Acórdão nº 2001.01.00.036916-5 de Tribunal Regional Federal da 1a Região, Terceira Seção, 26 de Julio de 2011

Magistrado ResponsávelDesembargador Federal JoÃo Batista Moreira
Data da Resolução26 de Julio de 2011
EmissorTerceira Seção
Tipo de RecursoEmbargos Infringentes na Apelação Civel

Assunto: Proteção Possessória - Posse - Civil

EMBARGOS INFRINGENTES NA APELAÇÃO CIVEL 2001.01.00.036916-5/MT

RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA

RELATOR CONVOCADO: JUIZ FEDERAL GLAUCIO MACIEL GONÇALVES

EMBARGANTE: UNIAO FEDERAL

PROCURADOR: MANUEL DE MEDEIROS DANTAS

EMBARGANTE: FUNDACAO NACIONAL DO INDIO - FUNAI

PROCURADOR: ADRIANA MAIA VENTURINI

PROCURADOR: LUIZ FERNANDO VILLARES E SILVA

EMBARGADO: SEBASTIAO DE ASSIS E OUTROS(AS)

ADVOGADO: RICARDO PEDROLLO DE ASSIS E OUTRO(A)

ACÓRDÃO

Decide a Terceira Seção do Tribunal Regional Federal - 1ª Região, à unanimidade, dar parcial provimento aos embargos infringentes, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 26 de julho de 2011 (data do julgamento).

Gláucio Maciel Gonçalves Juiz Relator Convocado

RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE

RELATOR: JUIZ FEDERAL MOACIR FERREIRA RAMOS (CONVOCADO)

APELANTES: SEBASTIÃO DE ASSIS E OUTROS(AS)

ADVOGADOS: PAULO COSME DE FREITAS E OUTRO(A)

APELADA: UNIÃO FEDERAL

PROCURADORA: HÉLIA MARIA DE OLIVEIRA BETTERO

APELADO: FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO - FUNAI

PROCURADOR: MANOEL LOPES DE SOUSA

RELATÓRIO

O EXMO. SR. JUIZ MOACIR FERREIRA RAMOS (RELATOR CONVOCADO):

Cuida-se de apelação interposta contra sentença proferida pelo d. Juiz Federal César Augusto Bearsi, da 3ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Mato Grosso, nos autos da ação possessória, ajuizada por SEBASTIÃO DE ASSIS, ELAINE MARIA PEDROLLO DE ASSIS, OZENIR ARAÚJO, IRACY SARDINHA ARAÚJO e JOANA MARIA PETEK contra a UNIÃO FEDERAL e a FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO - FUNAI, objetivando a reintegração na posse de área localizada em Parecis, Diamantino/MT, que teria sido invadida violentamente por 200 (duzentos) índios, bem como indenização pelos danos decorrentes da invasão.

Narram os autores que eram possuidores da área em litígio há cerca de 15 (quinze) anos, utilizando-se da terra para o plantio de soja (com ônus de financiamento do Banco do Brasil). No entanto, em 4 de fevereiro de 1993, a área foi violentamente esbulhada por índios, comandados pelo Administrador local da FUNAI. Sob a alegação de que são proprietários e possuidores da área, consubstanciada em títulos dominiais (fl. 11/15) e sustentando, ainda, que ali nunca existiu uma reserva indígena, requerem a reintegração na posse da área esbulhada.

À fl. 25, foi deferido o pedido de exclusão da autora JOANA MARIA PETEK da relação processual.

Após a oitiva de testemunhas (fls. 56/61), foi deferida liminar, no sentido de que fosse restituída aos autores a área em disputa, conforme consta da decisão de fl. 62.

Às fls. 121/130 e 151/179, respectivamente, a FUNAI e a União Federal apresentaram contestações, sustentando, em síntese, que as terras são habitat indígena, tratando-se de posse imemorial, recebendo, assim, especial proteção da Constituição Federal (art. 231). Ao final, a FUNAI formulou requerimento, nos termos do art. 921 e 922, do CPC, objetivando garantir a posse indígena contra os requerentes.

