Acórdão nº HC 197550 / PE de T5 - QUINTA TURMA

Número do processoHC 197550 / PE
Data04 Outubro 2011
ÓrgãoQuinta Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

HABEAS CORPUS Nº 197.550 - PE (2011⁄0032665-6)

RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE
IMPETRANTE : R.T.
IMPETRADO : TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5A REGIÃO
PACIENTE : JOÃO MARCOS POZZETI

EMENTA

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. FALSIDADE IDEOLÓGICA E USO DE DOCUMENTO FALSO. INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL. INOCORRÊNCIA. ALEGADA VIOLAÇÃO AO PRINCIPIO DA CORRELAÇÃO. INEXISTÊNCIA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. DESNECESSIDADE DA DISCUSSÃO. ORDEM DENEGADA.

  1. A conduta do paciente foi narrada na inicial acusatória de forma satisfatória, em observância ao art. 41 do Código de Processo Penal, com todos os elementos e circunstâncias necessários à caracterização dos delitos, não havendo demonstração de qualquer prejuízo ao perfeito exercício do contraditório e ampla defesa.

  2. A ausência de indicação das datas específicas em que praticados os crimes não constitui vício insanável da denúncia, quando possível contextualizar, pelas informações constantes da inicial, o período em que se deram os fatos, permitindo a contagem do lapso prescricional, como no caso.

  3. Há perfeita correspondência entre os fatos reconhecidos na sentença e aqueles imputados ao réu na inicial acusatória, não se observando qualquer alteração de ordem subjetiva, ou referente ao momento consumativo, mantendo-se na sentença todas as circunstâncias do delito descritas pela acusação, o que afasta a alegação de ofensa ao princípio da correlação, tendo o magistrado corretamente se valido do instituto da emendatio libelli.

  4. Desnecessária a discussão sobre a aplicação do princípio da consunção entre o crime de falsidade ideológica e uso de documento falso, pois apesar da condenação sobre o falsum constar da fundamentação, o certo é que da parte dispositiva da sentença - não embargada e já transitada em julgado para a acusação -, somente consta o crime de uso de documento falso, tanto que foi substituída a pena nos termos do art. 44 do CP, o que seria impossível se efetivamente cumuladas as reprimendas, pois ultrapassariam o patamar de 4 anos de reclusão.

  5. Ordem denegada. Habeas corpus concedido de ofício apenas para reduzir a pena de multa imposta ao paciente a 13 dias-multa, mantidas as demais cominações da sentença condenatória.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, denegar a ordem e conceder Habeas Corpus de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

    Os Srs. Ministros Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ⁄RJ), Gilson Dipp, Laurita Vaz e Jorge Mussi votaram com o Sr. Ministro Relator.

    Brasília (DF), 04 de outubro de 2011 (data do julgamento).

    MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE

    Relator

    HABEAS CORPUS Nº 197.550 - PE (2011⁄0032665-6)

    RELATÓRIO

    O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE:

    Cuida-se de habeas corpus impetrado em favor de J.M.P., apontada como autoridade coatora o Tribunal Federal da 5ª Região.

    Colhe-se dos autos que o paciente foi condenado à pena de 3 anos e 1 mês de reclusão, em regime aberto, e 26 dias-multa, como incurso nos artigos 299 (falsidade ideológica) e 304 (uso de documento falso), do Código Penal, havendo o Tribunal de origem, em sede de apelação, mantido integralmente a sentença condenatória.

    Sustenta o impetrante, inicialmente, ser inepta a inicial acusatória, ante a ausência de descrição da data do fato tido como delituoso, o que prejudicaria a contagem do prazo prescricional. Aduz que a denúncia não dedicou um parágrafo sequer para dizer "quando teriam sido cometidos os crimes atribuídos ao paciente, nem quando ele falsificou, materialmente e ideologicamente, os documentos, nem a data do uso de tais" (fl. 6), impossibilitando-lhe o exercício da ampla defesa.

