Decisão Monocrática nº 2009/0064184-5 de T3 - TERCEIRA TURMA

Número do processo2009/0064184-5
Data21 Setembro 2011
ÓrgãoTerceira Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 29.258 - SP (2009/0064184-5) RELATORA : MINISTRA LAURITA VAZ

RECORRENTE : S.P.D.M.J.

ADVOGADO : LUIZ CARLOS GALVÃO DE BARROS

RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL.

DEMISSÃO A BEM DO SERVIÇO PÚBLICO. CONDUTA QUE PODE SER TIPIFICADA COMO CRIME. CONTROLE JURISDICIONAL. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. OFENSA A ESSES

POSTULADOS. INEXISTENTE. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS ESFERAS PENAL E ADMINISTRATIVA. SENTENÇA CRIMINAL TRANSITADA EM JULGADO.

DESNECESSIDADE. PRECEDENTES. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE

SEGURANÇA A QUE SE NEGA SEGUIMENTO.

DECISÃO

Vistos etc.

Trata-se de recurso ordinário interposto por S.P.D.M.J., com fundamento no art. 105, inciso II, alínea b, da

Constituição Federal, em face de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ementado nos seguintes termos, in verbis:

"Mandado de segurança – Demissão a bem do serviço público –

Falsidade ideológica – Motorista preencheu com informações falsas a ficha de controle de tráfego – Apurada a falta funcional, pelos meios adequados (processo administrativo, sindicância ou meio sumário), o servidor fica sujeito, desde logo, à penalidade

administrativa correspondente. Segurança denegada." (fl. 123) O Recorrente, nas razões de seu recurso ordinário em mandado de segurança, alega que "o descumprimento dos deveres de zelo nos trabalhos e de mantença de conduta que dignifique a função publica, previstas no art. 241, incisos III e XIV, não enseja demissão a bem do serviço público, nos termos da Lei Estadual nº 10.261/68." (fl.

132)

Afirma que "não se concebe, portanto, à luz do princípio

constitucional da legalidade (art. 5º, inciso II) e do seu

importante consectário no campo do direito punitivo – nullum crimen, nulla poena sine lege (art. 5º, inciso XXXIX) – que venha a ser aplicada a servidor público pena de demissão a bem do serviço público quando a lei prevê para a conduta imputada penalidade mais branda." (fl. 134)

Aponta que "é flagrante, assim, a arbitrariedade da pena de

demissão, posto que prevista tão somente para outras condutas, previamente determinadas na lei, aplicada, no caso, em desobediência ao princípio da adequação da pena segundo previsão prévia, em clara infração também ao princípio da proporcionalidade, pena prevista tão-somente para condutas bem mais graves e devidamente definidas." (fl. 134)

Argumenta que "[...] não pode a Administração demitir funcionário sob o fundamento de que praticou crime contra a administração ou a fé pública sem que, antes, tenha a infração penal sido reconhecida na esfera própria." (fl. 136)

Apresentadas as contrarrazões (fls. 142/149), e admitido o recurso ordinário em mandado de segurança na origem (fl. 151), subiram os autos à apreciação desta Corte.

Instado a se manifestar, o Ministério Público Federal apresentou parecer (fls. 157/164), da lavra da Subprocuradora-Geral Maria Caetana Cintra Santos, opinando pelo desprovimento do apelo.

É o relatório.

Decido.

O Impetrante foi demitido, a bem do serviço público, do cargo de motorista do Ministério Público do Estado de São Paulo.

Aduz que foi instaurado processo administrativo disciplinar para apurar o fato de que "[...] em março de 2006, teria inserido em documentos públicos, consistentes nas fichas de controle de tráfego declaração falsa ou diversa da que nelas deviam ser escritas com o o fim de receber valores acima do devido em razão de diárias a serem pagas por viagens a Estrela D'Oeste e Paraguaçu Paulista,

empreendidas a serviço. Além disso, em abril apresentou

justificativa quanto à viagem, afirmando ter pernoitado e abastecido o veículo oficial em São José do Rio Preto e em Marília, o que não estaria de acordo com a verdade." (fl. 04)

O Relatório Final da Comissão Processante (fls. 26/64) trouxe deliberação, por maioria, pela aplicação da pena de suspensão por 90 (noventa) dias. Entretanto, o Procurador-Geral de Justiça,

autoridade responsável pela aplicação da pena, decidiu demitir o servidor público a bem do serviço público (fls. 69/80), por entender que restaram devidamente comprovadas práticas que, em tese, poderiam ser capituladas como crime previsto no art. 299 do Código Penal, qual seja, falsidade ideológica.

Com o fito de impugnar o mencionado ato administrativo, foi

impetrado mandado de segurança, ao qual o Tribunal a quo denegou a ordem.

Feita essa breve resenha fática, passo ao exame da controvérsia.

Inicialmente, no tocante aos limites da atuação do Poder Judiciário no âmbito do processo administrativo disciplinar, este Superior Tribunal de Justiça tem orientação pacificada no sentido de que a pena de demissão imposta a servidor público submetido a processo administrativo disciplinar deve encontrar fundamento em provas convincentes que demonstrem, de modo cabal e indubitável, a prática da infração pelo acusado, à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Para hipóteses desse jaez, o controle jurisdicional é amplo, no sentido de verificar se há motivação para o ato demissório, pois trata-se de providência necessária à correta observância dos

postulados de dignidade da pessoa humana, culpabilidade e

proporcionalidade, sendo descabido argumentar que a intervenção do Poder Judiciário restringir-se-ia à análise dos aspectos formais do processo disciplinar.

