Acórdão nº REsp 1193764 / SP de T3 - TERCEIRA TURMA

Data14 Dezembro 2010
Número do processoREsp 1193764 / SP
ÓrgãoTerceira Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECURSO ESPECIAL Nº 1.193.764 - SP (2010⁄0084512-0)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : I P DA S B
ADVOGADOS : S.L.A.M.E.O. DIEGOV.P.D.S.
RECORRIDO : GOOGLEB.I.L.
ADVOGADO : FERNANDA DE GOUVÊA LEÃO E OUTRO(S)

EMENTA

DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. INTERNET. RELAÇÃO DE CONSUMO. INCIDÊNCIA DO CDC. GRATUIDADE DO SERVIÇO. INDIFERENÇA. PROVEDOR DE CONTEÚDO. FISCALIZAÇÃO PRÉVIA DO TEOR DAS INFORMAÇÕES POSTADAS NO SITE PELOS USUÁRIOS. DESNECESSIDADE. MENSAGEM DE CONTEÚDO OFENSIVO. DANO MORAL. RISCO INERENTE AO NEGÓCIO. INEXISTÊNCIA. CIÊNCIA DA EXISTÊNCIA DE CONTEÚDO ILÍCITO. RETIRADA IMEDIATA DO AR. DEVER. DISPONIBILIZAÇÃO DE MEIOS PARA IDENTIFICAÇÃO DE CADA USUÁRIO. DEVER. REGISTRO DO NÚMERO DE IP. SUFICIÊNCIA.

  1. A exploração comercial da internet sujeita as relações de consumo daí advindas à Lei nº 8.078⁄90.

  2. O fato de o serviço prestado pelo provedor de serviço de internet ser gratuito não desvirtua a relação de consumo, pois o termo “mediante remuneração” contido no art. 3º, § 2º, do CDC deve ser interpretado de forma ampla, de modo a incluir o ganho indireto do fornecedor.

  3. A fiscalização prévia, pelo provedor de conteúdo, do teor das informações postadas na web por cada usuário não é atividade intrínseca ao serviço prestado, de modo que não se pode reputar defeituoso, nos termos do art. 14 do CDC, o site que não examina e filtra os dados e imagens nele inseridos.

  4. O dano moral decorrente de mensagens com conteúdo ofensivo inseridas no site pelo usuário não constitui risco inerente à atividade dos provedores de conteúdo, de modo que não se lhes aplica a responsabilidade objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do CC⁄02.

  5. Ao ser comunicado de que determinado texto ou imagem possui conteúdo ilícito, deve o provedor agir de forma enérgica, retirando o material do ar imediatamente, sob pena de responder solidariamente com o autor direto do dano, em virtude da omissão praticada.

  6. Ao oferecer um serviço por meio do qual se possibilita que os usuários externem livremente sua opinião, deve o provedor de conteúdo ter o cuidado de propiciar meios para que se possa identificar cada um desses usuários, coibindo o anonimato e atribuindo a cada manifestação uma autoria certa e determinada. Sob a ótica da diligência média que se espera do provedor, deve este adotar as providências que, conforme as circunstâncias específicas de cada caso, estiverem ao seu alcance para a individualização dos usuários do site, sob pena de responsabilização subjetiva por culpa in omittendo.

  7. Ainda que não exija os dados pessoais dos seus usuários, o provedor de conteúdo, que registra o número de protocolo na internet (IP) dos computadores utilizados para o cadastramento de cada conta, mantém um meio razoavelmente eficiente de rastreamento dos seus usuários, medida de segurança que corresponde à diligência média esperada dessa modalidade de provedor de serviço de internet.

  8. Recurso especial a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, P. deT.S. e Vasco Della Giustina votaram com a Sra. Ministra Relatora. Dr(a). GUILHERME KASCHNY BASTIAN, pela parte RECORRIDA: G.B.I.L.

Brasília (DF), 14 de dezembro de 2010(Data do Julgamento)

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

RECURSO ESPECIAL Nº 1.193.764 - SP (2010⁄0084512-0)

RECORRENTE : I P DA S B
ADVOGADO : SÉRGIO LUIZ AKAOUI MARCONDES E OUTRO(S)
RECORRIDO : G.B.I.L.
ADVOGADO : FERNANDA DE GOUVÊA LEÃO E OUTRO(S)

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Cuida-se de recurso especial interposto por I. P. DA S. B., com fulcro no art. 105, III, “a” e “c”, da CF, contra acórdão proferido pelo TJ⁄SP.

Ação: de obrigação de fazer cumulada com indenização por danos morais, ajuizada pela recorrente em desfavor de GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA., sob a alegação de ter sido alvo de ofensas em página na internet da comunidade ORKUT, mantida pelo GOOGLE.

Houve a concessão de tutela antecipada, para o fim de determinar a “exclusão de todo o material ofensivo que relacione o nome da autora” (fl. 148, e-STJ).

Sentença: julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, apenas para tornar definitivos os efeitos da tutela, no entanto sem a condenação do GOOGLE ao pagamento de indenização por danos morais (fls. 201⁄211, e-STJ).

Acórdão: o TJ⁄SP negou provimento ao apelo da recorrente, nos termos do acórdão (fls. 285⁄288, e-STJ) assim ementado:

Obrigação de fazer – Provedor de hospedagem “Orkut” – Não se equipara o provedor a editor ou diretor de jornal ou de revista por notícias divulgadas em “home page” de usuários apenas abrigados em seu sistema – Ausência de qualquer ilicitude na conduta da apelada e inexistência do necessário nexo de implicação entre os danos morais apontados e a ação da demanda – Recurso improvido.

