Acórdão nº 0003265-58.2008.4.01.3300 de Tribunal Regional Federal da 1a Região, Quarta Turma, 12 de Septiembre de 2011

Magistrado ResponsávelDesembargador Federal Hilton Queiroz
Data da Resolução12 de Septiembre de 2011
EmissorQuarta Turma
Tipo de RecursoRecurso em Sentido Estrito

Assunto: Contrabando Ou Descaminho (art. 334) - Crimes Praticados por Particular Contra a Administração em Geral - Direito Penal

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO N. 0003265-58.2008.4.01.3300 (2008.33.00.003266- 6)/BA RELATOR: EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL HILTON QUEIROZ

RECORRENTE: JUSTIÇA PÚBLICA

PROCURADOR: DANILO JOSÉ MATOS CRUZ

RECORRIDO: GLÁUCO CLÉBER VALÉRIO DE JESUS

ADVOGADO: ÂNGELO MÁRCIO COSTA E SILVA

ACÓRDÃO

Decide a Turma negar provimento ao recurso em sentido estrito, à unanimidade.

4ª Turma do TRF da 1ª Região - 12/09/2011.

HILTON QUEIROZ DESEMBARGADOR FEDERAL

RELATÓRIO

O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL HILTON QUEIROZ (RELATOR):

O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra Glauco Cléber Valério de Jesus, pela prática do delito capitulado no art. 334, § 1º, alínea "c" do Código Penal (crime de descaminho). A denúncia narra o seguinte:

"Com efeito, no dia 27 de fevereiro de 2007, auditores fiscais da Receita Federal - Divisão de Repressão ao Contrabando e Descaminho - DIREP da 5ª Região Fiscal, realizaram fiscalização na sede dos Correios, nesta capital, com o fito de averiguar a regular remessa de produtos de origem estrangeira.

Durante tal operação, foi retida uma remessa postal, enviada pelo Denunciado, contendo um PALMTOP HP IPAQ RX 1955, um roteador WIRELESS D-Link DI-624 , um cartão de memória KINGSTON de 1 GB e um adaptador USB WIRELESS D- Link DWL-G122, sem as correspondentes notas fiscais (cf.

Representação Fiscal para fins penais de fls. 05/07).

Em razão disso, os citados produtos alienígenas permaneceram sob custódia da DIREP, conforme devidamente discriminado no Termo de Apreensão e Guarda Fiscal n.

0517600-00031/07, acostado à fl. 11.

As mercadorias apreendidas apresentam indicação de procedência do Japão, China e Taiwan, tendo sido apurado um valor global de R$ 1.520,00 (um mil e quinhentos e vinte reais).

Impende evidenciar, ainda, que no procedimento fiscal em comento, o Acusado, devidamente intimado para prestar esclarecimentos, não se manifestou, bem como não apresentou impugnação à apreensão da mercadoria, sendo decretada revelia e, por conseguinte, aplicada pena de perdimento (fls. 19/21).

Diante do exposto, encontra-se GLAUCO CLÉBER V. DE JESUS incurso nas penas do art. 334, § 1º, alínea 'c', do Código Penal Brasileiro, pelo que requer o Ministério Público Federal seja recebida a presente denúncia e instaurada a competente ação penal, citando-se o Denunciado para que responda à presente lide, sob pena de revelia, bem como para que acompanhe o feito até sentença penal condenatória, marcando-se, inclusive, data para o interrogatório daquele, ouvindo-se, na instrução, as testemunhas adiante arrolada." (fls. 29/30).

Examinando a peça acusatória, o magistrado de primeiro grau proferiu a seguinte decisão:

"No que diz respeito à prática, em tese, de descaminho, a hipótese é de rejeição da denúncia.

Assim o faço na esteira do entendimento que vem sendo gradativamente construído pela jurisprudência, a partir da política criminal adotada no Brasil em relação a todos os delitos de natureza fiscal, aí incluído o crime de descaminho.

O caput do artigo 334 do Código Penal (CP) descreve a conduta proibida nos seguintes termos:

'Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria'.

A segunda parte do dispositivo (com grifo) refere-se ao tipo legal do descaminho, enquanto a primeira parte tipifica o contrabando.

Especificamente quanto ao descaminho, reconheço que a jurisprudência é ainda divergente no que concerne à sua natureza jurídica, a começar pelo fato de estar tipificado em capítulo do Código Penal que trata dos crimes contra a Administração Pública, razão pela qual, entendem alguns, não seria propriamente um crime contra ordem tributária.

Diverge-se ainda sob o argumento de que o delito de descaminho visaria à proteção de outros bens jurídicos que não a mera arrecadação de tributos.

Essas divergências têm implicações na incidência ou não do regime jurídico já reconhecido aos crimes fiscais, basicamente sob dois aspectos:

i) necessidade de lançamento definitivo (prévio esgotamento da via administrativo-fiscal) como elemento objetivo do tipo penal, consoante decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF) em 10/12/2003 (HC n.

81.611-8/DF), entendimento que deu origem à Súmula Vinculante n. 24;

ii) extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo ou suspensão da pretensão punitiva em caso de parcelamento de tributo (art. 9° da Lei n.

10.684/2003).

