Acórdão nº AgRg no REsp 1138517 / MG de T2 - SEGUNDA TURMA

Data18 Agosto 2011
Número do processoAgRg no REsp 1138517 / MG
ÓrgãoSegunda Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.138.517 - MG (2009⁄0085811-0)

RELATOR : MINISTRO HUMBERTO MARTINS
AGRAVANTE : INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA - INCRA
PROCURADOR : V.A.F. E OUTRO(S)
REPR. POR : PROCURADORIA GERAL FEDERAL
AGRAVADO : A.C.L. E OUTROS
ADVOGADO : R.V.S. E OUTRO(S)

EMENTA

ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. SUSPENSÃO DO PROCESSO EXPROPRIATÓRIO. MEDIDA CAUTELAR PELO JUIZ SINGULAR. POSSIBILIDADE. CONCEITO DE FUNÇÃO SOCIAL QUE NÃO SE RESUME À PRODUTIVIDADE DO IMÓVEL. DESCUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL NÃO RECONHECIDA PELA CORTE DE ORIGEM. MATÉRIA PROBATÓRIA. SÚMULA 7⁄STJ.

  1. Entendeu o Tribunal de origem que os recorridos não atacaram o decreto expropriatório, mas sim atos administrativos outros que podem ser sustados para impedir a edição e publicação de Decreto Presidencial.

  2. Assim, são inaplicáveis os arts. 1º, § 1º, da Lei n. 8.437⁄92 e da Lei n. 9.494⁄97, que vedam a concessão de medidas cautelares ou antecipatórias que objetivem a impugnação de ato de autoridade sujeita, na via de mandado de segurança, à competência originária de tribunal.

  3. Nos moldes em que foi consagrado como um Direito Fundamental, o direito de propriedade tem uma finalidade específica, no sentido de que não representa um fim em si mesmo, mas sim um meio destinado a proteger o indivíduo e sua família contra as necessidades materiais. Enquanto adstrita a essa finalidade, a propriedade consiste em um direito individual e, iniludivelmente, cumpre a sua função individual.

  4. Em situação diferente, porém, encontra-se a propriedade de bens que, pela sua importância no campo da ordem econômica, não fica adstrita à finalidade de prover o sustento do indivíduo e o de sua família. Tal propriedade é representada basicamente pelos bens de produção, bem como, por aquilo que exceda o suficiente para o cumprimento da função individual.

  5. Sobre essa propriedade recai o influxo de outros interesses - que não os meramente individuais do proprietário - que a condicionam ao cumprimento de uma função social.

  6. O cumprimento da função social exige do proprietário uma postura ativa. A função social torna a propriedade em um poder-dever. Para estar em conformidade com o Direito, em estado de licitude, o proprietário tem a obrigação de explorar a sua propriedade. É o que se observa, por exemplo, no art. 185, II, da CF.

  7. Todavia, a função social da propriedade não se resume à exploração econômica do bem. A conduta ativa do proprietário deve operar-se de maneira racional, sustentável, em respeito aos ditames da justiça social, e como instrumento para a realização do fim de assegurar a todos uma existência digna.

  8. Há, conforme se observa, uma nítida distinção entre a propriedade que realiza uma função individual e aquela condicionada pela função social. Enquanto a primeira exige que o proprietário não a utilize em prejuízo de outrem (sob pena de sofrer restrições decorrentes do poder de polícia), a segunda, de modo inverso, impõe a exploração do bem em benefício de terceiros.

  9. Assim, nos termos dos arts. 186 da CF, e da Lei n. 8.629⁄1993, a função social só estará sendo cumprida quando o proprietário promover a exploração racional e adequada de sua terra e, simultaneamente, respeitar a legislação trabalhista e ambiental, além de favorecer o bem-estar dos trabalhadores.

  10. No caso concreto, a situação fática fixada pela instância ordinária é a de que não houve comprovação do descumprimento da função social da propriedade. Com efeito, não há como aferir se a propriedade – apesar de produtiva do ponto de vista econômico, este aliás, o único fato incontroverso – deixou de atender à função social por desrespeito aos requisitos constantes no art. 9º da Lei n. 8.629⁄93.

  11. Analisar a existência desses fatos, conforme narrado pelo agravante, implica revolvimento de matéria probatória, o que é vedado a esta Corte Superior em razão do óbice imposto pela Súmula 7⁄STJ.

    Agravo regimental improvido.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: "Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Mauro Campbell Marques, acompanhando o Sr. Ministro Humberto Martins, a Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator."

    Os Srs. Ministros Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques (voto-vista) e Castro Meira votaram com o Sr. Ministro Relator.

    Não participou, justificadamente, do julgamento o Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha.

