Acordão nº 20110603375 de Tribunal Regional do Trabalho - 2ª Região (São Paulo), 20 de Mayo de 2011

Número do processo20110603375
Data20 Maio 2011

PROCESSO TRT/SP nº 01456.2009.083.02.00-0 (20100365650) RECURSO ORDINÁRIO - 83ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO RECORRENTES : 1- ASSOCIAÇÃO ALFABETIZAÇÃO SOLIDÁRIA 2- UNIÃO FEDERAL (ASSISTENTE SIMPLES) 3- UNESCO - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA RECORRIDO : KELLY CRISTINA ROSA

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO. IMUNIDADE ABSOLUTA DE JURISDIÇÃO DA UNESCO. Os organismos internacionais, ao contrário dos Estados, são associações disciplinadas, em suas relações, por normas escritas, consubstanciadas nos denominados tratados e/ou acordos de sede. Não têm, portanto, a sua imunidade de jurisdição pautada pela regra costumeira internacional, tradicionalmente aplicável aos Estados estrangeiros. Em relação a eles, segue-se a regra de que a imunidade de jurisdição rege-se pelo que se encontra efetivamente avençado nos referidos tratados de sede. No caso específico da ONU e da UNESCO, a imunidade de jurisdição, salvo se objeto de renúncia expressa, encontra-se plenamente assegurada na Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 27.784/1950. Acresçase que tal privilégio também se encontra garantido na Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Agências Especializadas das Nações Unidas, que foi incorporada pelo Brasil por meio do Decreto nº 52.288/1963, bem como no Acordo Básico de Assistência Técnica com as Nações Unidas e suas Agências Especializadas, promulgado pelo Decreto nº 59.308/1966.

Da r. sentença de fls. 182/193, cujo relatório adoto, que concluiu pela procedência parcial dos pedidos trazidos na Inicial, recorrem a 2ª reclamada a fls. 199/209, a União, assistente simples da 1ª reclamada na presente demanda, a fls. 230/239-verso, e a 1ª reclamada a fls. 240/250, cada qual postulando a reforma do julgado nos pontos em que este lhes foi desfavorável. Em seu recurso ordinário, a 2ª reclamada requer a reforma do julgado quanto aos seguintes pontos: a) imunidade de jurisdição da 1ª reclamada, por se tratar de organismo internacional, com prerrogativas e privilégio estabelecidos em Convenção Internacional do qual o Brasil é signatário; b) vínculo empregatício e responsabilidade, alegando nunca ter sido a empregadora da reclamante e afirmando não estarem presentes os requisitos da relação de emprego mas, caso assim não entenda a Turma, que seja declarado o vínculo com a 1ª reclamada e apenas a responsabilidade subsidiária da 2ª reclamada e não solidária. Já a União, como assistente simples da 1ª reclamada, recorre requerendo a reforma da sentença nos seguintes termos: a) imunidade de jurisdição da 1ª reclamada, por ser a mesma organismo internacional, havendo Convenção Internacional assinada pelo Brasil, garantindo essa prerrogativa à ONU/UNESCO; b) vínculo empregatício, alegando que o contrato com a Unesco era de prestação de serviços, sem qualquer subordinação. Por fim, a 1ª reclamada requer a reforma do julgado no que e refere às seguintes questões: a) imunidade de jurisdição da Unesco, esclarecendo a distinção entre as prerrogativas dos organismos internacionais e dos Estados estrangeiros e afirmando ser impossível a relativização da imunidade no caso em tela. Contra-razões apresentadas pela reclamante a fls. 222/225, e 253/258 e pela 2ª reclamada a fls. 259/267. Parecer da d. Procuradora do MPT, opinando pela manutenção da sentença. É o relatório. VOTO Passo à análise de cada um dos recursos, de forma individual, iniciando pelo da 2ª reclamada. A- Recurso Ordinário da 2ª reclamada Primeiramente, importante frisar que não há irregularidade de representação processual no que se refere ao recurso interposto pela 2ª reclamada, conforme alegado pela reclamante em suas contra-razões. A procuradora que constituiu advogados a fls. 164 tinha poderes para tanto, estando os mesmos abrangidos pela representação dos interesses da Associação em juízo, conforme Estatuto juntado aos autos. Contudo, o recurso não merecer ser conhecido quanto ao pedido de reconhecimento da imunidade de jurisdição da 1ª reclamada. Vejamos. 1- Do não conhecimento em relação ao reconhecimento da imunidade de jurisdição da 1ª reclamada / Defesa de direito alheio em nome próprio / Falta de interesse recursal A 2ª reclamada não possui interesse recursal quanto ao tema já que, na realidade, está apenas pleiteando direito alheio em nome próprio. O sistema processual vigente, de natureza nitidamente individualista, apenas de forma excepcional autoriza que alguém, defenda interesse alheio em nome próprio, nos termos do artigo 6º do Código de Processo Civil, necessitando, para tanto, de lei que o autorize a fazê-lo, o que não ocorre no caso. Portanto, estando as partes presentes na ação, na forma de representação ordinária, não se admite que a recorrente defenda, em seu próprio nome direito alheio, qual seja, a imunidade de jurisdição da 1ª reclamada, falecendo-lhe interesse quanto a este pedido. Não conheço do recurso, portanto, no que se refere à questão da imunidade de jurisdição da 1ª reclamada, defendida pela ora recorrente, diante da falta de interesse recursal nesse sentido.

