Acórdão nº REsp 1216424 / MT de T3 - TERCEIRA TURMA

Número do processoREsp 1216424 / MT
Data09 Agosto 2011
ÓrgãoTerceira Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECURSO ESPECIAL Nº 1.216.424 - MT (2010⁄0182549-7)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : HOSPITAL E M.N.S.D.F.L.
RECORRIDO : O.R.D.S.
ADVOGADO : BRUNA ERGANG DA SILVA E OUTRO(S)

EMENTA

CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. MÉDICO PARTICULAR. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. HOSPITAL. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM.

  1. Os hospitais não respondem objetivamente pela prestação de serviços defeituosos realizados por profissionais que nele atuam sem vínculo de emprego ou subordinação. Precedentes.

  2. Embora o art. 14, § 4º, do CDC afaste a responsabilidade objetiva dos médicos, não se exclui, uma vez comprovada a culpa desse profissional e configurada uma cadeia de fornecimento do serviço, a solidariedade do hospital imposta pelo caput do art. 14 do CDC.

  3. A cadeia de fornecimento de serviços se caracteriza por reunir inúmeros contratos numa relação de interdependência, como na hipótese dos autos, em que concorreram, para a realização adequada do serviço, o hospital, fornecendo centro cirúrgico, equipe técnica, medicamentos, hotelaria; e o médico, realizando o procedimento técnico principal, ambos auferindo lucros com o procedimento.

  4. Há o dever de o hospital responder qualitativamente pelos profissionais que escolhe para atuar nas instalações por ele oferecidas.

  5. O reconhecimento da responsabilidade solidária do hospital não transforma a obrigação de meio do médico, em obrigação de resultado, pois a responsabilidade do hospital somente se configura quando comprovada a culpa do médico, conforme a teoria de responsabilidade subjetiva dos profissionais liberais abrigada pelo Código de Defesa do Consumidor.

  6. Admite-se a denunciação da lide na hipótese de defeito na prestação de serviço. Precedentes.

  7. Recurso especial parcialmente provido.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, e os votos dos Srs. Ministros Massami Uyeda,

    S.B. e P. deT.S., por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso especial. Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, P. deT.S. e Ricardo Villas Bôas Cueva (voto-vista) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

    Brasília (DF), 09 de agosto de 2011(Data do Julgamento)

    MINISTRA NANCY ANDRIGHI

    Relatora

    RECURSO ESPECIAL Nº 1.216.424 - MT (2010⁄0182549-7)

    RECORRENTE : HOSPITAL E M.N.S.D.F.L.
    RECORRIDO : O.R.D.S.
    ADVOGADO : BRUNA ERGANG DA SILVA E OUTRO(S)

    RELATÓRIO

    A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

    Cuida-se de recurso especial interposto por HOSPITAL E MATERNIDADE NOSSA SENHORA DE FÁTIMA LTDA., com fundamento nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso – TJ⁄MT.

    Ação: de reparação de danos materiais e compensação de danos morais ajuizada por O.R.D.S., em face de Hospital e Maternidade Nossa Senhora de Fátima Ltda.; na qual alega que, após se submeter à cirurgia no ombro direito, a fim de corrigir um simples problema de musculatura, passou a sentir fortes dores e ficou incapacitado de movimentar o braço direito. Aduz que, embora tenha relatado os sintomas ao médico, Dr. Reinaldo Turra Ávila, não foi dada, por negligência ou imperícia, a devida atenção ao seu estado clínico, visto que, passados mais de oito meses da cirurgia, continua com fortes dores físicas e impossibilitado de movimentar o membro superior.

    Contestação: O réu arguiu preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, aduzindo que o serviço defeituoso, o qual resultou em danos à saúde do autor, é de responsabilidade exclusiva do médico que determinou a internação, que não é empregado nem preposto da ré, mas simples usuário externo das instalações do hospital. Por isso, requereu a denunciação à lide em face de Reinaldo Turra Ávila.

    Decisão interlocutória: O Juízo de 1º grau indeferiu a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam e o pedido de denunciação à lide em face de Reinaldo Turra Ávilo, médico do autor, haja vista a demanda estar fundada na responsabilidade objetiva do fornecedor pelos defeitos relativos à prestação de serviço (e-STJ fls. 29⁄30).

    Acórdão: interposto agravo de instrumento pelo Hospital e Maternidade Nossa Senhora de Fátima Ltda., o Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso negou provimento ao recurso (e-STJ fls. 190⁄196), conforme a seguinte ementa:

    RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS – HOSPITAL – ILEGITIMIDADE PASSIVA REJEITADA – DENUNCIAÇÃO DA LIDE – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDORARTIGO 70, III, DO CPC – PRINCÍPIOS DA CELERIDADE E DA ECONOMIA PROCESSUAL – RECURSO DESPROVIDO.

    O hospital que disponibiliza seus serviços ao paciente tem responsabilidade objetiva por danos resultantes de suposto erro médico ali ocorrido.