O Ministério Público Federal apresentou parecer (fls.

240/241), manifestando-se pela realização de perícia histórico antropológica, a fim de averiguar a ocupação imemorial indígena.

Foi proferida decisão às fls. 517/522, revogando a liminar deferida à fl. 62.

Deferido o pedido de prova pericial e nomeados os peritos, os autores apresentaram exceção de suspeição contra a perita MARIA DE FÁTIMA ROBERTO MACHADO, sob a alegação de imparcialidade. Conforme decisão juntada às fls. 608/609, a exceção foi rejeitada.

Laudo antropológico apresentado às fls. 638/737.

O d. Juiz Federal sentenciante julgou improcedente o pedido dos autores e, diante do caráter dúplice da ação possessória, foi acolhido o pedido da FUNAI de proteção possessória, apenas para reconhecer que as terras em litígio são de posse da Comunidade Indígena Parecis, determinando a sua reintegração/manutenção na posse das terras.

Os autores apresentaram embargos declaratórios (fls. 864/866), apontando suposta contradição no julgado. Os mesmos foram rejeitados pelo em. Juiz monocrático (fls. 868/869).

Irresignados, os autores apresentaram apelação às fls.

870/884, sustentando, preliminarmente, a incompetência absoluta da Justiça Federal para julgamento da demanda. No mérito, aduzem que são legítimos possuidores e proprietários da área em litígio, conforme escritura pública de fls. 13/16. Afirmam que a sentença respaldou-se apenas no laudo pericial antropológico, ignorando os títulos dominiais. Voltam a impugnar a perita Maria de Fátima, que "assumiu ares de escandalosa defesa do índios" (fls.

875). Alegam, também, que as terras em litígio jamais foram ocupadas permanentemente pelos descendentes de ZOROMARÁ, tanto que o ofício da Presidência da FUNAI nº 311, de 1975 (fl. 10), certificava a inexistência de aldeamento indígena na região. Por fim, impugnam a posse imemorial, já que as terras não são tradicionalmente ocupadas pelos índios. Na defesa de suas alegações, colacionam diversos precedentes do STF. Requerem, assim, a reforma da sentença para julgar procedentes os pedidos formulados, e, assim não entendendo, que lhes seja reconhecido o direito à indenização pelas benfeitorias.

Com as contra-razões da União (fls. 888/892) e FUNAI (fls.

894/907), subiram os autos a este eg. Tribunal.

Parecer do Ministério Público Federal às fls. 915/921, pugnando pelo improvimento da apelação.

É o relatório.

RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE

RELATOR: JUIZ FEDERAL MOACIR FERREIRA RAMOS (CONVOCADO)

APELANTES: SEBASTIÃO DE ASSIS E OUTROS(AS)

ADVOGADOS: PAULO COSME DE FREITAS E OUTRO(A)

APELADA: UNIÃO FEDERAL

PROCURADORA: HÉLIA MARIA DE OLIVEIRA BETTERO

APELADO: FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO - FUNAI

PROCURADOR: MANOEL LOPES DE SOUSA

VOTO

O EXMO. SR. JUIZ MOACIR FERREIRA RAMOS (RELATOR CONVOCADO):

Ilegitimidade da União

Sustentam os autores a preliminar de incompetência absoluta da Justiça Federal, sob a alegação de falta de interesse da União, ao fundamento de que não há direito indígena em jogo.

Rejeito a preliminar aventada, já que da análise do processo revela-se patente o interesse da União em integrar a lide, porquanto está caracterizada a existência de eventual direito indígena (posse imemorial), o que, de fato, atrai a competência da Justiça Federal para dirimir o pleito, em obediência ao comando constitucional inserto no art. 109, da Carta Magna.

Além disso, é competente a Justiça Federal para o julgamento de ação ajuizada contra fundação de direito público (FUNAI), que se qualifica como entidade governamental dotada de capacidade administrativa, integrante da Administração Pública descentralizada da União.