Embargos de declaração: interpostos pela recorrente, foram rejeitados pelo TJ⁄SP (fls. 299⁄304, e-STJ).

Recurso especial: alega violação dos arts. 535, II, do CPC; e 14 do CDC, bem como dissídio jurisprudencial (fls. 328⁄346, e-STJ).

Prévio juízo de admissibilidade: o TJ⁄SP admitiu o recurso especial (fls. 445⁄446, e-STJ).

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.193.764 - SP (2010⁄0084512-0)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : I P DA S B
ADVOGADO : SÉRGIO LUIZ AKAOUI MARCONDES E OUTRO(S)
RECORRIDO : G.B.I.L.
ADVOGADO : FERNANDA DE GOUVÊA LEÃO E OUTRO(S)

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Cinge-se a lide a determinar se provedor de rede social de relacionamento via internet é responsável pelo conteúdo das informações veiculadas no respectivo site.

  1. Da negativa de prestação jurisdicional. Violação do art. 535, II, do CPC.

    Da análise do acórdão recorrido, constata-se que a prestação jurisdicional dada corresponde àquela efetivamente objetivada pelas partes, sem vício que pudesse ter sido sanado pela via dos embargos de declaração. O TJ⁄SP se pronunciou de maneira a discutir todos os aspectos fundamentais do julgado, dentro dos limites que lhe são impostos por lei, tanto que integram o objeto do próprio recurso especial e serão enfrentados logo adiante.

    O não acolhimento das teses contidas no recurso não implica obscuridade, contradição ou omissão, pois ao julgador cabe apreciar a questão conforme o que ele entender relevante à lide. O tribunal não está obrigado a julgar a questão posta a seu exame nos termos pleiteados pelas partes, mas sim com o seu livre convencimento, consoante dispõe o art. 131 do CPC.

    Por outro lado, encontra-se pacificado no STJ o entendimento de que os embargos declaratórios, mesmo quando manejados objetivando o prequestionamento, são inadmissíveis se a decisão embargada não ostentar qualquer dos vícios que autorizariam a sua interposição. Confiram-se os precedentes: AgRg no Ag 680.045⁄MG, 5ª Turma, Rel. Min. Félix Fischer, DJ de 03.10.2005; EDcl no AgRg no REsp 647.747⁄RS, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 09.05.2005; EDcl no MS 11.038⁄DF, 1ª Seção, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 12.02.2007.

    Constata-se, na realidade, o inconformismo da recorrente e a tentativa de imprimir aos embargos de declaração efeitos infringentes, o que não se mostra viável no contexto do mencionado recurso.

    Assim, não se vislumbra violação do art. 535 do CPC.

  2. Do dano moral. Violação do art. 14 do CDC.

    De acordo com a recorrente, “o site em questão configura uma prestação de serviços colocada à disposição dos usuários da rede” (fl. 336, e-STJ), concluindo, por conseguinte, pela “existência de responsabilidade objetiva” (fl. 342, e-STJ). Aduz que “o compromisso assumido de exigir que os usuários se identifiquem não foi honrado, fato que gera a falha do serviço” (fl. 337, e-STJ). Finalmente, afirma haver “fomentação do anonimato propiciado pela negligência na prestação do serviço pela recorrida” (fl. 343, e-STJ).

    O TJ⁄SP, por sua vez, consigna que a fiscalização pretendida pela recorrente, “na prática, implica exame de todo o material que transita pelo site (...), tarefa que não pode ser exigida de um provedor de serviço de hospedagem”, bem como que “a verificação do conteúdo das veiculações implicaria, no fundo, restrição da livre manifestação do pensamento” (fls. 287⁄288, e-STJ).

    (i) A natureza jurídica do serviço prestado pelo ORKUT.

    Inicialmente, é preciso determinar a natureza jurídica dos provedores de serviços de internet, em especial do GOOGLE, pois somente assim será possível definir os limites de sua responsabilidade e a existência de relação de consumo.

    A world wide web (www) é uma rede mundial composta pelo somatório de todos os servidores a ela conectados. Esses servidores são bancos de dados que concentram toda a informação disponível na internet, divulgadas por intermédio das incontáveis páginas de acesso (webpages).

    Os provedores de serviços de internet são aqueles que fornecem serviços ligados ao funcionamento dessa rede mundial de computadores, ou por meio dela. Trata-se de gênero do qual são espécies as demais categorias, tais como: (i) provedores de backbone (espinha dorsal), que detêm estrutura de rede capaz de processar grandes volumes de informação. São os responsáveis pela conectividade da internet, oferecendo sua infraestrutura a terceiros, que repassam aos usuários finais acesso à rede; (ii) provedores de acesso, que adquirem a infraestrutura dos provedores backbone e revendem aos usuários finais, possibilitando a esses conexão com a internet; (iii) provedores de hospedagem, que armazenam dados de terceiros, conferindo-lhes acesso remoto; (iv) provedores de informação, que produzem as informações divulgadas na internet; e (v) provedores de conteúdo, que disponibilizam na rede as informações criadas ou desenvolvidas pelos provedores de informação.

    É frequente...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT