITADO EQUÍVOCO NA INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 42 DA LEI 9.430⁄1996. MATÉRIA AFETA ÀS ESFERAS CÍVEL E ADMINISTRATIVA.

  1. Como é cediço, o trancamento de ação penal na vaia do habeas corpus é medida excepcional, só admitida quando restar provada, inequivocamente, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade, ou, ainda, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito, circunstâncias não evidenciadas na hipótese em exame.

  2. Conquanto a autoridade administrativa tenha afastado a aplicação da multa qualificada de 150% à contribuinte, ora recorrente, o certo é que tal decisão deveu-se unicamente à inexistência de comprovação, por parte da fiscalização tributária, de que ela teria agido com dolo, ou seja, não se afirmou que no caso a fraude fiscal não teria sido intencional, mas sim que não se teria provado, por meio de documentação, tal circunstância.

  3. A par desse aspecto, há que se considerar que as decisões proferidas em sede administrativa não obstam a persecução penal, dado o princípio da independência de instâncias que vigora no sistema jurídico pátrio, motivo pelo qual eventual julgamento em âmbito administrativo não vincula o Ministério Público que, ao vislumbrar a ocorrência de crime contra a ordem tributária, e estando definitivamente constituído o débito fiscal, pode propor a respectiva ação penal, no bojo da qual os detalhes do ilícito, inclusive os relativos ao elemento subjetivo do tipo, serão elucidados, até mesmo em favor da própria acusada.

  4. Para se constatar a inexistência de provas de que a recorrente teria praticado atos dolosos ou fraudulentos, e de que a denúncia se apoiaria numa simples presunção de fato gerador, seria necessária análise aprofundada de matéria fático-probatória, o que é vedado na via estreita do remédio constitucional.

  5. Não se mostra pertinente discutir, na esfera penal, mormente em sede de habeas corpus, o apontado equívoco no entendimento que qualifica a tributação prevista no artigo 42 da Lei 9.430⁄1996 como presunção, e se tal dispositivo criaria uma ficção cujo emprego seria vedado para fins de imposição tributária, nos termos do artigo 110 do Código Tributário Nacional.

    PEDIDO PRODUÇÃO DE PERÍCIA CONTÁBIL. INDEFERIMENTO. ALEGADO CERCEAMENTO DE DEFESA. DECISÃO JUDICIAL MOTIVADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. RECURSO IMPROVIDO.

  6. O indeferimento fundamentado de pedido de perícia não caracteriza constrangimento ilegal, pois cabe ao juiz, na esfera de sua discricionariedade, negar motivadamente as diligências que considerar desnecessárias ou protelatórias. Doutrina. Precedentes do STJ e do STF.

  7. No caso dos autos, além de devidamente justificada em face da ausência de indicação pela defesa da necessidade da perícia, a decisão do magistrado de primeiro grau que indeferiu o pedido de produção de prova calcou-se na própria impossibilidade fática de se efetivar o exame, já que a recorrente não teria apresentado em Juízo a documentação que comprovaria a origem e o destino dos valores depositados em sua conta-corrente, inexistindo, desse modo, parâmetro de comparação para análise e confrontação.

  8. Recurso improvido.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso. Os Srs. Ministros Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ⁄RJ), Gilson Dipp e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.

    Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho.

    Brasília (DF), 16 de junho de 2011. (Data do Julgamento).

    MINISTRO JORGE MUSSI

    Relator

    RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 25.873 - RS (2009⁄0064425-6) (f)

    RECORRENTE : R.S.Z.
    ADVOGADO : CLÓVIS LUGOKENSKI E OUTRO(S)
    RECORRIDO : TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4A REGIÃO

    RELATÓRIO

    O EXMO. SR. MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus interposto por R.S.Z. contra acórdão proferido pela 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que denegou a ordem no HC n. 2009.04.00.000140-8, mantendo a ação penal instaurada contra a recorrente pela suposta prática das condutas previstas no artigo 1º, incisos I e II, da Lei 8.137⁄1990.

    Segundo consta dos autos, em procedimento fiscal instaurado pela Delegacia da Receita Federal em Passo Fundo⁄RS se teria constatado que a recorrente obteve rendimentos originários de depósitos bancários em sua conta corrente e da venda de um automóvel que não teriam sido informados em sua declaração de Imposto de Renda, motivo pelo qual o Ministério Público Federal ofertou denúncia imputando-lhe o cometimento de crime contra a ordem tributária.

    Sustentam os patronos da recorrente que esta deveria ser absolvida sumariamente, pois na esfera administrativa se teria reconhecido a ausência de dolo na sua conduta, motivo pelo qual restou afastada a multa qualificada imposta por agente fiscal.