No mais, presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso. Passo a sua análise. 2- Do vínculo empregatício / Da fraude Sem razão a reclamada quanto ao tema. Verifica-se a existência de vínculo empregatício diretamente com a 2ª reclamada na presente demanda. Com efeito, para a configuração da relação de emprego, a doutrina com respaldo no artigo 3º da CLT exige a presença concomitante dos seguintes requisitos: pessoalidade, habitualidade, subordinação e onerosidade. A ausência de qualquer desses requisitos importa na descaracterização da relação de emprego. A presença de todos, por outro lado, demonstra a existência de vínculo empregatício. Nesse sentido, importante observar que a CLT dispõe, em seu art. 787, que compete ao reclamante instruir a reclamação desde logo acompanhada dos documentos em que se fundar, ou seja, com os documentos destinados a provar-lhe as alegações. A ausência de prova do fato constitutivo do direito tem um efeito devastador na pretensão apresentada em juízo. O artigo 818 da CLT dispõe claramente que a prova das alegações incumbe à parte que as fizer, pelo que obrigado está o empregado a apresentar prova constitutiva do seu direito. O ônus da prova, portanto, via de regra, é do Reclamante. Assim, compete ao trabalhador que reclama o reconhecimento de vínculo empregatício comprovar de forma indene de dúvidas que foi contratado para prestar serviços pessoalmente ao reclamado com habitualidade, onerosidade e subordinação, uma vez que se trata de fato constitutivo do seu direito (art. 818 da CLT c/c inciso I do art. 333 da CPC). Entretanto, se for negada a relação de emprego, mas admitida a prestação de serviços, a reclamada atrairá para si o ônus de provar a eventualidade e a ausência de subordinação nessa relação, pois se trata de fato impeditivo de direito (inciso II do art. 333 do CPC). Contudo, não se pode ignorar que o magistrado ao julgar a demanda deverá atentar para a prova coletada nos autos, independentemente de quem tenha o ônus da prova1. Dessa forma, a inversão do ônus da prova não exime totalmente o autor de também fazer prova do que foi alegado. Nesse caso, importante que a soma dos elementos de prova indiquem a existência de relação de emprego.

MARTINS, Sergio Pinto. Comentários à CLT. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. Comentário ao art. 818 da CLT. p. 782.

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No caso em tela, a prova colhida demonstra a presença de todos os requisitos da relação de emprego diretamente com a 2ª reclamada. A fraude da contratação com a 1ª reclamada é evidente e restou demonstrada por todos os depoimentos testemunhais, levando-se em conta, ainda, a confissão dos prepostos da 1ª reclamada (que admitiu que a reclamante nunca se utilizou do espaço físico da Unesco, nada mais sabendo quanto à reclamante e desconhecendo por completo a forma da prestação de serviço) e da 2ª reclamada, que simplesmente relatou que a reclamante trabalhou para a 2ª reclamada e que a contratação da reclamante se deu no estabelecimento da Associação Alfabetização Solidária. Da mesma forma, todas as testemunhas, inclusive a da 1ª reclamada, admitiram que não havia qualquer funcionário desta na 2ª reclamada. As testemunhas da reclamante confirmaram a subordinação aos funcionários da 2ª reclamada, a jornada de trabalho, a habitualidade, a onerosidade e a pessoalidade. Some-se a isso, como dito, a confissão das reclamadas quanto a vários dos fatos trazidos na Inicial, eis que seus prepostos desconheciam a forma de prestação de serviço, funções, local de trabalho, horários, etc. Observa-se de forma clara que a Unesco apenas atuou de forma interposta, em contratos fraudulentos que nunca foram de mera prestação de serviço. Havia, de fato, verdadeira relação de emprego com a 2ª reclamada, sendo que a Unesco participava, vergonhosamente, da fraude, fazendo as vezes de contratante, o que na verdade era mero ardil das reclamadas. O magistrado não pode ele fechar os olhos à ilegalidade, à fraude, à irregularidade. Observando a existência de atos que visem desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos previstos na legislação trabalhista, deve o juiz declarar a nulidade dos mesmos, eis que nulos de pleno direito, nos termos do artigo 9º da CLT. No caso em tela, não são poucas as evidências a respeito da fraude na contratação da reclamante. O plano parece óbvio: a 2ª reclamada utilizaria de mão de obra obtida através de contratos fraudulentos com a 1ª reclamada, que indicariam uma contratação de um prestador de serviços autônomo, ou um ‘consultor’, como as reclamadas costumam se referir a quem trabalha nos projetos que ambas desenvolvem. A artimanha vai mais longe, eis que a 2ª reclamada usaria como escudo o fato de a 1ª reclamada gozar de imunidade de jurisdição em nosso país. Com isso, a 2ª reclamada sempre espera que seja reconhecida a extinção das ações que porventura sejam...

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