Acórdão nº HC 117622 / SC de T6 - SEXTA TURMA

Data20 Setembro 2011
Número do processoHC 117622 / SC
ÓrgãoSexta Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

HABEAS CORPUS Nº 117.622 - SC (2008⁄0220246-6)

RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA
IMPETRANTE : A.S.S.
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA
PACIENTE : N DA S F

EMENTA

HABEAS CORPUS. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. CONDENAÇÃO DEFINITIVA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. ART. 107, VIII, DO CÓDIGO PENAL. MATÉRIA PRECLUSA. ALEGAÇÃO NÃO COMPROVADA. PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA. DEMONSTRAÇÃO DE AUSÊNCIA DE MATURIDADE SEXUAL DA VÍTIMA. EXAME DAS PROVAS. VEDAÇÃO. ORDEM DENEGADA.

  1. Inviável a pretendida extinção da punibilidade, pela aplicação doa revogado art. 107, VIII, do Código Penal. Além de a matéria ter sido abordada somente após o trânsito em julgado da condenação, depois inclusive do julgamento da revisão criminal, indicando estar preclusa, não foram apresentadas provas idôneas a comprovar a causa extintiva. A Defesa limitou-se a juntar uma declaração em que a vítima supostamente atestaria estar vivendo em união estável. Tal documento não é hábil a levar à extinção da punibilidade em sede de habeas corpus.

  2. Independentemente da discussão acerca de ser absoluta ou relativa a presunção de violência se a vítima for menor de 14 (catorze) anos, o certo é que as instâncias originárias, analisando as provas constantes dos autos, concluíram que a vítima não possuía maturidade sexual e, consequentemente, não poderia consentir ao ato libidinoso, conclusão impossível de ser alterada na via estreita do mandamus.

  3. Habeas corpus denegado.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça: "A Turma, por unanimidade, denegou a ordem de habeas corpus, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora." Os Srs. Ministros Og Fernandes, S.R.J. e V.D.G. (Desembargador convocado do TJ⁄RS) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

    Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

    Brasília, 20 de setembro de 2011(Data do Julgamento)

    Ministra Maria Thereza de Assis Moura

    Relatora

    HABEAS CORPUS Nº 117.622 - SC (2008⁄0220246-6)

    RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA
    IMPETRANTE : A.S.S.
    IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA
    PACIENTE : N DA S F

    RELATÓRIO

    MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA:

    Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de N DA S F, apontando-se como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (HC nº 07.000802-1).

    Noticiam os autos que o paciente foi condenado à pena de 7 anos e 6 meses de reclusão, no regime semiaberto, pela prática do crime de atentado violento ao pudor, presumindo-se a violência em razão da tenra idade da vítima, por fato ocorrido em 29.5.1999.

    Irresignada, a defesa interpôs recurso de apelação, ao qual foi negado provimento pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. O trânsito em julgado do acórdão ocorreu em 13.12.2004. Extrai-se do acórdão (fls. 186⁄187):

    Efetivamente, a jurisprudência é majoritária no sentido de que a presunção de violência é relativa, podendo ser afastada quando existir prova concreta da maturidade e experiência da Vítima, o que, como já demonstrado, não é o caso dos autos.

    O Apelante afirmou que o entendimento doutrinário e jurisprudencial modernos exigem a presença de constrangimento na conduta do agente para a configuração do delito, entretanto trouxe apenas arestos que demonstram não ser a presunção de violência absoluta.

    Ora, nenhuma das ementas relacionadas atestou a necessidade de comprovação da existência de constrangimento da vítima, até porque tal afirmação seria um contra-senso à própria dicção do art. 224, "a", do CP

    De fato, o fundamento da presunção de violência constante neste dispositivo legal é a innocentia consilii do ofendido: a lei reputa inválido o consentimento de certas pessoas em razão da condição etária ou mental em que se encontram, ou presume seu dissenso nas hipóteses em que não podem oferecer resistência. Presumida a violência, equiparam-se, para efeitos de punição, as hipóteses em que o consentimento é considerado irrelevante e aquelas em que há a efetiva resistência da vítima.

    E isso se deu justamente diante do entendimento de que as pessoas menores de quatorze anos não possuem maturidade suficiente para compreender os fatos sexuais e assim poder aquiescer livremente sobre eles.

    Dissertando sobre o tema, colhe-se das ensinanças de Magalhães Noronha:

    "(...) Tomou o legislador como base completa insciência dos fatos sexuais e a impossibilidade de consideração quanto aos efeitos por eles produzidos. Considerou que abaixo desse limite não é dado ao agente valer-se da aquiescência do menor, tido como incapaz de querer, impossibilitado de livre aceitação desse ato que desconhece e, assim,'pelo inciso em apreço, a lei pune o agente, tendo em vista não poder ele ignorar ser o menor protegido no pudor e nos costumes e que, pela própria impossibilidade de eficazmente se defender, a ação criminosa contra ele avulta no caráter anti-social e abjeto." (in "Direito Penal", 24a ed„ ed. Saraiva, 1999, v. 3, p. 180-181).

