Acórdão nº REsp 1199667 / MT de T3 - TERCEIRA TURMA

Data19 Maio 2011
Número do processoREsp 1199667 / MT
ÓrgãoTerceira Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECURSO ESPECIAL Nº 1.199.667 - MT (2010⁄0115463-7)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : C E F DA S (MENOR)
REPR. POR : M A S - CURADOR ESPECIAL
ADVOGADO : F.R.D.A.M.E.O. : CP.D.S.
ADVOGADO : ANA LYA FERRAZ DA GAMA FERREIRA

EMENTA

DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO HOMOAFETIVA POST MORTEM. DIVISÃO DO PATRIMÔNIO ADQUIRIDO AO LONGO DO RELACIONAMENTO. EXISTÊNCIA DE FILHO ADOTADO PELO PARCEIRO FALECIDO. PRESUNÇÃO DE ESFORÇO COMUM.

  1. Despida de normatividade, a união afetiva constituída entre pessoas de mesmo sexo tem batido às portas do Poder Judiciário ante a necessidade de tutela. Essa circunstância não pode ser ignorada, seja pelo legislador, seja pelo julgador, que devem estar preparados para regular as relações contextualizadas em uma sociedade pós-moderna, com estruturas de convívio cada vez mais complexas, a fim de albergar, na esfera de entidade familiar, os mais diversos arranjos vivenciais.

  2. Os princípios da igualdade e da dignidade humana, que têm como função principal a promoção da autodeterminação e impõem tratamento igualitário entre as diferentes estruturas de convívio sob o âmbito do direito de família, justificam o reconhecimento das parcerias afetivas entre homossexuais como mais uma das várias modalidades de entidade familiar.

  3. O art. 4º da LICC permite a equidade na busca da Justiça. O manejo da analogia frente à lacuna da lei é perfeitamente aceitável para alavancar, como entidades familiares, as uniões de afeto entre pessoas do mesmo sexo. Para ensejar o reconhecimento, como entidades familiares, de referidas uniões patenteadas pela vida social entre parceiros homossexuais, é de rigor a demonstração inequívoca da presença dos elementos essenciais à caracterização de entidade familiar diversa e que serve, na hipótese, como parâmetro diante do vazio legal – a de união estável – com a evidente exceção da diversidade de sexos.

  4. Demonstrada a convivência, entre duas pessoas do mesmo sexo, pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família, sem a ocorrência dos impedimentos do art. 1.521 do CC⁄02, com a exceção do inc. VI quanto à pessoa casada separada de fato ou judicialmente, haverá, por consequência, o reconhecimento dessa parceria como entidade familiar, com a respectiva atribuição de efeitos jurídicos dela advindos.

  5. Comprovada a existência de união afetiva entre pessoas do mesmo sexo, é de se reconhecer o direito do companheiro sobrevivente à meação dos bens adquiridos a título oneroso ao longo do relacionamento, em nome de um apenas ou de ambos, sem que se exija, para tanto, a prova do esforço comum, que nesses

    casos, é presumida.

  6. Recurso especial não provido.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino e da retificação do voto do Sr. Ministro Sidnei Beneti, por maioria, negar provimento ao recurso especial. Vencido, em parte, o Sr.Ministro Vasco Della Giustina que proferiu voto antes do julgamento do STF e na continuidade do julgamento não mais fazia parte do Órgão Julgador. Os Srs. Ministros Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com a Sra. Ministra Relatora. Não participou do julgamento o Sr. Ministro Massami Uyeda.

    Brasília (DF), 19 de maio de 2011(Data do Julgamento).

    MINISTRA NANCY ANDRIGHI

    Relatora

    RECURSO ESPECIAL Nº 1.199.667 - MT (2010⁄0115463-7)

    RECORRENTE : C E F DA S (MENOR)
    REPR. POR : M A S - CURADOR ESPECIAL
    ADVOGADO : F.R.D.A.M.E.O. : CP.D.S.
    ADVOGADO : ANAL.F.D.G.F.

    Relatora: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

    RELATÓRIO

    Cuida-se de recurso especial interposto por C. E. F. DA S., menor nascido em 1º.11.1999, representado por sua curadora especial, M. A. S., com fundamento nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, contra acórdão exarado pelo TJ⁄MT.

    Ação (inicial às e-STJ fls. 16⁄62): “declaratória de reconhecimento de união estável homoafetiva e entidade familiar”, ajuizada por C. P. DA S. em face de C. E. F. DA S.

    O autor sustenta, como causa de pedir, que conviveu em alegada “união estável” com G. F. DA S., durante 18 anos – de 1988 até a data do óbito de G., ocorrido em 3.11.2006. Relata que na constância da aludida união foram adquiridos, a título oneroso, diversos bens, pugnando, por consequência, para que seja reservada a sua meação em virtude de sua condição de companheiro sobrevivente, bem assim de herdeiro, em concorrência com C. E. F. DA S., filho adotivo de G. F. DA S.

    Alega que no início da união o casal possuía poucos bens, mas que ao longo da convivência foram acumulando patrimônio construído com o esforço de ambos, exercendo G. a profissão de bibliotecário e C. P. de cabeleireiro, o qual também cuidava dos trabalhos domésticos.

