Decisão Monocrática nº 2011/0039611-5 de T1 - PRIMEIRA TURMA

Data10 Outubro 2011
Número do processo2011/0039611-5
ÓrgãoPrimeira Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 3.489 - RS (2011/0039611-5)

RELATORA : MINISTRA LAURITA VAZ

AGRAVANTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL AGRAVADO : P M DE S (PRESO)

ADVOGADO : HELENA MARIA PIRES GRILLO - DEFENSORA PÚBLICA E OUTROS AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO PENAL. FALTA GRAVE. FUGA.

NULIDADE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR POR VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO. NULIDADE RELATIVA. AUSÊNCIA DE ARGUIÇÃO DA PARTE SUPOSTAMENTE PREJUDICADA E DE DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO.

DEFESA TÉCNICA NO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR.

PRESCINDIBILIDADE. AGRAVO CONHECIDO PARA DAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL.

DECISÃO

Vistos etc.

Trata-se de agravo interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, contra decisão do Tribunal de Justiça local, que indeferiu o processamento de recurso especial fundamentado na alínea a do permissivo constitucional.

Infere-se dos autos que o Agravado foi condenado à pena reclusiva de 16 (dezesseis) anos e 8 (oito) meses, pelos crimes de roubo e de estupro tentado.

No curso da execução criminal n.º 57731788, foi instaurado processo administrativo disciplinar em desfavor do Agravado, para apurar falta grave consistente em fuga. O procedimento foi homologado pelo Juízo das Execuções, sendo determinada a regressão ao regime

fechado, a alteração da data-base e a perda integral dos dias remidos (fl. 23).

Contra essa decisão, a Defesa interpôs o agravo em execução n.º 70037698685, que foi provido para declarar a nulidade do processo administrativo disciplinar e, por conseguinte, afastar a falta grave e os demais efeitos dela decorrentes. O acórdão foi assim ementado: "Execução penal. Falta grave. Nulidades do PAD. 1. Dúvida quanto ao cumprimento do prazo mínimo de três dias entre a cientificação da imputação e o interrogatório do apenado (Art. 23, I, RDP/RS, Dec. nº 46.534, de 04.08.2009). 2. Defesa do apenado no procedimento

administrativo disciplinar (PAD) a cargo de profissional que não é advogado, nem defensor público Inaplicabilidade da Súmula Vinculante nº 5 do STF. Violação da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal. Nulidades admitidas. Falta grave afastada.

Insubsistente a decisão hostilizada e cassados seus efeitos.

Agravo provido. Unânime." (fl. 60)

Irresignado, o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul interpôs recurso especial, alegando negativa de vigência ao art. 563 do Código de Processo Penal e contrariedade aos arts. 50, inciso II, e 59 da Lei de Execução Penal, sob o argumento de que foi

reconhecida a nulidade do processo administrativo disciplinar sem que houvesse comprovado prejuízo à Defesa. Sustenta que eventuais irregularidades restaram supridas quando da homologação do

procedimento pelo Juízo das Execuções, que procedeu à oitiva do Apenado na presença de Defensor Público, em obediência aos

princípios da ampla defesa e do contraditório. Inclusive, aduz que a parte interessada não arguiu a suposta nulidade.

Expõe, ainda, os seguintes argumentos:

"Em primeiro lugar, importante consignar que, no caso dos autos, o apenado - ora recorrido, foi notificado acerca do PAD e neste ouvido a respeito da imputação (empreendeu fuga do estabelecimento

prisional), oportunidade em que foi assistido pelo Técnico Superior Penitenciário - Advogado, Baltazar Marinho (Termo de Audiência de fl. 10 e defesa escrita das fls. 11-2).

De outro modo, não há nenhuma exigência no ordenamento jurídico brasileiro que obrigue o defensor a ser inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil. Logo, perfeitamente válida a defesa técnica levada a termo por assessor jurídico do presídio.

Logo, indubitável que foram asseguradas ao apenado, durante a tramitação do PAD todas as garantias concernentes ao exercício de sua ampla defesa.

Não bastassem tais circunstâncias, cumpre mencionar que somente constitui nulidade do procedimento disciplinar a ausência de prévia intimação do condenado quanto à imputação ofertada, ou a

inexistência de sua oitiva pessoal, o que, como já salientado, foi atendido no presente feito. Destarte, presentes tais requisitos, assegurada está a defesa do recorrido." (fl. 90)

Assim, requer o afastamento da nulidade declarada pelo acórdão recorrido e a remessa do feito ao Tribunal de origem, para que examine o mérito do agravo em execução.

O Tribunal a quo negou seguimento ao recurso, com fundamento nas Súmulas n.ºs 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal. Ademais,

consignou que não foi demonstrada qualquer ofensa à legislação infraconstitucional, tendo em vista que, no caso dos autos, não foi assegurada a ampla defesa e o contraditório no procedimento

administrativo disciplinar, o que acarreta a sua nulidade.

Insurge-se o Agravante contra essa decisão, pleiteando o

conhecimento do agravo e o provimento do recurso especial.

Contraminuta às fls. 179/182.

Instado a se manifestar, o Ministério Público Federal opinou pelo provimento do agravo (fls. 201/206).

É o relatório.

Decido.

De início, verifica-se a tempestividade do especial, o cabimento de sua interposição com amparo no permissivo constitucional, o

interesse recursal, a legitimidade, a exposição da suposta

contrariedade a dispositivo legal e o prequestionamento.

Passo à análise do mérito.

O Tribunal a quo reformou a decisão do Juízo das Execuções, nos seguintes termos:

"Com a vênia da Colega singular, tenho nulo o procedimento

disciplinar que apurou a falta grave.

Dou as razões.

Um, embora tenha o agravante sido cientificado das acusações objeto do PAD, não registra o documento de fls. 09 a data em que tal aconteceu, pelo que impossível verificar se a notificação

realizou-se com antecedência mínima de 03 (três) dias da audiência de interrogatório, como determina o artigo 23, inciso I, do

Regimento Disciplinar Penitenciário/RS (Decreto nº 46.534, de 04 de agosto de 2009, publicado no DOE nº 148, de 05 de agosto de 2009), situação que desatende (no mínimo, faz duvidosa) as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, daí a nulidade.

A matéria, em ocasião anterior, quando ainda vigente a redação do artigo 23, inciso I, do Regimento Disciplinar Penitenciário do Estado, aprovado pela Portaria SJS n.º 014/2004 - exigia entre os atos intervalo não inferior a 05 (cinco) dias -, já foi apreciada na Câmara, motivo pelo qual, a evitar inútil tautologia, estou

agregando ao voto, como razões de decidir, os fundamentos trazidos pelo Des. Amilton Bueno de Carvalho, no Agravo n.º 70015295314, julgado 05/07/2006, que transcrevo no que pertinente:

'...A jurisdicionalização da execução da pena impõe uma nova postura diante do processo de execução penal, postura esta consentânea com os direitos e garantias fundamentais. Busca-se afastar o caráter 'administrativizado' da execução da pena, para se ter em foco um verdadeiro processo de execução, fulcrado nos princípios que regem um processo penal democrático e humanista.

Neste sentido, a Constituição da República, em seu art. 5º, LV, assegura o contraditório e a ampla defesa, inclusive no âmbito administrativo como do PAD:

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Com efeito, a ampla defesa impõe que se dê ciência ao acusado acerca da imputação em um prazo razoável entre esta notificação e a oitiva do mesmo perante a autoridade administrativa. Não há defesa efetiva se o apenado não tem tempo de contatar com seu defensor, seja constituído ou nomeado.

Somente a prévia ciência do fato possibilita, inclusive, que o apenado contrate um advogado para atuar na sua defesa, o que se torna impossível quando tudo se dá no mesmo dia (quem sabe até no mesmo ato). Além disso, este prazo razoável permite que advogado e constituinte possam estabelecer o rumo/estratégia da defesa, ao possibilitar que o imputado seja eficientemente instruído e que o técnico possa eficazmente atuar.

Em suma, a intimação e oitiva do acusado na mesma data é o retorno ao medievo, em que a prática inquisitorial levava o acusado a julgamento sem que o mesmo tivesse conhecimento da acusação contra si pendente e sem prévio contato com seu defensor.

Neste compasso, a Câmara vem decretando a nulidade de processos criminais em que a citação do réu se dá no mesmo dia da audiência judicial de interrogatório:

'Processual penal. interrogatório. ausência de citação. prazo necessário ao exercício da defesa. nulidade.

A ausência de citação retira do acusado a possibilidade de

defender-se da imputação articulada pelo órgão acusador. Um prazo mínimo razoável entre a citação e o interrogatório é intrínseco à garantia constitucional da ampla defesa, ainda que carente de previsão legal. Precedentes desta Corte.

Decretaram a nulidade do feito, a partir dos interrogatórios

(unânime).' (Apelação crime n.º 70011117033, Quinta Câmara Criminal, TJRS, Rel. Des. Amilton Bueno de Carvalho, j. 14/09/2005).

Afora estas ponderações de ordem constitucional, o Regimento

Disciplinar Penitenciário do Estado (Portaria SJS n.º 014/2004) é expresso ao estabelecer o prazo mínimo de cinco dias entre a

cientificação da acusação e a audiência de interrogatório:

'Art. 23. Os atos do Conselho Disciplinar orientar-se-ão pelos princípios da oralidade, informalidade, economia processual,

celeridade e ampla defesa, observando-se o seguinte rito:

I - instaurado o Procedimento Disciplinar, o apenado deverá ser cientificado das acusações a ele imputadas e da data da audiência de interrogatório, instrução e julgamento, a ser realizada num prazo não inferior a 05 (cinco) dias [reduzido a 03 (três) dias, pela redação aprovada pelo Decreto nº. nº 46.534/09]. Tal ciência será colhida no Termo de Ocorrência, cuja cópia ficará, desde já, a disposição do apenado e da defesa;'

Assim, como a audiência de interrogatório foi realizada na mesma data da ciência da acusação, nulo é o PAD, com o que não há falta grave...”

Dois, o Colendo Supremo Tribunal Federal, por sua Segunda...

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