    Na hipótese de responsabilidade objetiva do fornecedor pelos defeitos na prestação do serviço, inviabilizada a denunciação da lide, para evitar-se o atraso na prestação da tutela jurisdicional.

    Embargos de declaração: opostos embargos de declaração (e-STJ fls. 217⁄225), foram rejeitados (e-STJ fls. 228⁄232).

    Recurso especial: o Hospital e M.N.S. deF.L. interpôs recurso especial, alegando, em síntese, violação do art. 14 do CDC, pois: a) inexiste responsabilidade do Hospital, já que os danos narrados decorrem da atividade do médico, que não é preposto ou funcionário do Hospital, mas profissional liberal que utiliza as dependências do estabelecimento para internação, não havendo qualquer vínculo entre os danos descritos e o estabelecimento recorrente, razão pela qual manifesta sua ilegitimidade; b) não houve qualquer defeito nos serviços prestados pelo Hospital, que se resumiam a serviços de hospedagem, que incluem, alojamento, alimentação, medicamentos, instalações, instrumentos e pessoal de enfermaria; c) inexiste relação jurídica de direito material entre o consumidor e o recorrente, que apenas cedeu suas dependências para a realização de ato cirúrgico por profissional contratado pelo recorrido; d) não cabe a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva na presente hipótese, porque se faz necessária a verificação da culpa do médico, o qual tem uma obrigação de meio, e não de resultado. Aduz, ainda, a existência de dissídio jurisprudencial.

    Juízo de admissibilidade: O Tribunal de origem admitiu o recurso especial, com fundamento na alínea “a” do permissivo constitucional (e-STJ fls. 260⁄262), remetendo os autos a esta Corte Superior.

    É o relatório.

    RECURSO ESPECIAL Nº 1.216.424 - MT (2010⁄0182549-7)

    RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
    RECORRENTE : HOSPITAL E M.N.S.D.F.L.
    RECORRIDO : O.R.D.S.
    ADVOGADO : BRUNA ERGANG DA SILVA E OUTRO(S)

    VOTO

    A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

    I) Da delimitação da controvérsia

    Cuida-se de ação de reparação de danos materiais e compensação de danos morais ajuizada em face do Hospital e M.N.S. deF.L. por consumidor que contratou cirurgião particular para realização de procedimento no ombro direito. Após a cirurgia, o recorrido ficou impossibilitado de movimentar o braço, passando a sentir fortes dores, razão pela qual alega ter ocorrido imperícia e negligência do médico, não só no ato cirúrgico, mas também no pós-operatório.

    O hospital, por sua vez, arguiu sua ilegitimidade para figurar no polo passivo da demanda, porque o cirurgião não é empregado do estabelecimento e os danos alegados não se originam dos serviços prestados pelo hospital.

    Afastada pelas instâncias ordinárias a preliminar suscitada, cinge-se a presente controvérsia a saber se o hospital pode vir a responder pelo erro médico cometido por profissional que não possui qualquer vínculo com o nosocômio, mas utiliza as dependências do estabelecimento para a realização de cirurgia e internação de pacientes.

    II) Da jurisprudência da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça

    Primeiramente, cumpre ressaltar que, por ocasião do julgamento do REsp 908.359⁄SC, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça afastou a responsabilidade objetiva dos hospitais pela prestação de serviços defeituosos realizados por profissionais que nele atuam sem vínculo de emprego ou subordinação, conforme a seguinte ementa:

    RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. NEGLIGÊNCIA. INDENIZAÇÃO. RECURSO ESPECIAL.

  8. A doutrina tem afirmado que a responsabilidade médica empresarial, no caso de hospitais, é objetiva, indicando o parágrafo primeiro do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor como a norma sustentadora de tal entendimento.

    Contudo, a responsabilidade do hospital somente tem espaço quando o dano decorrer de falha de serviços cuja atribuição é afeta única e exclusivamente ao hospital. Nas hipóteses de dano decorrente de falha técnica restrita ao profissional médico, mormente quando este não tem nenhum vínculo com o hospital – seja de emprego ou de mera preposição –, não cabe atribuir ao nosocômio a obrigação de indenizar.

  9. Na hipótese de prestação de serviços médicos, o ajuste contratual – vínculo estabelecido entre médico e paciente – refere-se ao emprego da melhor técnica e diligência entre as possibilidades de que dispõe o profissional, no seu meio de atuação, para auxiliar o paciente. Portanto, não pode o médico assumir compromisso com um resultado específico, fato que leva ao entendimento de que, se ocorrer dano ao paciente, deve-se averiguar se houve culpa do profissional – teoria da responsabilidade subjetiva.

    No entanto, se, na ocorrência de dano impõe-se ao hospital que responda objetivamente pelos erros cometidos pelo médico, estar-se-á aceitando que o contrato firmado seja de resultado, pois se o médico não garante o resultado, o hospital garantirá. Isso leva ao seguinte absurdo: na hipótese de intervenção cirúrgica, ou o paciente sai curado ou será indenizado – daí um contrato de resultado firmado às avessas da...

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