Acórdão nº HC 136732 / MS de T5 - QUINTA TURMA

Número do processoHC 136732 / MS
Data02 Agosto 2011
ÓrgãoQuinta Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

HABEAS CORPUS Nº 136.732 - MS (2009⁄0095543-9) (f)

RELATOR : MINISTRO JORGE MUSSI
IMPETRANTE : H.C.D.S. - DEFENSOR PÚBLICO
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
PACIENTE : MARCOS JAIR ZMIESKI

EMENTA

HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. VIAS DE FATO. LEI MARIA DA PENHA. AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA. AUSÊNCIA NA ESPÉCIE DE CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE. CARÊNCIA DE JUSTA CAUSA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL RECONHECIDO.

  1. A Terceira Seção desta Corte Superior de Justiça, ao julgar o Recurso Especial n. 1.097.042⁄DF, alçado à condição de recurso repetitivo representativo da controvérsia, entendeu que a ação penal nos crimes de lesão corporal leve cometidos em detrimento da mulher, no âmbito doméstico e familiar, é pública condicionada à representação da vítima.

  2. Na hipótese, o paciente se vê processado pela suposta prática da contravenção penal de vias de fato contra sua amásia - portanto, um minus em relação ao delito de lesão corporal leve - mesmo tendo a ofendida consignado o desejo de não exercer seu direito de representação, entendendo o órgão acusatório e o juízo singular tratar-se de ação penal pública incondicionada.

  3. Carecendo o respectivo processo de condição de procedibilidade, eis que necessária a manifestação de vontade da vítima para que seja instaurada a persecução contra o paciente, evidente o constrangimento ilegal a que está submetido.

  4. Ordem concedida, para trancar a Ação Penal n. 009.08.001294-7, movida em desfavor do paciente perante o Juízo de Direito da comarca de Costa Rica⁄MS.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

    Os Srs. Ministros Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ⁄RJ), Gilson Dipp e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.

    Brasília (DF), 02 de agosto de 2011. (Data do Julgamento).

    Ministro JORGE MUSSI

    Relator

    HABEAS CORPUS Nº 136.732 - MS (2009⁄0095543-9) (f)

    IMPETRANTE : H.C.D.S. - DEFENSOR PÚBLICO
    IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
    PACIENTE : MARCOS JAIR ZMIESKI

    RELATÓRIO

    O SENHOR MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, com pedido liminar, impetrado em favor de M.J.Z., apontando como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul (HC n. 2009.004464-5⁄0000-00).

    Noticiam os autos que o paciente foi denunciado como incurso nas sanções do artigo 21 da Lei das Contravenções Penais, pois teria praticado vias de fato em detrimento de sua amásia L. deA.C., no âmbito da relação familiar.

    Sustenta o impetrante que o constrangimento ilegal suportado pelo paciente reside na falta de condição de procedibilidade da ação penal, aduzindo que faltaria a representação da vítima necessária à sua deflagração.

    Assere que, por ocasião da lavratura do boletim de ocorrência em delegacia, a vítima consignou de forma expressa o desejo de não representar contra o paciente, razão pela qual o Ministério Público não teria legitimidade para oferecer a denúncia, pois a própria Lei Maria da Penha não autorizou que esse tipo de contravenção penal fosse processada por meio de ação penal pública incondicionada (fl. 4).

    Pretende, liminarmente, o trancamento da ação penal deflagrada em desfavor do paciente, e, no mérito, a confirmação do pleito liminar.

    A liminar foi indeferida (fls. 81⁄83).

    Informações prestadas (fls. 89⁄97).

    A douta Subprocuradoria-Geral da República opinou pela denegação da ordem (fls. 99⁄102).

    É o relatório.

    HABEAS CORPUS Nº 136.732 - MS (2009⁄0095543-9) (f)

    VOTO

    O SENHOR MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Conforme relatado, com o presente habeas corpus, pretende o impetrante a concessão da ordem para que seja determinado o trancamento da ação penal deflagrada em desfavor do paciente.

    Na origem, denúncia pela prática do crime do art. 21 da Lei das Contravenções Penais, pois teria praticado vias de fato em detrimento de sua amásia L. deA.C., no âmbito da relação familiar, in verbis (fls. 13⁄14):

    Narram os autos que, no dia 01 de maio de 2008, quinta-feira, por volta das 16h30, no interior da residência localizada na Rua Antonio Bocalan, número 813, Centro, nesta Cidade, o denunciado MARCOS JAIR ZMIESKI, durante uma discussão com sua amásia L.D.A.C., passou a agredi-la fisicamente, com socos e pontapés.

