Acórdão nº RHC 27547 / MG de T6 - SEXTA TURMA

Número do processoRHC 27547 / MG
Data01 Junho 2010
ÓrgãoSexta Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 27.547 - MG (2010⁄0009154-0)

RELATOR : MINISTRO OG FERNANDES
R.P⁄ACÓRDÃO : MINISTRO HAROLDO RODRIGUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄CE)
RECORRENTE : A G R
ADVOGADO : CÉZAR AUGUSTO CALIFE CORREA JÚNIOR E OUTRO(S)
RECORRIDO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

EMENTA

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE AMEAÇA E CONTRAVENÇÃO DE PERTURBAÇÃO DA TRANQUILIDADE. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA. PRISÃO PREVENTIVA. REVOGAÇÃO. ORDEM CONCEDIDA.

  1. Embora o Código de Processo Penal autorize a decretação da prisão preventiva em delitos de violência doméstica e familiar contra a mulher, necessário o preenchimento dos requisitos contidos no art. 312 do referido diploma legal, o que não se vislumbra no caso concreto, observados, ainda, os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

  2. Recurso ordinário em habeas corpus provido.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, verificado o empate na votação e prevalecendo a decisão mais favorável ao réu, dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ⁄CE), que lavrará o acórdão. Vencidos os Srs. Ministros Relator e Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ⁄SP).

    Votou com o Sr. Ministro Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ⁄CE) a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

    Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

    Brasília (DF), 1º de junho de 2010 (data do julgamento).

    MINISTRO HAROLDO RODRIGUES

    (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄CE)

    Relator

    RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 27.547 - MG (2010⁄0009154-0)

    RELATÓRIO

    O SR. MINISTRO OG FERNANDES: Trata-se de recurso ordinário interposto por A. G. R. contra acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que denegou o habeas corpus lá impetrado em acórdão de seguinte ementa:

    HABEAS CORPUS - AMEAÇA - LEI MARIA DA PENHA - LEI 11.343⁄06 - NEGATIVA DE AUTORIA - VIA INADEQUADA - NÃO CUMPRIMENTO DAS MEDIDAS PROTETIVAS - PRISÃO JUSTIFICADA - REVOGAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA - AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL - ORDEM DENEGADA. - O rito do 'habeas corpus' não comporta o exame do mérito da ação penal. - Inteligência do artigo 313, IV, do Código de Processo Penal, necessidade de preservação da ordem jurídica.

    Verifica-se do processado que o paciente foi denunciado pelo crime de ameaça e pela contravenção de perturbação da tranquilidade, praticados no âmbito doméstico e familiar contra mulher, sendo decretada, em 24⁄8⁄09, a prisão preventiva pelo descumprimento de medida protetiva de afastamento mínimo de 90 (noventa) metros da ex-esposa.

    Sustenta ser desnecessária a imposição da custódia cautelar, por não estar, a seu ver, ameaçada a ordem pública, notadamente em se cuidando de acusado "primário e com ótimos antecedentes", requerendo a expedição de contramandado de prisão.

    Afirma que não existe prova da materialidade delitiva, visto que a denúncia estaria amparada em elementos de cognição produzidos unilateralmente pela vítima.

    Assevera, ainda, que o crime de ameaça é punido com detenção, o que corrobora a inadmissibilidade da decretação da preventiva.

    A Subprocuradoria-Geral da República opinou pelo improvimento do recurso ordinário.

    É o relatório.

    RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 27.547 - MG (2010⁄0009154-0)

    VOTO

    O SR. MINISTRO OG FERNANDES (RELATOR): Transcrevo, de início, a denúncia:

    Consta do incluso inquérito policial que, no dia 12 de maio de 2009, por volta das 13h00, na rua Alameda Vila do Conde, 7835, Bortolam, neste município e comarca de Poços de Caldas⁄MG, A. G. R., qualificado a fl. 03, ameaçou sua ex-esposa Luciana da Silva Pacheco de lhe causar um mal injusto e grave.

    Consta ainda do incluso inquérito policial que em dias e horários diversos, A. G. R., qualificado a fl. 03, vem, por acinte, perturbando a tranquilidade de Luciana da Silva Pacheco.

    Segundo restou apurado autor e vítima foram casados por cerca de seis anos, tendo um filho deste relacionamento, encontrando-se separados a aproximadamente dois anos.

    Ocorre que o denunciado, não se conformando com a separação, passou a seguir a vítima nas ruas, ligar para a mesma diversas vezes, inclusive durante a madrugada, posta-se em frente ao seu prédio, insistindo no relacionamento e perturbando sua tranquilidade.

    Apurou-se ainda que, no dia dos fatos, o denunciado telefonou para a vítima, ameaçando-a, afirmando que iria agredi-la e que "iria quebrá-la ao meio".

    Ante o exposto, denuncio a V. Exa., A. G. R. como incurso no artigo 147 do Código Penal, artigo 65 da Lei de Contravenções Penais, ambos em concurso material na forma do artigo 69 do Código penal, c⁄c artigo 7º, I, da Lei 11.340⁄06, requerendo, ainda, que r. e a. esta, seja o denunciado citado para se ver processar nos termos da legislação vigente, ouvindo-se as testemunhas abaixo arroladas e prosseguindo-se até final condenação.