Pois bem, após me debruçar atentamente sobre o tema, passo a tecer as seguintes considerações:

Insuficiência do argumento legal-topográfico:

O argumento legal-topográfico - o fato de o descaminho estar tipificado no Código Penal, em capítulo dos crimes contra a Administração Pública - obviamente não é suficiente a concluir que devesse merecer tratamento jurídico diferenciado dos demais crimes contra a ordem tributária.

Primeiro por uma razão meramente histórica, porque à época da edição do Código Penal de 1940 ainda não havia tipificação geral dos crimes contra a ordem tributária, existindo apenas o tipo do art. 334 referente ao contrabando e descaminho. Naquele contexto, as demais condutas violadoras da ordem tributária somente poderiam mesmo ser enquadradas como crimes contra a Administração ou ainda como estelionato ou falsidade. Com o advento da Lei n. 4.729/65, e depois com a Lei n. 8.137/90, a matéria passou a ser tratada em legislação penal específica, porém ainda assim o legislador optou por manter a tipificação do descaminho no art. 334 do CP, alterando apenas a redação da norma original.

Em segundo lugar, o referido argumento cai por terra diante do fato de que outros delitos vieram a ser também inseridos na redação do Código Penal, não obstante tenham tido o tratamento jurídico comum a todos os crimes fiscais. É o que ocorre, v.g., com o crime de sonegação de contribuição previdenciária (art.337-A do CP, introduzido pela Lei n. 9.983/2000, no mesmo capítulo dos crimes contra Administração Pública). Saliente-se que, antes da introdução deste dispositivo no Código Penal, a tipicidade da conduta se deva nos termos da referida legislação penal especial (art. 1º, inciso I, da Lei n. 8.137/90 c/c art.

95 da Lei n. 8.212/91). O mesmo se deu com o tipo penal de apropriação indébito previdenciária, que também veio a ser posteriormente introduzido no Código Penal (art.168-A).

Identidade de bens jurídicos protegidos nos crimes contra a ordem tributária:

O que se disse bem demonstra que todos os crimes fiscais inserem-se no contexto de proteção aos amplos interesses da Administração Pública, estejam eles tipificados no Código Penal ou em legislação esparsa.

E não poderia ser diferente, porque ao se buscar classificar a norma criminal com base no bem jurídico por ela tutelado, deve-se observar os elementos subjetivos do tipo penal (teoria finalista da ação), sobretudo nos chamados crimes complexos ou pluriofensivos.

O latrocínio, por exemplo, apesar de ser um crime hediondo que atinge também a vida, encontra-se tipificado no Código Penal no capítulo dos crimes contra o patrimônio (art.

157, § 3°, 2ª parte), com destaque para o elemento subjetivo do tipo, razão pela qual não vem sendo considerado como da competência do tribunal do júri (Súmula 603 do STF).

Sendo assim, ao se examinar o tipo penal do art. 334 do CP (caput, 2ª parte), vê-se que o bem jurídico tutelado é prioritariamente o mesmo dos demais crimes fiscais, ou seja, a ordem tributária em seu sentido amplo, consubstanciada no interesse da Administração Pública numa regular arrecadação de tributos para fazer frente às necessidades coletivas, bem como em aspectos extrafiscais.

Essa discussão sobre a natureza tributária do crime de descaminho é antiga no Brasil.

Ainda durante a vigência do Decreto-Lei n. 157/67 (DL 157/67), que previa regras de extinção de punibilidade em relação a todos os crimes envolvendo dívidas tributárias, o STF editou a Súmula 560 reconhecendo que o benefício haveria de ser aplicado também ao crime de descaminho, situação que só veio a ser modificada quando a Lei n.

6.910/81 revogou genericamente o benefício.

Isso demonstra que a política criminal vigente ao tempo do DL 157/67 levou em conta a identidade de bens jurídicos protegidos tanto na imputação de descaminho quanto nos crimes de sonegação tratados na Lei n. 4.729/65.

É certo que com a edição da Lei n. 8.137/90 (art. 14), seguida depois pela Lei n. 9.249/95 (art. 34) e finalmente pela Lei n. 10.684/2003 (art. 9°), restabeleceu-se no ordenamento jurídico brasileiro a possibilidade de extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo objeto do crime fiscal, porém essa nova legislação limitou-se a conceder o benefício aos acusados por crimes definidos na Lei n. 8.137/90 e nos artigos 168-A e 337-A do Código Penal, sem nada mencionar quanto ao tipo penal do art.

334.

Não obstante, parece-me que a mesma razão de tratamento isonômico que justificou a edição da antiga Súmula 560 do STF deve agora prevalecer, mormente em vista dos ditames igualitários da Carta Magna de 1988, não havendo razão jurídica para se diferenciar o descaminho e os demais crimes de natureza fiscal.

Ora, o descaminho nada mais é do que uma modalidade de sonegação fiscal especificamente relacionada a operações aduaneiras. O núcleo do tipo do art. 334 ('iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto') é exatamente o mesmo da sonegação fiscal previsto no artigo 1° da Lei n. 8.137/90 ('suprimir ou reduzir tributo').

Não se diga simplesmente que o descaminho teria um ingrediente diferencial consistente na proteção do comércio e da indústria nacional, porque o mesmo se verifica em outras situações configuradoras dos delitos tipificados na Lei n. 8.137/90, mormente quando estejam envolvidos impostos de importação e exportação, sem olvidar que a correlativa proteção de interesses extrafiscais é uma...

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