Acórdão nº HC 190500 / PI de T5 - QUINTA TURMA

Data18 Agosto 2011
Número do processoHC 190500 / PI
ÓrgãoQuinta Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

HABEAS CORPUS Nº 190.500 - PI (2010⁄0210921-0)

RELATOR : MINISTRO JORGE MUSSI
IMPETRANTE : GABRIEL ROCHA FURTADO
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ
PACIENTE : JOSÉ DE ARIMATÉIA AZEVEDO

EMENTA

HABEAS CORPUS. CRIMES DA LEI DE IMPRENSA. NÃO RECEPÇÃO DA LEI 5.250⁄67 PELA ATUAL ORDEM CONSTITUCIONAL. ABOLITIO CRIMINIS. ESVAZIAMENTO DA EXORDIAL ACUSATÓRIA. PERDA DE OBJETO DO PROCESSO PENAL EM CURSO EM DESFAVOR DO ACUSADO. ORDEM CONCEDIDA.

  1. O Supremo Tribunal Federal julgou incompatível a antiga Lei de Imprensa com a atual Constituição da República (ADPF 130), extirpando do ordenamento jurídico a totalidade do diploma normativo, de forma que, em termos práticos, tal decisão implica no reconhecimento da inexistência jurídica da norma.

  2. No caso, diante da decisão da Corte Suprema pela declaração de não recepção da Lei de Imprensa, não há mais norma incriminadora a estear a exordial acusatória, acarretando abolitio criminis, de forma que, esvaziado o objeto da lide processual em curso em desfavor do réu, o trancamento da ação na qual se apurava a suposta prática de ilícitos nele descritos se torna inevitável.

  3. Ordem concedida para trancar a Queixa-Crime 2092122007 em curso no Juízo da 6ª Vara Criminal de Teresina⁄PI.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ⁄RJ), Gilson Dipp e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.

    Brasília (DF), 18 de agosto de 2011. (Data do Julgamento).

    MINISTRO JORGE MUSSI

    Relator

    HABEAS CORPUS Nº 190.500 - PI (2010⁄0210921-0)

    IMPETRANTE : GABRIEL ROCHA FURTADO
    IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ
    PACIENTE : J.D.A.A.

    RELATÓRIO

    O SENHOR MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado em favor de J.D.A.A., apontando como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, que denegou a ordem pleiteada no HC nº 2010.0001.005748-9.

    Noticiam os autos que foi oferecida queixa-crime em desfavor do paciente atribuindo-lhe a pratica das condutas previstas no art. 20 e 21 da Lei nº 5.250⁄67.

    Sustenta o impetrante constrangimento ilegal ao argumento de que estaria perempta a ação penal, porquanto o querelante teria deixado de promover o andamento processual durante 30 dias seguidos, salientando que seu patrono foi intimado pela imprensa oficial para dar o regular seguimento ao processo.

    Alega, ainda, que a 6ª Vara Criminal da Comarca de Teresina⁄PI não seria competente para apreciar o feito, pois à época do oferecimento da queixa-crime não estava prevista na Lei de Organização Judiciária do Estado do Piauí sua competência para o processamento e julgamento dos delitos contra a honra.

    Subsidiariamente, defende o trancamento da ação penal, tendo em vista que foi promovida com base na Lei de Imprensa, que não foi recepcionada pelo atual ordem constitucional.

    Pugna, liminarmente, pela suspensão da ação penal, e, no mérito, requer que seja declarada extinta a punibilidade em razão da perempção; ou o reconhecimento do vício na fixação do juízo competente para processamento do feito, determinando-se a realização de sua redistribuição por sorteio; ou o trancamento da ação penal em decorrência da Lei de Imprensa não ter sido recepcionada pela Constituição Federal de 1988.

    A liminar foi indeferida (e-STJ fls. 113⁄114).

    Informações prestadas (e-STJ fls. 122⁄125).

    A douta Subprocuradoria-Geral da República opinou pela denegação da ordem (e-STJ fls. 129⁄133).

    É o relatório.

