Acórdão nº APn 603 / PR de CE - CORTE ESPECIAL

Data12 Maio 2011
Número do processoAPn 603 / PR
ÓrgãoCorte Especial (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

AÇÃO PENAL Nº 603 - PR (2009⁄0217399-2) (f)

RELATOR : MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA
R.P⁄ACÓRDÃO : MINISTRO CASTRO MEIRA
AUTOR : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RÉU : M F L
ADVOGADOS : MÁRIO FERREIRA LEITE (EM CAUSA PRÓPRIA)
BRUNA DE FARIAS FERREIRA LEITE

EMENTA

PENAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. CRIMES CONTRA A HONRA. DIFAMAÇÃO. ART. 139 DO CÓDIGO PENAL. DOLO ESPECÍFICO. AUSÊNCIA. JUSTA CAUSA. INEXISTÊNCIA. DENÚNCIA REJEITADA.

  1. Para a configuração do crime de difamação é mister a existência de dolo específico (animus difamanddi), consistente no desejo de macular a honra do ofendido.

  2. Inexistindo justa causa para a ação penal, ante a ausência do elemento subjetivo do tipo, há de ser rejeitada a denúncia.

  3. Denúncia rejeitada. Voto vencido do relator no sentido de que o exame da atipicidade subjetiva deve ser melhor apurado no curso da ação penal.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Castro Meira rejeitando a denúncia, e os votos dos Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, Massami Uyeda, Humberto Martins, Cesar Asfor Rocha, Felix Fischer, G.D., N.A. e Laurita Vaz, no mesmo sentido, a Corte Especial, por maioria, rejeitou a denúncia. Vencido o Sr. Ministro Relator. Lavrará o acórdão o Sr. Ministro Castro Meira.Votaram com o Sr. Ministro Castro Meira os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, Massami Uyeda, Humberto Martins, Cesar Asfor Rocha, Felix Fischer, G.D., N.A. e Laurita Vaz. Não participou do julgamento o Sr. Ministro Francisco Falcão. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Eliana Calmon, João Otávio de Noronha, T.A.Z. e Maria Thereza de Assis Moura.

    Brasília, 12 de maio de 2011(data do julgamento)..

    Ministro Ari Pargendler

    Presidente

    Ministro Castro Meira

    Relator

    AÇÃO PENAL Nº 603 - PR (2009⁄0217399-2)

    RELATOR : MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA
    AUTOR : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
    RÉU : M F L
    ADVOGADO : MÁRIO FERREIRA LEITE (EM CAUSA PRÓPRIA)

    RELATÓRIO

    O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA:

    J.G.G.R. representou contra M.F.L., ambos procuradores regionais da República, pela prática da conduta prevista no art. 139, c⁄c o art. 141, II e III, do Código Penal.

    O querelante afirma que, no exercício de sua função – procurador chefe –, designou o querelado para acompanhar os Autos n. 2007.70.01.007584-4, em curso no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, a fim de que oferecesse denúncia pela prática de descaminho, pois a anteriormente apresentada (com promoção de arquivamento) pelo procurador que acompanhava o caso fora recusada pelo Tribunal.

    Informa que a designação do querelado ocorreu porque, na ordem de distribuição de feitos, era a sua vez. Nada obstante, esse recusou o encargo, dando-se por suspeito, uma vez que tinha entendimento contrário, isto é, no sentido de que a hipótese era de aplicação do princípio da insignificância.

    Tal recusa ensejou a instauração de processo disciplinar, uma vez que é entendimento assente no âmbito da Corregedoria do Ministério Público Federal que não cabe ao membro do Ministério Público discutir ou recusar a designação, já que age sob delegação do chefe da instituição. De tudo foi notificado o Corregedor-Geral daquele órgão.

    Em razão dos fatos relatados, o querelado, utilizando-se de endereço eletrônico do qual todos os membros do Ministério Público Federal dispõem (membros@mpf.gov.br), divulgou texto denominado “Os Intocáveis. O caráter. A vendicta. A (in) parcialidade e o livre convencimento” (sic).

    Nessa mensagem, anuncia o querelado sentir-se “vítima” de perseguição, uma vez que estaria sendo alvo de “movimento (...) orquestrado a fim” de lesá-lo. Confira-se:

    “Quer se punir um membro porque ele atua, funcionalmente, com independência, porque critica, porque num apoia e ACIMA DE TUDO, PORQUE INGRESSOU COM UMA ACP CONTRA O PGR E O PROCURADOR-CHEFE NO PARANÁ, que, para minha decepção, não teve profissionalismo, isenção e equilíbrio para entender que se estava questionando um ato administrativo, como fazemos, as dúzias, com qualquer outro servidor ou agente público” (sic).

    Expõe que responde a alguns processos disciplinares (pois refere-se a “a mais um” processo disciplinar) e que “ninguém deveria ser compelido a atuar contra sua convicção”.