    Aduzem que a denúncia não se apoiaria na ocorrência de um ilícito tributário, mas em lançamento fiscal embasado unicamente na presunção de ocorrência de fato gerador, não tendo o Ministério Público demonstrado a prática de atos dolosos ou fraudulentos por parte da recorrente.

    Afirmam estar equivocado o entendimento que qualifica a tributação prevista no artigo 42 da Lei 9.430⁄1996 como presunção, e que tal dispositivo criaria uma ficção cujo emprego seria vedado para fins de imposição tributária, nos termos do artigo 110 do Código Tributário Nacional, motivo pelo qual não seria possível a tributação pura e simples dos depósitos bancários realizados em sua conta-corrente.

    Alegam que na espécie seria indispensável a realização de perícia contábil, requerida pela defesa e indeferida pelo Juízo de origem, para comprovar a origem dos depósitos efetuados na conta da recorrente, e que seriam objeto das acusações na ação penal em tela.

    Pretendem o provimento da insurgência para que a recorrente seja absolvida sumariamente das acusações que lhe foram lançadas na denúncia e, subsidiariamente, para que seja determinada a realização da perícia contábil requerida.

    Admitida a irresignação, ascenderam os autos a esta Corte Superior de Justiça (fl. 304).

    O Ministério Público Federal, em parecer de fls. 309⁄311, manifestou-se pelo desprovimento do recurso.

    É o relatório.

    RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 25.873 - RS (2009⁄0064425-6) (f)

    VOTO

    O EXMO. SR. MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Conforme relatado, com este recurso ordinário constitucional pretende-se, em síntese, o trancamento da ação penal instaurada contra a recorrente pela suposta prática de crime contra a ordem tributária.

    Segundo consta dos autos, a recorrente foi denunciada como incursa no artigo 1º, incisos I e II, da Lei 8.137⁄1990, extraindo-se da peça acusatória e do respectivo aditamento os seguintes trechos:

    "FATO I:

    No curso do procedimento fiscal, instaurado pela Delegacia da Receita Federal de Passo Fundo⁄RS em 02.02.2004 (fl. 11), foi constatado que a denunciada reduziu tributo mediante omissão de informação na sua declaração anual de Imposto de Renda de rendimentos originários de depósitos bancários em sua conta corrente, relativos ao ano calendário 2001, bem como do capital obtido com a venda de um veículo marca Toyota Hylux DLX Diesel, placas ICX 1437, referente ao ano calendário 2000.

    A materialidade e autoria do delito estão comprovadas conforme Declaração Anual de Ajuste Simplificada (fl. 84⁄87) e Demonstrativo de Apuração (fls. 89⁄91), apurando-se o valor tributável de R$ 830.378,50 (oitocentos e trinta mil, trezentos e setenta e oito reais e cinqüenta centavos - fl. 13).

    FATO II:

    Em 26 de fevereiro de 2004, a denunciada, quando formalmente intimada para comprovar o capital obtido com a venda de uma Toyota Hylux, fraudou a fiscalização tributária, omitindo parte do valor para reduzir o pagamento de tributo federal.

    A materialidade e autoria do delito estão comprovadas conforme declaração de fl. 33, Declaração Anual de Ajuste Simplificada (fl. 84⁄87), Recibo Arras (fl. 69) e Demonstrativo de Apuração (fl. 88). Apurando-se o valor tributável de R$ 8.000,00 (oito mil reais - fl. 15).

    As omissões reduziram crédito tributário devido em R$ 225.234,08 (duzentos e vinte e cinco mil, duzentos e trinta e quatro reais e oito centavos - fl. 16)." (fls. 230 e 197).

    Recebida a inicial, a recorrente foi citada para apresentar defesa (fl. 203), na qual pleiteou a rejeição da inicial por inépcia da denúncia e falta de justa causa para a persecução penal, a sua absolvição sumária por manifesta ausência de dolo na conduta e porque o fato narrado não constitui crime, bem como a realização de perícia contábil, caso os pedidos anteriores não fossem atendidos (fls. 212⁄220).

    Por meio da sentença de fls. 239⁄241, o magistrado de origem declarou extinta a punibilidade da recorrente com relação ao segundo fato narrado na denúncia, determinou o prosseguimento do feito no que se refere à primeira conduta a ela imputada, e indeferiu o pedido de exame pericial formulado.

    Irresignada, a defesa impetrou habeas corpus perante a Corte de origem, no qual a ordem restou denegada em acórdão que recebeu a ementa abaixo...

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