    Afirma que a adoção de C. E. foi formalizada somente em nome de G., mas que o menino sempre foi criado e educado por ambos, figurando os três como verdadeira família, composta, portanto, pelo casal homoafetivo – G. F. e C. P. – e pela criança – C. E.

    Destaca, ainda, que C. E. foi abandonado pelos genitores, dos quais recebeu como legado tão somente o vírus HIV, tendo nascido soropositivo e necessitando, portanto, de cuidados médicos especiais para toda a vida. Salienta que o menor foi adotado com quase 2 anos de idade, mediante procedimento que observou todas as formalidades legais, ocasião em que foi retirado de um abrigo de menores, para ser acolhido no lar do casal.

    Relata que G. foi acometido de grave enfermidade – Doença de Chagas e decorrente comprometimento de vários órgãos –, necessitando de sucessivas internações hospitalares, momento a partir do qual C. P. “cessou suas atividades profissionais, para dedicar-se integralmente a ele [G.], bem como na educação e criação do menor C. E.” Prossegue asseverando que

    isso vem demonstrar o afeto e vida homoafetiva harmônica entre ambos, o Requerente, renunciando ao seu trabalho para dedicar-se exclusivamente ao seu companheiro, sem, contudo, jamais (sic) de dar toda assistência como sempre fez ao menor C. E.” (e-STJ fl. 23 – com destaques conforme original e com adaptações).

    Aduz que com a morte de G., “de forma inesperada e dolorosa, findou-se a união homoafetiva”, inexistindo alternativa “para garantia de seus direitos nos bens deixados pelo falecido, bem como a criação e educação do menor C. E. F. DA S. (...) a não ser socorrer-se ao Poder Judiciário” (fls. 23⁄24 – com destaques no original e com adaptações).

    Destaca que já lhe foi deferida a guarda provisória de C. E., bem como foi nomeado inventariante nos autos do inventário de G.

    Por fim, deduz o seguinte:

    (...) conquanto tratar-se de questão de Justiça, caso Vossa Excelência entenda incabível o reconhecimento da união estável entre o Autor e o requerido, que, ao menos, (sic) reconhecida a sociedade de fato entre o Autor e G. F. da S., e desta forma, seja reservada quota-parte correspondente a 50% (cinqüenta por cento) do patrimônio inventariado nos autos do processo 1.006-2006, em trâmite perante a 5ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá-MT” (e-STJ fl. 60 – com adaptações).

    Petição de M. A. S. (e-STJ fls. 231⁄234): na condição de irmã do falecido, alega que C. P. DA S. não contribuiu para a formação do patrimônio de G. F. DA S., não fazendo jus ao acervo por ele deixado e que ao menor C. E. F. DA S. deve ser conferida a condição de único sucessor de G. Assevera que desde a morte de G., C. P. não tem permitido que os familiares daquele tivessem acesso à criança, quando na verdade a própria M. é quem a “vinha criando assumindo a figura de mãe” (e-STJ fl. 233), visto que, segundo alega, G. e a criança residiam com ela desde a adoção. Postula, dessa forma, o ingresso nos autos, com o objetivo de proteger os interesses da criança.

    Decisão interlocutória (e-STJ fl. 289): nomeou M. A. S. curadora especial de C. E. F. DA S.

    Contestação (e-STJ fls. 306⁄312): sustenta C. E., representado por M. A. S., que “o falecido [G.], o réu [C. E.] e o Autor [C. P.] residiram nos últimos anos na residência de propriedade da Curadora Especial e era esta que cuidava pessoalmente da criança”. Prossegue afirmando que a relação entre G. e C. P. era semelhante ao relacionamento entre irmãos e que

    Nos últimos tempos quando se agravou o quadro de saúde do 'de cujus', a Curadora Especial do Réu ficava ao lado do irmão por todo o tempo no internamento e a criança foi levada para uma sua parenta tomar conta, pois o Autor já estava atrás de providências para se apossar de parte do patrimônio.

    (...) o autor teve sim uma convivência familiar com o 'de cujus', o réu e a Curadora Especial, pois morava com a família, MAS NÃO COMO COMPANHEIRO OU PARCEIRO DO SR. G., era sim, alguém que se aproveitava da generosidade e do amor de alguém de alma pura, que jamais imaginou que seu filho pudesse enfrentar esta situação (sic e-STJ fl. 310 – com destaques conforme original e com adaptações).

    Impugnação à contestação (e-STJ fls. 315⁄323): C. P. assinala que a real intenção de M. A. S. ao ingressar no processo é a de ter acesso à parcela do patrimônio deixado pelo falecido, notadamente no que se refere a considerável numerário depositado em conta bancária, pois G. “emprestava dinheiro a juros”, com o que teria formado fortuna.

    Aduz, ainda, que

    Se o trabalho desenvolvido pelo falecido foi mais parceiro da sorte com conseqüente formação de patrimônio, não se pode duvidar que ele só possa (sic) ser desenvolvido tal como o foi, porque o autor cuidava mais de assuntos domésticos e familiares, exatamente como ocorre nas relações entre homens e mulheres, nas quais, esta em tese, cuida de assuntos domésticos, e no dia de eventual separação, ignorado pelo homem quão difícil é esse trabalho, tenta-se em relação à mulher também prejudicá-la na divisão patrimonial (e-STJ fl. 319).

    (...)

    Se não houve preocupação do falecido em redigir testamento e deixar tudo...

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