A propósito, confiram-se os seguintes precedentes, todos da Terceira Seção deste Tribunal, in verbis:

"SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. DEMISSÃO.

CONTROLE DE LEGALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE DE EXAME PELO PODER JUDICIÁRIO. PROPORCIONALIDADE DA PENA APLICADA.

1. Os atos administrativos comportam controle jurisdicional amplo, em especial aquele que impõe sanção disciplinar a servidor público.

Isso, porque o Judiciário, quando provocado, deve examinar a

razoabilidade e a proporcionalidade do ato, em avaliação que observe os princípios da dignidade da pessoa humana, culpabilidade e

proporcionalidade.

[...]

3. Ordem denegada." (MS 14.283/DF, 3.ª Seção, Rel. Min. JORGE MUSSI, DJe de 08/04/2011.)

"AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DEMISSÃO POR INASSIDUIDADE HABITUAL. DISCRICIONARIEDADE INEXISTENTE. CONTROLE JURISDICIONAL AMPLO. DISPOSITIVOS TIDOS COMO VIOLADOS NÃO DEMONSTRADOS NO ESPECIAL. SÚMULA 284/STF. FUNDAMENTAÇÃO AUTÔNOMA EXPOSTA NO ACÓRDÃO RECORRIDO NÃO IMPUGNADA. SÚMULA 283/STF.

AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

[....]

3. A discricionariedade não se faz presente em ato administrativo que impõe sanção disciplinar a servidor público, sendo o controle jurisdicional de tal ato amplo. Precedentes desta Corte.

4. Agravo regimental desprovido." (AgRg no REsp 808.677/RJ, 6.ª Turma, Rel.ª Min.ª M.T.D.A.M., DJe de 13/09/2010.) "RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO.

PROFESSORA ADJUNTA DO ENSINO FUNDAMENTAL DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO.

APRESENTAÇÃO DE DIPLOMA FALSO COM O OBJETIVO DE OBTER VANTAGENS FINANCEIRAS E FUNCIONAIS. DEMISSÃO. DOLO NÃO COMPROVADO.

DESCONHECIMENTO DA FALSIDADE DO DOCUMENTO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. PARECER DO MPF PELO

DESPROVIMENTO DO RECURSO. RECURSO PROVIDO, PORÉM.

1. Por força dos princípios da proporcionalidade, dignidade da pessoa humana e culpabilidade, aplicáveis ao Regime Jurídico

Disciplinar de Servidor Público e mesmo a qualquer relação jurídica de Direito Sancionador, não há juízo de discricionariedade no ato administrativo que impõe sanção a Servidor Público em razão do cometimento de infração disciplinar, de sorte que o controle

jurisdicional é amplo, não se limitando, portanto, somente aos aspectos formais. Precedente.

[....]

6. Recurso provido para anular a Portaria 135/06 – CONAE-2, da Assessora Técnica da Divisão de Recursos Humanos da Coordenadoria dos Núcleos de Ação Educativa da Secretaria de Educação do Município de São Paulo, de 20.04.2006, que demitiu a impetrante do cargo de Professora Adjunto do Ensino Fundamental I, promovendo-se sua imediata reintegração, com o pagamento dos vencimentos e cômputo de tempo para todos os efeitos legais." (RMS 24.584/SP, 5.ª Turma, Rel.

Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe de 08/03/2010.)

"RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. APRECIAÇÃO DE DOCUMENTO JUNTADO NESTA INSTÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. PRESCRIÇÃO DA AÇÃO DISCIPLINAR. NÃO-OCORRÊNCIA. ALEGAÇÃO DE AFRONTA À GARANTIA DA AMPLA DEFESA. INEXISTÊNCIA. DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. AUSÊNCIA. PRINCÍPIO PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. CONTROLE JURISDICIONAL. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. DEMISSÃO. INSUBSISTÊNCIA.

CONCESSÃO DO WRIT. EFEITOS RETROATIVOS. PRECEDENTES.

[...]

4. Em se tratando dos limites da atuação do poder judiciário no âmbito do processo administrativo disciplinar, este Superior

Tribunal de Justiça, à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, firmou orientação de que a pena de demissão imposta a servidor público submetido a processo administrativo disciplinar deve encontrar fundamento em provas convincentes que demonstrem, de modo cabal e indubitável, a prática da infração pelo acusado.

5. Em hipóteses desse jaez, não há falar em juízo de conveniência e oportunidade da Administração, argumentando-se que a intervenção do poder judiciário restringir-se-ia à análise dos aspectos formais do processo disciplinar. Na verdade, em tais circunstâncias, o controle jurisdicional é amplo, no sentido de verificar se há motivação para o ato demissório, pois trata-se de providência necessária à correta observância dos aludidos postulados.

[...]

10. Recurso ordinário provido. Segurança concedida para anular a pena de demissão imposta ao Recorrente e garantir-lhe a reintegração ao cargo, devendo os efeitos da concessão do writ retroagirem à data da publicação do ato demissório." (RMS...

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