    HABEAS CORPUS Nº 190.500 - PI (2010⁄0210921-0)

    VOTO

    O SENHOR MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Conforme relatado, requer o impetrante a concessão da ordem para que seja declarada extinta a punibilidade em razão da perempção; ou o reconhecimento do vício na fixação do juízo competente para processamento do feito, determinando-se a realização de sua redistribuição por sorteio; ou o trancamento da ação penal em decorrência da Lei de Imprensa não ter sido recepcionada pela Constituição Federal de 1988.

    Na origem, queixa-crime oferecida em desfavor do paciente, em 12⁄6⁄07, atribuindo-lhe a prática das condutas previstas no art. 20 e 21 da Lei nº 5.250⁄67 (e-STJ fls. 66⁄70).

    Irresignada, a defesa impetrou habeas corpus, cuja ordem foi denegada nos termos da seguinte ementa (e-STJ fl. 29):

    HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL PRIVADA. 1. CRIME DEFINIDO NA LEI DE IMPRENSA. NÃO-RECEPÇÃO DOS DISPOSITIVOS DA LEI PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DA LEGISLAÇÃO COMUM. CONDUTA TIPIFICADA NO CÓDIGO PENAL. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO. INDEFERIMENTO. 2. AUSÊNCIA DO QUERELANTE NA AUDIÊNCIA INSTRUTÓRIA. JUSTIFICATIVA CONSIGNADA EM ATA. RETARDAMENTO DO FEITO POR MAIS DE TRINTA DIAS. CULPA DO ADVOGADO. PROPÓSITO DE ABANDONO DA AÇÃO NÃO DEMONSTRADO. INOCORRÊNCIA DE PEREMPÇÃO. 3. ALTERAÇÃO DE COMPETÊNCIA DAS VARAS. MULTIPLICIDADE DE JUÍZES COMPETENTES. AUSÊNCIA DE INTERPOSIÇÃO CASUÍSTICA. EXISTÊNCIA DE MAGISTRADO PREVENTO. PEDIDO DE REDISTRIBUIÇÃO DO PROCESSO REJEITADO. 4. ORDEM DE HABEAS CORPUS DENEGADA. 1. Em decorrência da não-recepção da Lei Federal nº 5.250⁄67, aplica-se às causas decorrentes das relações de imprensa as normas da legislação comum. 2. Para que haja caracterização da perempção é preciso ficar evidenciado o propósito do autor em abandonar a ação, o que não ficou constatado, já que a ausência deste na audiência instrutória foi devidamente justificada em ata, além do que, o retardamento do feito por mais de trinta dias se deu em razão da desídia do seu advogado. 3. Na comarca de Teresina, apenas o juízo da 6ª Vara Criminal detinha competência para julgamento dos crimes definidos na Lei de Imprensa, portanto, afasta-se a possibilidade de interposição casuística da ação. Ademais, nenhuma razão existe para se determinar a redistribuição do feito, já que dentre os juízes competentes, o da 6ª Vara Criminal de Teresina já praticou vários atos no processo, fato que o torna prevento, conforme preceitua o art. 83 do CPP. 4. Ordem de habeas corpus denegada, em total conformidade com o parecer do Ministério Público Superior.

    Daí o presente writ, sustenta o impetrante constrangimento ilegal ao argumento de que estaria perempta a ação penal, porquanto o querelante teria deixado de promover o andamento processual durante 30 dias seguidos, salientando que seu patrono foi intimado pela imprensa oficial para dar o regular seguimento ao processo.

    Alega, ainda, que a 6ª Vara Criminal da Comarca de Teresina⁄PI não seria competente para apreciar o feito, pois à época do oferecimento da queixa-crime não estava prevista na Lei de Organização Judiciária do Estado do Piauí sua competência para o processamento e julgamento dos delitos contra a honra.

    Subsidiariamente, defende o trancamento da ação penal, tendo em vista que foi promovida com base na Lei de Imprensa, que não foi recepcionada pelo atual ordem constitucional.

    Com razão, o impetrante.