    Vindo os autos a esta Corte e aberta vista ao Ministério Público Federal, esse órgão ofereceu denúncia pela prática do crime de difamação, principalmente em razão do final da correspondência, em que o denunciado afirma que o denunciante, J.G.G.R., procurador chefe, não comparecia à Procuradoria, pois exercia outras atividades remuneradas que demandavam disposição de tempo e que tal fato não era contestado porque se tratava de pessoa com influência política no órgão ministerial. Escreveu o querelado:

    “O pior de tudo é que esse mesmo Procurador-chefe, até bem pouco tempo atrás, mal comparecia na PR, ante suas múltiplas atividades no magistério. Era professor na capital, diretor de departamento, professor no interior, mas tem bom diálogo, boa política, está junto à cúpula (...) Pena que esses poderes sejam terrenos e passageiros (...)” (sic).

    Na denúncia oferecida, o Ministério Público Federal assim se manifesta:

    “2.3. É falsa a assertiva do denunciado, segundo a qual o Procurador da República então chefe daquela procuradoria e ora vítima J.G.G.R., até bem pouco tempo atrás, mal comparecia na Procuradoria, devido às suas atividades acadêmicas. A verdade é que a vítima sempre conciliou suas atividades acadêmicas, inclusive o exercício da vice-diretoria de um setor da instituição universitária em que lecionava, com as atividades de membro do Ministério Público Federal e chefe da Procuradoria da República naquele estado, ali comparecendo assiduamente.

    O denunciado emitiu tais declarações, com alcance a todos os membros do Ministério Público Federal, movido por animus difamandi, com o propósito de causar dano ao conceito funcional da vítima, patrimônio moral adquirido ao longo de quase vinte anos de ministério público” (fl. 39⁄40).

    Mário Ferreira Leite apresentou defesa preliminar, sustentando o seguinte:

    incompetência deste Tribunal para conhecer e processar o feito originariamente, porquanto, quando dos fatos, estava de licença médica;

    inépcia da denúncia; e

    falta de justa causa para a ação penal, pois as assertivas em relação ao denunciante são verídicas, uma vez que consta de seu curriculum, disponibilizado na internet, que tem vínculo com duas faculdades distintas (Universidade Federal do Paraná e Universidade Paranaense – Unipar), comprometendo-se com o trabalho semanal de 40 horas em cada uma, além de exercer outros cargos.

    Afirma-se injustiçado por ter respondido a outros processos disciplinares e, ao final, sustenta que não há animus injuriandi vel diffamandi, uma vez que apenas se limitou a narrar fatos públicos disponibilizados pela vítima na internet.

    Apresentou, então, exceção da verdade, autuada nesta Corte sob o n. 56, que está suspensa enquanto se aguarda decisão sobre o recebimento ou não da denúncia.

    Em manifestação sobre a resposta apresenta pelo denunciado, o Ministério Público reiterou os termos da denúncia.

    Determinei que o Ministério Público se manifestasse sobre a possibilidade de suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89 da Lei n. 9.099⁄1995, mas o denunciado, à fl. 292, antecipou-se, informando que não tem interesse em tal benefício.

    É o relatório.

    AÇÃO PENAL Nº 603 - PR (2009⁄0217399-2)

    EMENTA

    PROCESSUAL PENAL. CRIMES CONTRA A HONRA. REPRESENTAÇÃO CRIMINAL. DENÚNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. DELITO DE DIFAMAÇÃO. JUÍZO DE DELIBAÇÃO.

  4. Imputação de fatos que desabonem a vítima perante os demais membros da instituição em que atua profissionalmente configura, em tese, o crime de difamação se presente a intenção de macular a imagem, atingindo a reputação profissional. Presente tal situação na peça de acusatória, apta se encontra à instauração da ação penal.

  5. Para a configuração do tipo objetivo da difamação, não é necessária a autenticidade do fato alegado, podendo ser verdadeiro ou falso. Portanto, a veracidade do fato imputado à vítima não impõe a rejeição da denúncia por falta de justa causa.

  6. A denúncia que atende os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal – na qual esteja exposto o fato apontado como delituoso, bem como as circunstâncias, a classificação do crime e a qualificação do acusado – não é inepta, permitindo, pois, ao denunciado o pleno exercício de sua defesa, como assegurado constitucionalmente.

  7. Denúncia recebida.

    VOTO

    O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA (Relator):

    Trata-se de representação feita por J.G.G.R. com fulcro no art. 105, inciso I, alínea "a", da Constituição Federal, contra M.F.L., ambos procuradores regionais da República, sustentando a ocorrência do delito de difamação, previsto no art. 139, c⁄c art. 141, II e III, do Código Penal.

    Conforme consta do relatório aqui desenvolvido, o denunciado, em razão de ver-se às voltas com um processo disciplinar instaurado pela recusa em acompanhar e oferecer denúncia nos Autos n. 2007.70.01.007584-4, em curso no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, embora designado pelo procurador chefe para que o fizesse, divulgou, em 15 de julho de 2009, no endereço eletrônico de uso do Ministério Público Federal, mensagem em que se coloca na condição de vítima de perseguição, indicando a existência de “um movimento orquestrado” para lesá-lo. Afirma:

    Â“É com grande pesar que mais uma vez venho noticiar atos de perseguição pessoal.

    Indiscutivelmente estamos diante de um movimento, ao menos na época de sua origem, orquestrado a fim de lesar o signatário. Se a folha cai da árvore é falta deste membro, não é o outono a anunciar o inverno é próprio inverno em outra estação. Se a folha fica na árvore é falta deste membro, não é a primavera a anunciar o perfume das flores, o canto dos pássaros, depois de uma fria estação.

    Recebi, nesta...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT