Decisão Monocrática nº 2011/0118853-4 de CE - CORTE ESPECIAL

Número do processo2011/0118853-4
Data09 Agosto 2011
ÓrgãoCorte Especial (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECURSO ESPECIAL Nº 1.256.025 - RS (2011/0118853-4) RELATOR : MINISTRO MASSAMI UYEDA

RECORRENTE : V A R

ADVOGADO : FERNANDO JOSÉ LOPES SCALZILLI E OUTRO(S)

RECORRIDO : N G - ESPÓLIO

REPR. POR : L M G - INVENTARIANTE

ADVOGADA : MÔNICA SARTORI SCARPARO

RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE - FILHO REGISTRADO POR QUEM NÃO É O VERDADEIRO PAI - BUSCA DA VERDADE REAL - ORIGEM GENÉTICA - DIREITO PERSONALÍSSIMO - POSSIBILIDADE -

PRECEDENTES - RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

DECISÃO

Cuida-se de recurso especial interposto por V A R com fundamento no artigo 105, III, "a" e "c", da Constituição Federal em que se alega violação dos artigos 1593, 1596 e 1597 do CC, além de dissídio jurisprudencial.

O aresto recorrido restou assim ementado:

"EMBARGOS INFRINGENTES. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE.

PRESENÇA DA RELAÇÃO DE SÓCIOAFETIVIDADE. O estado de filiação é qualificação jurídica da relação de parentesco entre pai e filho que estabelece um complexo de direitos e deveres reciprocamente

considerados. Constitui-se em decorrência da lei (...), ou em razão da posse do estado de filho advinda da convivência familiar. Para anulação do registro civil, deve ser demonstrado um dos vícios do ato jurídico ou, ainda mesmo, a ausência de relação de

sócioafetividade. Registro mantido no caso concreto. Embargos desacolhidos, por maioria".

Busca a recorrente a reforma do v. acórdão, argumentando, em

síntese, que, a despeito de ter sido adotada à brasileira, tem o direito de ver reconhecida a sua paternidade biológica.

A Douta Procuradoria Geral da República se manifestou pelo

provimento do recurso especial.

É o relatório.

A irresignação merece prosperar.

Com efeito.

Na realidade, veja-se que os limites desta análise centra-se em saber se o decurso de tempo tem ou não o condão de convalidar o registro civil dentro de um contexto em que, na origem, já restou caracterizada a falsidade da declaração de paternidade.

Pois bem, traçadas estas linhas iniciais, deve-se observar que a adoção é um estado de ficção jurídica que tem o condão de gerar o parentesco civil e, portanto, vínculos de paternidade e filiação reciprocamente considerados. Não se desconhece, todavia, que o instituto da adoção repousa suas raízes em imperativos religiosos, isto porque, conforme Fustel de Coulanges, o homem não queria morrer sem, contudo, deixar filhos para, além de promover o enterro, perpetuar o culto da cerimônia fúnebre.

A adoção, portanto, consistia em "zelar pela perpetuidade da

religião doméstica, salvando o lar e a continuação das oferendas fúnebres, pelo repouso dos manes antepassados" (Coulanges, Fustel. A Cidade Antiga: estudo sobre o culto, o direito e as instituições da Grécia e de Roma. Trad. de J.Cretella Jr e Agnes Cretella. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 53). No mesmo sentido, Arnoldo Wald leciona que: "Numa época em que a família era a unidade social, econômica, política e regiliosa, constituindo um verdadeiro Estado dentro do Estado, com suas próprias autoridades dentro dos limites do lar ('domus'), a adoção permitiu a integração, na

família, do estrangeiro que aderia à religião doméstica" (Wald.

Arnoldo. O Novo Direito de Família. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 200).

Veja-se, a propósito, que a concepção da adoção como sendo a

atribuição da condição de filho ao adotado, de modo a desligá-lo de qualquer vínculo com os pais biológicos, salvo quanto aos

impedimentos para o matrimônio - exegese dos artigos 1.632 do Código Civil e 48 do Estatuto da Criança e do Adolescente - não é

propriamente uma tendência moderna, porquanto o já mencionado Fustel de Coulanges já havia deixado assente que, quando se adotava um filho, era preciso introduzi-lo no culto da religião doméstica, o que implicava renúncia ao culto da família antiga (Coulanges, Fustel. ob. cit., p. 54).

Hodiernamente, a adoção é, ao lado da guarda e da tutela, a

modalidade mais completa de colocação em família substituta,

porquanto, de fato, insere o adotado em um novo núcleo familiar, ao passo que a guarda e a tutela apenas transferem ao responsável uma parcela do poder familiar.

A hipótese sub examine trata de uma situação onde P. B. R.

(falecido), sem ser o pai biológico da parte ora recorrente, V A R, a registrou como se filha sua fosse. Tal hipótese configura aquilo que doutrinariamente se chama de adoção à brasileira, ocasião em que alguém, sem observar o regular procedimento de adoção imposto pela Lei Civil e, eventualmente assumindo o risco de responder

criminalmente pelo ato (artigo 242 do Código Penal), apenas registra o infante como filho.

De plano, sobreleva deixar consignado que a invalidade dos atos jurídicos que refletem no estado das pessoas não pode ser tratada da mesma maneira daquela que eventualmente pode eivar os demais atos da vida civil, isto porque aqueles geram efeitos que não se

circunscrevem na esfera meramente patrimonial e, portanto, de disponibilidade das pessoas. Nesta linha de raciocínio é inviável deixar de reconhecer que a adoção, ainda que à moda brasileira, gera para o registrado a posse do estado de filho.

É dizer, em outras palavras, que, a despeito de não corresponder à verdade real, a posse do estado de filho, gera uma aparência de modo a fazer com que todos manifestem a crença em uma realidade que, na verdade, não existe, mas nem por isso merece ficar à margem da tutela jurídica, notadamente diante do fato de que se formam laços afetivos entre o registrando e o registrado, vínculos estes que muitas vezes são até mais fortes do que os sanguíneos. Daí,

portanto, ser "necessário ter uma visão pluralista da família" (Dias, Maria Berenice. Manual de Direito Das Famílias. 4. ed. São Paulo:...

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