    Brasília (DF), 18 de agosto de 2011(Data do Julgamento)

    MINISTRO HUMBERTO MARTINS

    Relator

    AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.138.517 - MG (2009⁄0085811-0)

    RELATOR : MINISTRO HUMBERTO MARTINS
    AGRAVANTE : INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA - INCRA
    PROCURADOR : V.A.F. E OUTRO(S)
    REPR. POR : PROCURADORIA GERAL FEDERAL
    AGRAVADO : A.C.L. E OUTROS
    ADVOGADO : ROGÉRIO VIEIRA SANTIAGO E OUTRO(S)

    RELATÓRIO

    O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS (Relator):

    Cuida-se de agravo regimental interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA - INCRA contra decisão monocrática deste Relator que conheceu em parte e negou provimento ao recurso especial, nos termos da seguinte ementa:

    "ADMINISTRATIVO – DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA – INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC – SUSPENSÃO DO PROCESSO EXPROPRIATÓRIO – MEDIDA CAUTELAR PELO JUIZ SINGULAR – POSSIBILIDADE – IMÓVEL PRODUTIVO – DESCUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL NÃO RECONHECIDA PELA CORTE DE ORIGEM – MATÉRIA PROBATÓRIA – SÚMULA 7⁄STJ – RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE E IMPROVIDO." (fl. 387-e)

    O acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região está assim ementado:

    "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ORDINÁRIA. TUTELA ANTECIPADA. CONCEDIDA PARA SUSPENDER PROCESSO ADMINISTRATIVO. IMÓVEL PRODUTIVO. AUSÊNCIA DE DECRETO PRESIDENCIAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. FALTA DE JUNTADA DO TRABALHO DE CAMPO. RESERVA LEGAL. NECESSIDADE DE INCLUSÃO NO CÁLCULO MESMO QUANDO NÃO AVERBADA. CONFLITOS AGRÁRIOS. QUESTÕES QUE DEVEM SER SOLUCIONADAS EM OUTROS PROCESSOS. INVASÃO COMPROVADA. PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS.

    Os agravados não atacaram decreto presidencial. Se esse ainda não foi expedido, há possibilidade de suspensão do processo administrativo.

  12. Embora o INCRA não tenha sequer juntado o trabalho de campo que realizou, admite que a propriedade é produtiva. Logo, há impedimento constitucional à concretização da desapropriação.

  13. Os conflitos ocorridos no imóvel não têm o condão de afastar a produtividade do imóvel. Serão apreciados em ações próprias." (fl. 250)

    Aduz o agravante que "a concessão da liminar ora combatida violou de forma frontal a vedação à concessão de liminar ou de antecipação dos efeitos da tutela antecipada trazida pelas Leis n. 8.437⁄92 (art. 1º, § 1º) e 9.494⁄97 (art. 1º)" (fl. 403-e).

    Isso porque, segundo o agravante, "desde maio de 2007 que o processo cuja suspensão foi determinada encontra-se na Casa Civil, pendente, apenas e tão somente, do Decreto do Presidente da República". (fl. 404-e)

    Assim, "a pretensão dos agravados se volta contra ato a ser exarado pelo Presidente da República, e que, por tal motivo, este seria autoridade coatora para figurar em eventual mandado de segurança, que, conforme informam os agravados, foi substituído ou preterido pela ação ordinária" (fl. 405-e)

    Alega ainda que o acórdão recorrido viola diretamente os arts. , e da Lei n. 8.629⁄93, tendo em vista que tais artigos tornam possível a desapropriação para fins de reforma agrária da grande propriedade rural descumpridora de sua função social, ainda que, economicamente, seja produtiva.

    Salienta que, "nos autos, há prova cabal e suficiente de que o imóvel rural em tela descumpre sua função social, vez que é incontroverso nos autos, já que nunca rebatido pelos recorridos, de que não há, no imóvel, a área de preservação permanente a cuja manutenção os obriga a lei, bem como a tensão social provocada pelos proprietários, que, inclusive, respondem a processo criminal fortemente documentado nos autos". (fl. 411-e)

    Por fim, pugna pelo provimento do agravo regimental.

    Dispensada a manifestação do agravado.

    É, no essencial, o relatório.

    AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.138.517 - MG (2009⁄0085811-0)

    EMENTA

    ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. SUSPENSÃO DO PROCESSO EXPROPRIATÓRIO. MEDIDA CAUTELAR PELO JUIZ SINGULAR. POSSIBILIDADE. CONCEITO DE FUNÇÃO SOCIAL QUE NÃO SE RESUME À PRODUTIVIDADE DO IMÓVEL. DESCUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL NÃO RECONHECIDA PELA CORTE DE ORIGEM. MATÉRIA PROBATÓRIA. SÚMULA 7⁄STJ.

  14. Entendeu o Tribunal de origem que os recorridos não atacaram o decreto expropriatório, mas sim atos administrativos outros que podem ser sustados para impedir a edição e publicação de Decreto Presidencial.

  15. Assim, são inaplicáveis os arts. 1º, § 1º, da Lei n. 8.437⁄92 e da Lei n. 9.494⁄97, que vedam a concessão de medidas cautelares ou antecipatórias que objetivem a impugnação de ato de autoridade sujeita, na via de mandado de segurança, à competência originária de tribunal.

  16. Nos moldes em que foi consagrado como um Direito Fundamental, o direito de propriedade tem uma finalidade específica, no sentido de que não representa um fim em si mesmo, mas sim um meio destinado a proteger o indivíduo e sua família contra as necessidades materiais. Enquanto adstrita a essa finalidade, a propriedade consiste em um direito individual e, iniludivelmente, cumpre a sua função individual.

  17. Em situação diferente, porém, encontra-se a propriedade de bens que, pela sua importância no campo da ordem econômica, não fica adstrita à finalidade de prover o sustento do indivíduo e o de sua família. Tal propriedade é representada basicamente pelos bens de produção, bem como, por aquilo que exceda o suficiente para o cumprimento da função individual.

  18. Sobre essa propriedade recai o influxo de outros interesses - que não os meramente individuais do proprietário -...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT