Acórdão nº HC 142629 / ES de T6 - SEXTA TURMA

Data24 Maio 2011
Número do processoHC 142629 / ES
ÓrgãoSexta Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

HABEAS CORPUS Nº 142.629 - ES (2009⁄0141832-5)

RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA
IMPETRANTE : P.A.R.D.F. E OUTROS
IMPETRADO : TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2A REGIÃO
PACIENTE : ARNALDO GRIJÓ DA PENHA

EMENTA

HABEAS CORPUS. ARTIGOS 297 E 304 DO CÓDIGO PENAL. ABSOLVIÇÃO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. CONDENAÇÃO EM SEDE RECURSAL. ILICITUDE DA PROVA. DEFICIÊNCIA DE DEFESA. TESES NÃO EXAMINADAS PELA CORTE ESTADUAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. DEFESA EXERCIDA DE FORMA REGULAR. RECURSO OPTATIVO. ILEGALIDADE INEXISTENTE. INTIMAÇÃO PESSOAL DO RÉU. CONDENAÇÃO EM SEGUNDO GRAU. INEXIGÊNCIA. RÉU SOLTO. INAPLICABILIDADE DO ART. 392 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. EXAME DE CORPO DE DELITO. POSSIBILIDADE DE QUE SEJA SUPRIDO POR OUTRAS PROVAS. ART. 167 DO CPP. EXAME APROFUNDADO DAS PROVAS. INVIABILIDADE NESTA VIA. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E DENEGADA.

  1. As teses que não foram examinadas pelo Tribunal de origem, pois não suscitadas na apelação, não podem ser apreciadas, agora, por esta Corte Superior de Justiça, sob pena de indevida supressão de instância.

  2. Se o advogado constituído pelo paciente apresentou defesa prévia, compareceu às audiência, formulou alegações finais e contrarrazões de apelação, de forma satisfatória, não há manifesta ilegalidade por deficiência de defesa, além do que tal matéria não foi abordada na apelação, vedada a supressão de instância. O fato de o defensor constituído não ter recorrido do acórdão condenatório não implica, por si só, em cerceamento de defesa. O paciente foi pessoalmente intimado, antes do julgamento da apelação, para, querendo, constituir novo defensor, e optou por não fazê-lo.

  3. A intimação pessoal do réu preso, prevista no art. 392 do Código de Processo Penal, somente é exigida para a ciência da sentença condenatória de primeiro grau, não se estendendo para as decisões de segunda instância. E, na hipótese, o paciente sequer estava preso, pois havia sido absolvido em primeira instância.

  4. O Tribunal de origem, analisando detidamente as provas dos autos, consignou que são suficientes para a condenação, ressaltando que o laudo pericial, cuja realização restou impossibilitada, foi suprido pelas demais provas produzidas, nos termos do art. 167 do Código de Processo Penal. Inviável, assim, a inversão do decidido na via estreita do habeas corpus, em que não se admite a incursão profunda na seara probatória.

  5. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa extensão, denegado.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça: "A Turma, por unanimidade, conheceu parcialmente da ordem de habeas corpus e, nesta parte, a denegou, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator." Os Srs. Ministros Og Fernandes, V.D.G. (Desembargador convocado do TJ⁄RS) e Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ⁄CE) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

    Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

    Dr(a). P.A.R.D.F., pela parte PACIENTE: A.G.D.P. e Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. EITEL SANTIAGO DE BRITO PEREIRA

    Brasília, 24 de maio de 2011(Data do Julgamento)

    Ministra Maria Thereza de Assis Moura

    Relatora

    HABEAS CORPUS Nº 142.629 - ES (2009⁄0141832-5)

    RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA
    IMPETRANTE : P.A.R.D.F. E OUTROS
    IMPETRADO : TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2A REGIÃO
    PACIENTE : ARNALDO GRIJÓ DA PENHA

    RELATÓRIO

    MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA:

    Cuida-se de habeas corpus impetrado em favor de A.G.D.P., apontando-se como autoridade coatora o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Apelação Criminal n.º 2000.50.01.009940-9).

    Consta dos autos que o paciente, preso em flagrante e denunciado como incurso nos arts. 297 e 304, c⁄c o art. 69, todos do Código Penal, foi absolvido pelo Juiz de primeiro grau.

    Inconformado, o Parquet interpôs apelação, que foi provida pelo Tribunal de origem para condenar o paciente à pena de 7 (sete) anos de reclusão, em regime semiaberto, e ao pagamento de 150 (cento e cinquenta) dias-multa. Eis o teor do acórdão (fls. 496⁄508):

    O Ministério Público Federal insurge-se contra a sentença que absolveu (i) ARNALDO GRIJÓ DA PENHA da prática do crime previsto nos arts. 297 e 304 c⁄c 69, ambos do Código Penal e (ii) CHRISTIAN MARTINS GUIMARÃES da prática do crime previsto no art. 304 do Código Penal, sob o fundamento de que a materialidade delitiva não restou comprovada, pois, sendo o crime de uso de documento falso um delito que deixa vestígios, indispensável a realização de exame pericial.

    De fato, o crime de uso de documento falso é daqueles que deixa vestígios, e, como tal, depende da realização do exame de corpo de delito para a comprovação da materialidade delitiva.