    Há notícias de que as agressões foram recíprocas e, além disso, que a filha do casal, de apenas dois anos de idade, teria presenciado a briga.

    Trata-se de vias de fato, tipificado no artigo 21, da Lei de Contravenções Penais, em situação de violência doméstica.

    As vítimas manifestaram o interesse de não representar criminalmente contra o seu agressor (fls. 06 e 09).

    Em verdade, as ações afirmativas, ao contrário de ofenderem o princípio constitucional da igualdade (in casu, da igualdade entre homens e mulheres), buscam sua implementação concreta e efetiva no âmbito das relações sociais.

    Neste sentido, a Lei n. 11.340⁄06 parte de uma premissa de cunho empírico e histórico, de constatação até mesmo estatística, qual seja, a de que, no tema da violência doméstica, as mulheres são, em franca maioria, as vítimas. E, partindo desse pressuposto, disponibiliza a elas uma série de medidas assistenciais, preventivas e protetivas, enquanto trata com maior severidade o agressor.

    Portanto, a 'Lei Maria da Penha' privilegia a acepção aristotélica do princípio da isonomia, no sentido de que situações pragmaticamente desiguais devem ser tratadas de forma desigual, justamente como meio de se buscar o equilíbrio visado pela norma constitucional consagradora da igualdade entre homens e mulheres. (fls. 13⁄14 - grifos no original).

    Irresignada, a defesa impetrou habeas corpus no Tribunal de origem, cuja ordem foi denegada (fls. 73⁄74):

    Malgrado os argumentos expendidos pela impetrante, a pretensão liberatória não merece acolhimento, dada a sua manifesta improcedência.

    Inicialmente, é importante frisar que a ação penal decorrente da contravenção penal de vias de fato é pública incondicionada, nos termos do art. 17 do Decreto-Lei n. 3.688⁄41.

    Embora alguns doutrinadores sustentem que o advento da Lei n. 9.099⁄95, ao dispor que o delito de lesão corporal leve enseja ação penal pública condicionada, teria operado a mesma modificação quanto à contravenção de vias de fato, tal raciocínio não se sustenta por ausência de expressa previsão legal nesse sentido.

    Sobre o assunto, já se manifestou a jurisprudência, inclusive do Supremo Tribunal Federal:

    “A regra do art. 17 LCP – segundo a qual a persecução das contravenções penais se faz mediante ação pública incondicionada não foi alterada, sequer com relação à de vias de fato, pelo art. 88 da L. 9.099⁄95, que condicionou à representação a ação penal por lesões corporais leves (HC 80.617, Pertence, RTJ 177⁄866).”

    “Trata-se de contravenção penal de vias de fato, prevista no art. 21 da Lei de Contravenções Penais, de ação penal incondicionada. Em conseqüência, para que a infração seja apurada, o estado não dependerá de representação da vitima ou de seu representante legal. Ao tomar conhecimento de sua prática, de oficio deverá providenciar a sua apuração. Não dependerá, pois, da manifestação de vontade do ofendido ou do representante deste, para poder agir.”

    “A exigência de representação da vítima para processar o autor de lesões corporais não se estende à contravenção de vias de fato, ante a falta de previsão legal para tanto. Prevalece, nessa hipótese, a regra geral da ação penal pública incondicionada.”

    Destarte, a mera leitura da Lei de Contravenções Penais permite concluir que o processamento do paciente dispensa a representação da vítima.

    E, ainda que se pense o contrário, a Lei Maria da Penha não reafirmou a natureza pública condicionada das ações penais instauradas para apurar vias de fato e lesão corporal leve cometidas no âmbito doméstico, pois o art. 41, do seu texto legal, dispõe exatamente o contrário: “aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei n.o 9.099, de 26 de setembro de 1995.”

    Aliás, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça decidiu a respeito e firmou o entendimento que:

    “Lesões corporais leves praticadas contra a mulher no âmbito familiar também constituem delito de ação penal pública incondicionada”, pois “se a Lei n. 9.099⁄1995 não pode ser aplicada, significa que seu artigo 88, que prevê a representação para a lesão corporal leve e culposa nos casos comuns, não pode, por conseguinte, ser aplicado a essas espécies delitivas quando estiverem relacionadas à violência doméstica encampadas pela Lei Maria da Penha. (...)

    Dessa forma, os institutos despenalizadores e as medidas mais benéficas da Lei dos Juizados Especiais não se aplicam aos casos de violência doméstica, independendo, portanto, de representação da vítima para a propositura da ação penal pelo Ministério Público nos casos de lesão corporal leve ou culposa.”

    Na verdade, a exigência da representação da vítima está mantida apenas nas...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT