Acórdão nº RHC 24472 / RJ de T5 - QUINTA TURMA

Data15 Setembro 2011
Número do processoRHC 24472 / RJ
ÓrgãoQuinta Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 24.472 - RJ (2008⁄0191479-7)

RELATOR : MINISTRO JORGE MUSSI
RECORRENTE : L A DE P B
ADVOGADO : CARLO HUBERTH C C E LUCHIONE E OUTRO(S)
RECORRIDO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

EMENTA

HABEAS CORPUS. QUADRILHA E CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. E-MAIL IMPUTANDO A PRÁTICA DE CRIMES. ÓRGÃO MINISTERIAL QUE REALIZA DILIGÊNCIAS PRÉVIAS PARA A APURAÇÃO DA VERACIDADE DAS INFORMAÇÕES. COLHEITA DE INDÍCIOS QUE PERMITEM INSTAURAÇÃO DE PERSECUÇÃO PENAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO.

  1. Esta Corte Superior de Justiça, com supedâneo em entendimento adotado por maioria pelo Plenário do Pretório Excelso nos autos do Inquérito n. 1957⁄PR, tem entendido que a notícia anônima sobre eventual prática criminosa, por si só, não é idônea para a instauração de inquérito policial ou deflagração da ação penal, prestando-se, contudo, a embasar procedimentos investigatórios preliminares em busca de indícios que corroborem as informações, os quais tornam legítima a persecução criminal estatal.

  2. Infere-se dos autos que o membro do Parquet que recebeu a denúncia anônima, tendo em vista a gravidade dos fatos nela contidos, teve a necessária cautela de efetuar diligências preliminares, consistentes na averiguação da veracidade das informações, oficiando aos órgãos competentes com a finalidade de confirmar os dados fornecidos no e-mail enviado à Ouvidoria, razão pela qual não se constata nenhuma ilegalidade sanável pela via do habeas corpus.

  3. Há que se ressaltar, ainda, que não houve a quebra de sigilo telefônico do recorrente em função da denúncia anônima, uma vez que dentre as providências iniciais para averiguar o que fora noticiado anonimamente, o órgão ministerial oficiou à operadora de telefonia móvel apenas para que esta fornecesse o nome do titular da linha mencionada no e-mail encaminhado à Ouvidoria.

  4. A interceptação das comunicações telefônicas do recorrente só foi pleiteada pelo Parquet e autorizada judicialmente depois do aprofundamento das investigações iniciais, quando foram constatados indícios suficientes da prática de ilícitos penais por parte dos envolvidos.

    PROCESSO PENAL PRECEDIDO DE PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO REALIZADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. ATUAÇÃO DE ACORDO COM AS ATRIBUIÇÕES INCUMBIDAS LEGAL E CONSTITUCIONALMENTE. ILEGALIDADE. INOCORRÊNCIA.

  5. De acordo com entendimento consolidado na Quinta Turma deste Superior Tribunal de Justiça, amparado na jurisprudência do Pretório Excelso, ainda que não se permita ao Ministério Público a condução do inquérito policial propriamente dito, e tendo em vista o caráter meramente informativo de tal peça, não há vedação legal para que aquele órgão proceda a investigações e colheita de provas para a formação da opinio delicti.

  6. Na hipótese, depreende-se que a denúncia foi embasada em procedimento investigatório conduzido pela 24ª Promotoria de Investigação Penal do Estado do Rio de Janeiro, a partir do qual foram colhidos diversos elementos de prova que deram azo à propositura da ação penal, não se podendo falar, portanto, em usurpação de atribuição da policia judiciária.

    ALEGAÇÃO DE FALTA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DA CONDUTA DO PACIENTE. PEÇA INAUGURAL QUE ATENDE AOS REQUISITOS LEGAIS EXIGIDOS E DESCREVE CRIME EM TESE. AMPLA DEFESA GARANTIDA. INÉPCIA NÃO VERIFICADA.

  7. Não pode ser acoimada de inepta a denúncia formulada em obediência aos requisitos traçados no artigo 41 do Código de Processo Penal, descrevendo perfeitamente a conduta típica, cuja autoria, de acordo com os indícios colhidos na fase inquisitorial, é atribuída ao paciente devidamente qualificado, circunstâncias que permitem o exercício da ampla defesa no seio da persecução penal, na qual se observará o devido processo legal.

  8. Nos crimes de autoria coletiva, embora a vestibular acusatória não possa ser de todo genérica, é válida quando, apesar de não descrever minuciosamente as atuações individuais dos acusados, demonstra um liame entre o agir dos pacientes e a suposta prática delituosa, estabelecendo a plausibilidade da imputação e possibilitando o exercício da ampla defesa, caso em que se entende preenchidos os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal. Precedentes.

  9. No caso dos autos, a peça inaugural narra adequadamente a participação do recorrente no crime de quadrilha e no delito contra a ordem tributária, explicitando que ele, fiscal de rendas, associado de forma estável com outros acusados, teria aceitado vantagem indevida, consistente em determinada quantia em dinheiro, para deixar de lançar ou lançar parcialmente tributo devido por determinada empresa.