    Os fatos apurados na ação penal privada em apreço remontam ao dia 11 de junho de 2007, ou seja, são anteriores ao julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 130 pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, iniciado em 1.4.2009 e concluído em 30.4.2009, oportunidade na qual os integrantes daquela Corte, por maioria de votos, entenderam que a Lei n. 5.250, de 9 de fevereiro de 1967, não foi recepcionada, integralmente, pela ordem constitucional vigente.

    Assim, é preciso tecer algumas considerações acerca do julgamento da ADPF n° 130 pelo Supremo Tribunal Federal.

    Naquele momento, o Pretório Excelso, entendendo haver manifesta incompatibilidade entre a antiga Lei de Imprensa e a atual Constituição da República, extirpou do ordenamento jurídico a totalidade do diploma normativo, de forma que, em termos práticos, tal decisão implica no reconhecimento da inexistência jurídica da norma. Veja-se a ementa do julgado, da lavra do Eminente Ministro Carlos Britto:

    ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). LEI DE IMPRENSA. ADEQUAÇÃO DA AÇÃO. REGIME CONSTITUCIONAL DA "LIBERDADE DE INFORMAÇÃO JORNALÍSTICA", EXPRESSÃO SINÔNIMA DE LIBERDADE DE IMPRENSA. A "PLENA" LIBERDADE DE IMPRENSA COMO CATEGORIA JURÍDICA PROIBITIVA DE QUALQUER TIPO DE CENSURA PRÉVIA. A PLENITUDE DA LIBERDADE DE IMPRENSA COMO REFORÇO OU SOBRETUTELA DAS LIBERDADES DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, DE INFORMAÇÃO E DE EXPRESSÃO ARTÍSTICA, CIENTÍFICA, INTELECTUAL E COMUNICACIONAL. LIBERDADES QUE DÃO CONTEÚDO ÀS RELAÇÕES DE IMPRENSA E QUE SE PÕEM COMO SUPERIORES BENS DE PERSONALIDADE E MAIS DIRETA EMANAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. O CAPÍTULO CONSTITUCIONAL DA COMUNICAÇÃO SOCIAL COMO SEGMENTO PROLONGADOR DAS LIBERDADES DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, DE INFORMAÇÃO E DE EXPRESSÃO ARTÍSTICA, CIENTÍFICA, INTELECTUAL E COMUNICACIONAL. TRANSPASSE DA FUNDAMENTALIDADE DOS DIREITOS PROLONGADOS AO CAPÍTULO PROLONGADOR. PONDERAÇÃO DIRETAMENTE CONSTITUCIONAL ENTRE BLOCOS DE BENS DE PERSONALIDADE: O BLOCO DOS DIREITOS QUE DÃO CONTEÚDO À LIBERDADE DE IMPRENSA E O BLOCO DOS DIREITOS À IMAGEM, HONRA, INTIMIDADE E VIDA PRIVADA. PRECEDÊNCIA DO PRIMEIRO BLOCO. INCIDÊNCIA A POSTERIORI DO SEGUNDO BLOCO DE DIREITOS, PARA O EFEITO DE ASSEGURAR O DIREITO DE RESPOSTA E ASSENTAR RESPONSABILIDADES PENAL, CIVIL E ADMINISTRATIVA, ENTRE OUTRAS CONSEQUÊNCIAS DO PLENO GOZO DA LIBERDADE DE IMPRENSA. PECULIAR FÓRMULA CONSTITUCIONAL DE PROTEÇÃO A INTERESSES PRIVADOS QUE, MESMO INCIDINDO A POSTERIORI, ATUA SOBRE AS CAUSAS PARA INIBIR ABUSOS POR PARTE DA IMPRENSA. PROPORCIONALIDADE ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS MORAIS E MATERIAIS A TERCEIROS. RELAÇÃO DE MÚTUA CAUSALIDADE ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E DEMOCRACIA. RELAÇÃO DE INERÊNCIA ENTRE PENSAMENTO CRÍTICO E IMPRENSA LIVRE. A IMPRENSA COMO INSTÂNCIA NATURAL DE FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA E COMO ALTERNATIVA À...

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