    Ora, como no presente feito restou evidenciada a imaturidade da Ofendida, a presunção de violência permanece, não se cabendo discutir se a vítima permitiu ou não a prática dos atos, tampouco se ela gostou deles ou não.

    A par dessas constatações, conclui-se que o delito restou plenamente configurado, não pairando dúvida que o Apelante realmente praticou os atos descritos na exordial acusatória.

    Em sede de revisão criminal, afastou-se a causa de aumento de pena em razão do paciente ser casado, prevista no inciso III do artigo 226 do Código Penal, revogado com o advento da Lei n. 11.106⁄05, redimensionando-se a reprimenda que lhe foi imposta para 6 anos de reclusão. Tira-se do aresto (fls. 228⁄229):

    Melhor sorte não socorre ao recorrente quanto ao segundo argumento. Realmente, há na jurisprudência posição no sentido que a presunção de violência deve ceder, ante prova inequívoca, acerca do desenvolvimento mental da ofendida, mormente em coisas relacionadas a sexo, que pese ser menor de quatorze anos. Por evidente, não é a hipótese dos autos, consoante assentado no acórdão, "pois trata-se de criança com apenas doze anos de idade, sem maturidade para entender o que está fazendo, tanto que a afirmação feita por ela de que não seria mais virgem foi afastada pelo laudo pericial (fl. 09), que atestou inexistir rompimento do hímen, nada sendo constatado a respeito de que tivesse hímen complacente, o que vem a confirmar mais uma vez que a falta de conhecimento sobre o assunto fez pensá-la que algum ato que tenha praticado com um menino lhe ocasionou a perda da virgindade, situação inclusive muito comum em regiões interioranas onde as informações sobre sexo e virgindade são raras, quando não simplesmente inexistentes".

    Aduz o impetrante que, durante a instrução da ação penal deflagrada em desfavor do paciente, a vítima passou a conviver em sociedade de fato com W.L. daC. a partir do ano de 2001. Sustenta, por esta razão, que seria aplicável a causa de extinção da punibilidade prevista no já revogado inciso VIII do artigo 117 do Código Penal, mesmo depois de ocorrido o trânsito em julgado da sentença condenatória.

    Alega que a Constituição Federal equipara a união estável ao casamento, conforme o disposto no seu artigo 226, § 3º, asseverando que, à época da prolação da sentença condenatória, em 01.09.03, tal relacionamento já era de notório conhecimento na comunidade em que vivem, sendo certo que desta nasceram duas crianças, trazendo aos autos as respectivas certidões de nascimento.

    Sustenta que a revogação da aludida causa de extinção da punibilidade pela Lei n. 11.106⁄05 não seria óbice à sua aplicação no caso em tela, tendo em vista o princípio da ultratividade da lei penal mais benéfica.

    A alegação foi objeto de anterior habeas corpus impetrado perante o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, cuja ordem foi denegada. Colhe-se do acórdão objurgado os seguintes excertos (fls. 358⁄361):

    A ordem é denegada, nos termos da fundamentação exposta no parecer do Dr. Raul Schaefer Filho, que ora é adotada como razão de decidir:

    "O instrumento constitucional do habeas corpus é meio idôneo para ver declarada a extinção da punibilidade em qualquer das suas modalidades, ainda que pedido idêntico tenha sido submetido ao Juízo de primeiro grau, da execução, porquanto de restrição à liberdade se trata a hipótese.

    "Contudo, data maxima venia, merece, in casu, a ordem ser denegada.

    "Tem entendido a doutrina pátria, não discrepando os pretórios, que o surgimento da causa extintiva da punibilidade - art. 107 do CP ou disposições específicas - pode configurar constrangimento ilegal, sendo imperioso, entretanto, pôr a lume tal circunstância, com clara demonstração e comprovação. No caso de writ constitui-se ônus do impetrante.

    "Pois bem, concessa venia, o documento no qual se embasa a impetração para afirmar a, em tese, existência de causa extintiva de punibilidade, no caso sub judice, é imprestável, haja vista que se trata de precária declaração unilateral, sem qualquer revestimento de formalidade (fl. 225). Até se torna possível considerá-lo, em admissão, como começo de prova, todavia, não em sede de mandamus, que rechaça dilação nesse sentido.

    "Assim não fora, encontraria óbice eventual prospero na marcação da doutrina e da jurisprudência, como in exemplis: REGIS PRADO - 'o casamento da vítima com terceiro deve ser cumpridamente provado através da certidão matrimonial' (cfe. p. 455, Comentários ao Código Penal, RT, 2a edição) e NUCCI - 'comprova-se o casamento somente através de certidão, não valendo a excludente para outro tipo de união' (cfe. p. 288, Código Penal Comentado, RT, 2000).

    "'Recurso em sentido estrito - Crime contra os costumes - Sedução - União estável da vítima com terceiro - Equiparação ao casamento - Extinção da punibilidade com fulcro no art. 107, VIII, do CP - Impossibilidade - Necessidade de casamento devidamente formalizado - Recurso provido.

    "'1 -...

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