    Registre-se que, ainda na fase de inquérito, foi proferida decisão, em 15⁄5⁄09, impondo ao paciente a determinação de que não se aproximasse da vítima por menos de 90 (noventa) metros, medida protetiva aplicada com base na Lei Maria da Penha. Leia-se o provimento judicial:

    Tendo em vista os documentos que instruem o presente pedido, onde o agressor visivelmente apresenta comportamento agressivo, determino as seguintes medidas:

    A proibição de que o agressor se aproxime da vítima e seus familiares ou de qualquer outra testemunha presencial ao fato narrado, no limite de 90 (noventa) metros de distância ou ainda que mantenha qualquer contato com estas pessoas por qualquer meio de comunicação.

    Expeça-se mandado, devendo constar do próprio instrumento que em sendo necessário, para garantir a efetividade do cumprimento das medidas ora determinadas, poderá o Sr. Oficial de Justiça requisitar, a qualquer momento, auxílio policial, o que deferido desde já.

    Posteriormente, a vítima, representada por advogado, ajuizou em 17⁄8⁄09, requerimento de decretação de prisão preventiva do paciente, noticiando que ele, em 25⁄7⁄09, após ter visitado o filho, na residência de seus avós, permanecera no portão da casa perturbando o sossego da família. Informou também que, no dia 16⁄8⁄09, após a vítima haver telefonado para o paciente, solicitando o retorno do filho do casal, de três anos de idade, foi tratada por ele com palavras ofensivas, dizendo que permaneceria, ao final, com a criança.

    Em audiência realizada em 24⁄8⁄09, a vítima manifestou o desejo de dar prosseguimento ao feito criminal, tendo o Juiz proferido a seguinte decisão em assentada:

    Pelo Meritíssimo Juiz de Direito foi deliberado que: tendo em vista o pleito ora formulado, suspendo as visitas do acusado ao seu filho, mesmo porque tal já fora determinado anteriormente, posto que o autor do fato não poderia se aproximar da declarante e seus familiares no limite de 90 metros. Resolução dessas visitas há que se efetivar na seara competente, Vara da Família. Em razão da desobediência às medidas protetivas decreto a prisão preventiva do autor do fato, determinando extração de cópias e encaminhamento ao Ministério Público para que ao talante averigúe instauração de processo crime por desobediência. Expedido o mandado de prisão preventiva, abra-se vista à representante do Ministério Público para que requeira o que entender pertinente em razão do pleito de prosseguimento do presente feito formulado pela vítima nesta oportunidade.

    No dia 10⁄9⁄09, o Magistrado de primeiro grau recebeu a denúncia, indeferindo o pleito de revogação da prisão preventiva nos seguintes termos:

    Em que pese os argumentos lançados pela defesa do réu, entendo que a revogação da prisão preventiva do réu no momento seria de todo inadequada e temerária.

    O requerente responde por delito grave; consta que teria ameaçado a vítima, sua ex-companheira, de causar-lhe mal injusto e grave e, ainda, de perturbar seu sossego; sua prisão preventiva foi decretada com fulcro no artigo 313, IV, do Código de Processo Penal.

    Necessário observar-se que a Lei nº 11.340⁄06 tem caráter estritamente cautelar para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, revestindo-se de características específicas que possibilitam a ação judicial imediata, visando à proteção da vítima.

    Lado outro, não obstante nosso ordenamento jurídico já contar com diploma legal específico, tenho que a existência dos requisitos da prisão preventiva insculpidos no artigo 312 do Código de Processo Penal deve preceder a segregação cautelar.

    In casu, tenho que presente a necessidade da privação da liberdade em razão da garantia da ordem pública, uma vez que restou patente que o paciente afronta a autoridade constituída no regramento social, sendo que a base da ordem pública também se apóia nas garantias individuais, no direito de viver em sociedade e não ser importunado ou tolhido do convívio pacífico, direitos estes que foram ameaçados pelo requerente em detrimento da vítima, circunstância que afasta o constrangimento sem causa.

    Portanto, consoante o disposto no artigo 312 e seguintes do Código de Processo Penal, entendo que não se encontram elementos suficientemente idôneos que autorizem a revogação da medida, indefiro o pleito defensivo restando intocável a decretação da prisão cautelar do réu por conveniência da instrução criminal, para assegurar a aplicação da lei penal diante da prova da existência do crime e suficientes indícios da autoria.

    Sem prejuízo, não vislumbrando motivos para a rejeição liminar da denúncia, nos termos do artigo 396 do Código de Processo Penal, recebo-a.

    A jurisprudência desta Corte tem proclamado que a prisão cautelar é medida de caráter excepcional, devendo ser imposta, ou mantida, apenas quando atendidas, mediante decisão judicial fundamentada (art. 93, IX, da Constituição Federal), as exigências do art. 312 do Código de Processo Penal. Isso porque a...

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