Confiram-se, neste sentido, os seguintes precedentes jurisprudenciais:

"RECURSO EXTRAORDINÁRIO - REINTEGRAÇÃO DE POSSE - ÁREA DEMARCADA PELA FUNAI - DEMARCAÇÃO ADMINISTRATIVA HOMOLOGADA PELO PRESIDENTE DA REPÚBLICA - AÇÃO POSSESSÓRIA PROMOVIDA POR PARTICULARES CONTRA SILVÍCOLAS DE ALDEIA INDÍGENA E CONTRA A FUNAI - INTERVENÇÃO DA UNIÃO FEDERAL - DISPUTA SOBRE DIREITOS INDÍGENAS - INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL - NULIDADE DOS ATOS DECISÓRIOS - ENCAMINHAMENTO DO PROCESSO À JUSTIÇA FEDERAL - RE CONHECIDO E PROVIDO. AÇÃO POSSESSÓRIA - INTERVENÇÃO DA UNIÃO FEDERAL - DESLOCAMENTO NECESSÁRIO DA CAUSA PARA A JUSTIÇA FEDERAL. - O ingresso da União Federal numa causa, vindicando posição processual definida (RTJ 46/73 - RTJ 51/242), gera a incompetência absoluta da Justiça local (RT 505/109), pois não se inclui na esfera de atribuições jurisdicionais dos magistrados e Tribunais estaduais o poder para aferir a legitimidade do interesse da União Federal, em determinado processo (RTJ 93/1291 - RTJ 95/447 - RTJ 101/419).

A legitimidade do interesse manifestado pela União só pode ser verificada, em cada caso ocorrente, pela própria Justiça Federal (RTJ 101/881), pois, para esse específico fim, é que ela foi instituída (RTJ 78/398): para dizer se, na causa, há ou não há interesse jurídico da União. FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO (FUNAI) - NATUREZA JURÍDICA. - A Fundação Nacional do Índio - FUNAI constitui pessoa jurídica de direito público interno. Trata-se de fundação de direito público que se qualifica como entidade governamental dotada de capacidade administrativa, integrante da Administração Pública descentralizada da União, subsumindo-se, no plano de sua organização institucional, ao conceito de típica autarquia fundacional, como tem sido reiteradamente proclamado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, inclusive para o efeito de reconhecer, nas causas em que essa instituição intervém ou atua, a caracterização da competência jurisdicional da Justiça Federal (RTJ 126/103 - RTJ 127/426 - RTJ 134/88 - RTJ 136/92 - RTJ 139/131). Tratando-se de entidade autárquica instituída pela União Federal, torna-se evidente que, nas causas contra ela instauradas, incide, de maneira plena, a regra constitucional de competência da Justiça Federal inscrita no art. 109, I, da Carta Política.

DISPUTA SOBRE DIREITOS INDÍGENAS - ÁREA DEMARCADA PELA FUNAI - DEMARCAÇÃO ADMINISTRATIVA HOMOLOGADA PELO PRESIDENTE DA REPÚBLICA. - A Constituição promulgada em l988 introduziu nova regra de competência, ampliando a esfera de atribuições jurisdicionais da Justiça Federal, que se acha, agora, investida de poder para também apreciar "a disputa sobre direitos indígenas" (CF, art. 109, XI). Essa regra de competência jurisdicional - que traduz expressiva inovação da Carta Política de l988 - impõe o deslocamento, para o âmbito de cognição da Justiça Federal, de todas as controvérsias, que, versando a questão dos direitos indígenas, venham a ser suscitadas em função de situações específicas. - A importância jurídica da demarcação administrativa homologada pelo Presidente da República - ato estatal que se reveste de presunção juris tantum de legitimidade e de veracidade - reside na circunstância de que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, embora pertencentes ao patrimônio da União (CF, art. 20, XI), acham-se afetadas, por efeito de destinação...

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