    Todavia, dispõem os arts. 158 e 167 do Código de Processo Penal, in verbis:

    Art. 158. “Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-los a confissão do acusado”.

    Art. 167. “Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta”.

    Consoante se verifica da própria dicção dos supracitados dispositivos legais, a comprovação da materialidade dos crimes que deixam vestígios deverá ser feita mediante o exame de corpo de delito direto ou indireto, ou, não sendo possível a realização de nenhum destes - por terem desaparecidos os elementos aparentes da infração -, através de prova testemunhal.

    No presente caso, o exame pericial direto ficou impossibilitado em razão de a certidão de casamento reputada falsa não ter sido encontrada.

    Todavia, apesar do decidido pelo Juízo a quo, a materialidade delitiva se evidenciou de todo o contexto probatório.

    Conforme a denúncia, a Polícia Federal, realizando investigações acerca de uma quadrilha de tráfico internacional de armas e munições, acabou por encontrar na residência do acusado A.G.D.P. petrechos de falsificação bem como os dois passaportes referidos aqui, um emitido em nome do próprio ARNALDO e outro no de CHRISTIAN MARTINS GUIMARÃES (fls. 20⁄27, do IPL).

    Durante as investigações policiais, concluiu-se que os acusados obtiveram os passaportes mediante a utilização de Certidões de Casamento falsificadas por ARNALDO (fls. 148⁄153 do IPL).

    De fato, em sede policial, ARNALDO confessou ter sido o autor da falsificação bem como do uso do falso com o fito de obter passaporte (fls. 25⁄29 e 40⁄41do IPL)

    Entretanto, ARNALDO, em sede judicial, negou a autoria dos crimes e afirmou que comprou ambas as certidões (fls. 33⁄34).

    O Ministério Público, em sua apelação, chama a atenção para o fato de o acusado ARNALDO ter, em inquéritos policiais diversos, prestado depoimento por duas vezes e perante duas autoridades policiais distintas (a primeira ocasião às fls. 25⁄29 do IPL e a segunda às fls. 40⁄41), tendo ambos os depoimentos formado um conjunto harmonioso, sendo que, no segundo deles, o acusado relata detalhadamente como procedeu à falsificação das certidões de casamento, in verbis:

    “Que com relação ao passaporte expedidos em nome do interrogando e em nome de C.M.G. esclarece: que esteve nesta Superintendência em 06⁄99 onde requereu um passaporte, tendo para tanto apresentado uma certidão de casamento falsa supostamente expedida pelo C.A. deS. e Silva, no município de Caratinga⁄MG; que o interrogado, de fato é casado, todavia, aquela certidão não condiz com a realidade pois o interrogando não registrou seu casamento naquele estabelecimento cartorário; que o interrogando fez uso de uma certidão devidamente preenchida e emitida por aquele cartório, tendo, então, apagado os inscritos feitos à máquina; que, posteriormente, extraiu uma cópia colorida daquela certidão, tendo feito algumas correções no computador e então imprimido várias cópias; que de posse de uma daquelas cópias, o interrogado a preencheu à máquina, tendo sido então apresentada neste Departamento para fins de emissão de passaporte; (...) que com relação a CHRISTIAN MARTINS GUIMARÃES (...) providenciou para aquela pessoa certidão de casamento.”

    A retratação por ARNALDO de sua confissão em sede policial acabou isolada nos autos por todos os demais elementos de prova coligidos. Primeiramente, é de se destacar a coerência e o acerto técnico da descrição do modus faciendi da falsificação levada a termo por ARNALDO em sede policial. Depois, os petrechos de falsificação encontrados em sua residência, que englobam os que ele disse ter empregado na falsificação da certidão de casamento por ele descrita. Por fim, não foi confirmada a versão de ARNALDO de que teria comprado as certidões de casamento e de que os petrechos de falsificação pertenceriam a terceira pessoa e que estava tão-somente guardando o material para ela.

    Ademais, é presumida a existência dos documentos, porquanto funcionários públicos estaduais (carteira de identidade) e federais (passaportes) agiram como se eles tivessem sido apresentados.

    O uso, por sua vez, constitui-se nessa apresentação dos documentos contrafeitos aos funcionários referidos para a emissão de carteira de identidade e de passaporte. O que está cabalmente comprovado pelo preenchimento e⁄ou subscrição dos requerimentos de emissão de passaporte (formulários às fls. 10, Arnaldo e às fls. 33, Christian). No formulário de ARNALDO a menção à certidão de casamento é direta. No formulário de CHRISTIAN é indireta, uma vez que a carteira de identidade declarada foi emitida com base na certidão falsa, conforme ficha datiloscópica às fls. 14 do IPL. De acordo com os exames grafotécnicos (fls. 69⁄71, 100⁄101 e 117⁄119, todas do IPL em anexo), ARNALDO preencheu ambos os formulários, tendo ele e CHRISTIAN assinado cada um o seu.

    Destaque-se que o nosso sistema processual penal consagra o princípio do livre convencimento motivado, não estando o magistrado previamente comprometido por qualquer critério de valoração prévia da prova, o que significa dizer que, nos crimes que deixam vestígios, o legislador apenas...

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