Acórdão nº HC 209333 / RJ de T6 - SEXTA TURMA

Data15 Setembro 2011
Número do processoHC 209333 / RJ
ÓrgãoSexta Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

HABEAS CORPUS Nº 209.333 - RJ (2011⁄0132665-1)

RELATOR : MINISTRO VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄RS)
IMPETRANTE : A.M.M. E OUTROS
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PACIENTE : C.H.B.N.
PACIENTE : IVAN HONORATO CARVALHO

EMENTA

HABEAS CORPUS. EXPLOSÃO. MODALIDADE CULPOSA. LESÃO CORPORAL CULPOSA. DENÚNCIA INEPTA. AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO DO CUIDADO OBJETIVO A SER RESPEITADO. DETALHAMENTO DA CONDUTA ADOTADA PELOS PACIENTES. OMISSÃO DA EXORDIAL ACUSATÓRIA. ORDEM CONCEDIDA.

  1. O Direito Penal, valendo-se do imperativo ético de que, no convívio social, todos os indivíduos devem portar-se de maneira a evitar que suas ações ou omissões causem danos aos bens jurídicos de outrem, conceitua que a inobservância deste cuidado objetivo, ao resultar em prejuízo a bens jurídicos penalmente tutelados, caracterizará a ocorrência de crime na modalidade culposa, resguardada a excepcionalidade de sua previsão, conforme a subsidiariedade e fragmentariedade da ultima ratio.

  2. Atividades potencialmente lesivas. A observância de regulamentos, normas técnicas ou o comportamento prudente e responsável na prática das referidas atividades indicam que o dever de cuidado objetivo encontra-se-á atendido.

  3. In casu, a atividade desenvolvida pelos pacientes é potencialmente lesiva, haja vista que a exploração de pedreira envolve a utilização de material explosivo e, por conseguinte, a projeção de seixos.

  4. A exordial acusatória não descreveu a regra técnica não observada ou a conduta esperada dos pacientes que restou desatendida, mas restringiu-se a dizer, simplesmente, que os acusados foram imperitos. A menção genérica de conduta imperita não atende aos reclames do moderno Direito Penal e Processual Penal, pois dificulta, sobremaneiramente, o exercício do direito à ampla defesa.

  5. A discriminação pormenorizada dos fatos é ônus que recai sobre a acusação, pois, no Estado Democrático de Direito, a especificidade daquilo que é imputado ao réu mostra-se imprescindível para o exercício de sua ampla defesa, visto que, de modo contrário, não é possível ao cidadão refutar a acusação, haja vista a largueza e a fluidez que pode assumir a imputação criminosa. O processo penal moderno, instrumento racional de formação da culpa, compromissado com a obtenção da verdade real, não pode admitir em sua estrutura atos vagos, imprecisos, ou cujo conteúdo possa dá azo ao arbítrio.

  6. No crimes de autoria coletiva está a se desconsiderar a necessidade da descrição individual da conduta de cada acusado, bastando a demonstração de vínculo entre os réus e o crime a eles imputado. Contudo, não se abre mão da descrição de conduta tipicamente criminosa, isto é, a denúncia deve expor de modo claro e preciso a conduta que o Órgão Ministerial entende ser típica, antijurídica e culpável.

  7. Na hipótese em apreço, a acusação não se desincumbiu de seu ônus, visto que não há referência à violação de qualquer norma técnica ou menção a comportamento descuidado dos pacientes, mas apenas a imputação vaga de ação imperita.

  8. Ordem concedida, a fim de trancar a ação penal, sem prejuízo do oferecimento de outra, que atenda aos requisitos legais.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Og Fernandes e S.R.J. votaram com o Sr. Ministro Relator.

    Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

    Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Og Fernandes.

    Brasília (DF), 15 de setembro de 2011(Data do Julgamento)

    MINISTRO VASCO DELLA GIUSTINA

    (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄RS)

    Relator

    HABEAS CORPUS Nº 209.333 - RJ (2011⁄0132665-1)

    RELATOR : MINISTRO VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄RS)
    IMPETRANTE : A.M.M. E OUTROS
    IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
    PACIENTE : C.H.B.N.
    PACIENTE : IVAN HONORATO CARVALHO

    RELATÓRIO

    O SENHOR MINISTRO VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄RS) (RELATOR): Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de C.H.B.N. e I.H.C., contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que denegou a ordem no Writ n. 001149811201181900, para manter o recebimento de denúncia que apura a ocorrência de delitos previstos nos arts. 251, § 3°, 129, § 6°, c.c 70, todos do Código Penal.

    Noticiam os impetrantes que os pacientes estão submetidos a constrangimento ilegal, pois a exordial acusatória não contém os elementos mínimos de admissibilidade.

    Alegam que a denúncia não individualizou as condutas.

    Sustentam que a regra técnica a ser observada não foi descrita na peça acusatória.

    Afirmam que não houve realização de perícia no local da explosão, logo não há o mínimo de suporte fático para a acusação.

    Defendem que "a denúncia viola frontalmente o disposto no art. 41 do CPP, pois que não pode, em se tratando de crime culposo, limitar-se a dizer que o denunciado agiu por imperícia, pura e simplesmente, sem dizer em que consistiu a falta de dever objetivo de cuidado revelador da modalidade de culpa preconizada. Da mesma forma, quanto à regra técnica que se diz inobservada, pois que é imperioso seja ela revelada." (fl. 6)

    Apontam que a culpa não pode ser tida como um dever genérico, mas deve ser corretamente individualizada pela demonstração da regra de cuidado inobservada na hipótese em análise.

    Enfatizam que "a denúncia, além de não revelar o que incumbia a cada um dos ora pacientes, sequer descreve qual teria sido a ação ou omissão de cada um deles para o resultado explosão e lesão corporal, que atribui genericamente a ambos." (fl. 8)

    Obtemperam que "imperícia e inobservância de regra técnica não são sinônimos. Além de se impor a definição da conduta imperita, quando se fala em inobservância de regra técnica de ofício e profissão, também é imperioso que se diga qual regra técnica foi inobservada, e a acusação não articulou um narrativa factual, sobre a qual se projetassem aquelas fórmulas e termos legais." (fl. 9)

    Salientam, ainda, que "dizer que se trata de assunto técnico a ser discutido no curso do processo estaria correto, desde que a denúncia tivesse enunciado uma conduta que se revelasse imperita ou negligente. Aí, sim, ter-se-ía uma proposta acusatória a ser apurada na instrução. Do contrário, subverte-se o devido processo legal, admitindo-se uma denúncia que menciona uma mera fórmula abstrata 'agindo com imperícia', impedindo, por completo, o exercício do direito de defesa." (fl. 10)

    Declaram que a atividade desenvolvida pelos acusados é de risco, mas permitida em lei, razão pela qual se faz necessário a existência de laudo pericial que esclareça qual o regramento inobservado in casu.

    Aduzem que "o estabelecimento do nexo de causalidade no crime culposo está na relação direta entre um atuar descuidado do agente e o resultado produzido. Por óbvio, que não se pode partir tão somente do resultado naturalístico para estabelecer uma relação causal." (fl. 11)

    Anunciam que a confecção de laudo pericial é necessária para se aferir qual a conduta geradora do delito...

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