    RECORRENTE DENUNCIADO PELA SUPOSTA PRÁTICA DO DELITO PREVISTO NO INCISO II DO ARTIGO 3º DA LEI 8.137⁄1990. PEÇA ACUSATÓRIA QUE PREVÊ A INCIDÊNCIA DA AGRAVANTE DISPOSTA NO ARTIGO 12, INCISO II, DA LEI 8.137⁄1990. IMPOSSIBILIDADE. VEDAÇÃO EXPRESSA NO TEXTO LEGAL. OCORRÊNCIA DE BIS IN IDEM. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO.

  10. Ao recorrente foi imputada a prática de crime funcional contra a ordem tributária disposto no inciso II do artigo 3º da Lei 8.137⁄1990, tendo o Ministério Público vislumbrado, ainda, a presença da agravante prevista no artigo 12, inciso II, da mencionada Lei.

  11. O próprio artigo 12 da Lei 8.137⁄1990 restringe o seu âmbito de incidência aos delitos previstos nos artigos 1º, 2º e 4º a 7º da mencionada legislação, excluindo expressamente o artigo 3º de sua abrangência.

  12. Além do óbice legal à imposição da referida agravante, observa-se que a sua cominação, no caso concreto, implicaria indevido bis in idem, já que ela se refere à qualidade de funcionário público do agente, fato que constitui elementar do crime funcional previsto no artigo 3º, inciso II, da Lei 8.137⁄1990.

  13. Desse modo, cumpre excluir da peça acusatória a cominação da agravante prevista no artigo 12, inciso II, ao delito disposto no artigo 3º, inciso II, ambos da Lei 8.137⁄1990.

    ALEGADA NULIDADE DO INTERROGATÓRIO DE CORRÉUS REALIZADO ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA EM RELAÇÃO AO RECORRENTE. ADVOGADO DE DEFESA QUE ESTEVE PRESENTE AO ATO, MAS DECIDIU DELE NÃO PARTICIPAR. INCIDÊNCIA DO ARTIGO 565 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. INEXISTÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. CONCESSÃO PARCIAL DA ORDEM.

  14. Extrai-se dos autos que a defesa do recorrente formulou pedido de adiamento do interrogatório dos demais acusados na ação penal, que restou indeferido, e, ciente da data do ato, compareceu à audiência, nela não permanecendo por decisão própria, embora sua participação tivesse sido autorizada.

  15. Por conseguinte, incide à espécie o disposto no artigo 565 do Código de Processo Penal, que preceitua que "nenhuma das partes poderá argüir nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à parte contrária interesse".

  16. Não há que se falar, portanto, em cerceamento de defesa, já que, à toda evidência, o patrono do recorrente foi informado da data do interrogatório dos demais acusados, tendo inclusive comparecido à audiência, não participando do mencionado ato processual por livre e espontânea vontade.

  17. Recurso parcialmente provido para excluir da denúncia a incidência da agravante do artigo 12, inciso II, ao delito do artigo 3º, inciso II, ambos da Lei 8.137⁄1990.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, G.D. e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.

    Impedido o Sr. Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ⁄RJ).

    SUSTENTOU ORALMENTE: DR. CARLO HUBERTH C C E LUCHIONE (P⁄ RECTE)

    Brasília (DF), 15 de setembro de 2011. (Data do Julgamento).

    MINISTRO JORGE MUSSI

    Relator

    RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 24.472 - RJ (2008⁄0191479-7)

    RECORRENTE : L A DE P B
    ADVOGADO : CARLO HUBERTH C C E LUCHIONE E OUTRO(S)
    RECORRIDO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

    RELATÓRIO

    O EXMO. SR. MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus interposto por L.A.D.P.B. contra acórdão da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que denegou a ordem nos autos do HC 2767⁄2008, mantendo a Ação Penal n. 2006.001.146801-4, em curso na 33ª Vara Criminal da comarca do Rio de Janeiro, a que o recorrente responde pela suposta prática dos delitos previstos no artigo 288 do Código Penal, e artigo 3º, inciso II, combinado com o artigo 12, inciso II, ambos da Lei 8.137⁄1990.

    Sustenta-se que o recorrente seria vítima de constrangimento ilegal, ao argumento de que a acusação que lhe está sendo imposta decorreria de delação anônima, vedada pelo ordenamento jurídico pátrio, o que ensejaria a nulidade de todo o feito.

    Alega-se a ilegalidade das investigações criminais conduzidas pelo Ministério Público, que contrariariam os artigos 129 e 144, § 4º, da Constituição Federal, dispositivos que evidenciariam a incompetência do referido órgão para realizar tais atividades.

    Aduz-se, outrossim, a inépcia da denúncia no que diz respeito ao recorrente, uma vez que a peça vestibular não narraria suficientemente as condutas a ele atribuídas, impedindo-o de se defender adequadamente.

    Afirma-se, também, que a inicial acusatória não teria descrito os elementos objetivos do tipo do artigo 3º, inciso II, da Lei 8.137⁄1990, uma vez que não haveria qualquer indicação acerca do ato de ofício praticado pelo recorrente que teria ensejado a aceitação de vantagem indevida, tampouco a prova de supressão ou cobrança parcial de tributo devido, destacando-se, ainda, a inexistência de comprovação do vínculo associativo no que diz respeito ao delito de quadrilha.

    Defende-se a inaplicabilidade da agravante prevista no artigo 12, inciso II, ao delito do artigo 3º, inciso II, ambos da Lei 8.137⁄1990, pois o próprio texto do dispositivo legal afastaria tal incidência, além do que a...

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