    Aduz que o documento indicado pelo parquet não é o constante nos autos, não se podendo "adivinhar" quando foi realizado o suposto crime.

    Alternativamente, alega que há nulidade no processo, consistente na violação ao princípio da correlação entre acusação e sentença, pois o Ministério Público o denunciou pelo suposto cometimento de falsificação de documento particular e público (no art. 297 do Código Penal) e falsidade ideológica (art. 299 do Código Penal), vindo a sentença a condená-lo por outro crime, qual seja, uso de documento falso.

    Enfatiza que em "nenhum momento a denúncia do MPF faz menção de que o paciente fez uso de documento falso" (fl. 10), devendo ser cassada a sentença condenatória, que não se utilizou da regra da mutatio libelli, prevista no art. 384 do CPP.

    Busca, por fim, também alternativamente, seja reconhecida nulidade na sentença, por haver condenado o paciente em concurso material pelos crimes de falsidade ideológica e uso de documento falso, quando, na verdade, pelo princípio da absorção, o paciente só poderia ser condenado por um dos delitos.

    Requer, assim, que remanesça a condenação por apenas um crime, baixando-se os autos à instância de 1º grau para fixação da pena pertinente.

    Solicitadas informações, foram prestadas pela autoridade coatora às fls. 125⁄143.

    Instada a se manifestar, a douta Subprocuradoria-Geral da República opinou pela concessão parcial da ordem (fls. 148⁄152).

    É relatório.

    HABEAS CORPUS Nº 197.550 - PE (2011⁄0032665-6)

    VOTO

    O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE (RELATOR):

    Conforme relatado, sustenta a impetração, em suma, ser inepta a denúncia pela ausência de descrição das datas em que supostamente teriam sido cometidos os delitos, nulidade na sentença por ofensa ao princípio da correlação e, ainda, a necessidade de que seja aplicado o princípio da consunção no que tange aos delitos de falsidade ideológica e uso de documento falso.

    Colhe-se da inicial acusatória, em relação às condutas perpetradas pelo ora paciente, o seguinte (fls. 18⁄20):

    Das condutas empreendidas pelo denunciado João Marcos Pozzetti (PAC nº 1.26.000.001155⁄2003-52):

    No intuito de legalizar as operações ilícitas da FBL, a empresa S.A.L., de responsabilidade do quarto denunciado, teria emitido uma série de documentos cujo conteúdo seria ideológica e materialmente falso, a fim de confirmar, junto à Receita Federal, o transporte da carga de cem computadores.

    Da falsidade:

    Atendendo à intimação do fisco, foi elaborada uma carta (fl. 9 dos autos), assinada pelo ora denunciado, à qual foi anexada uma série de documentos irregulares e inverídicos.

    Segundo a empresa, a prestação do serviço de transporte dos computadores teria ocorrido por meio do Conhecimento Aéreo nº 006797, datado de 14⁄11⁄00 (fl. 10) e do Manifesto de Carga nº 000197 (fl. 12). Afirmou-se, também, que a carga seguiu no vôo nº 521, em 14⁄11⁄00, na aeronave prefixo PT-MST, e que não atingiu a cidade de Recife tendo em vista que todos os vôos da Empresa que partem de Manaus teriam por destino exclusivo a cidade de Campinas⁄SP.

    No entanto, restou comprovado acima que o Conhecimento Aéreo nº 006797 é falso, não correspondendo à realidade dos fatos. Também foram constatados vícios na Nota Fiscal nº 6170, acostada à fl. 14, através da qual seriam comercializados os computadores em comento, vez que menciona como transportador da carga a Empresa 'Transportadora Cometa S⁄A' e especifica a via rodoviária para realização do transporte, quando, em verdade, o transporte teria sido promovido por via aérea pela SKYMASTER.

    Observe-se, ainda, que o quarto denunciado colacionou à sua carta o documento de fl. 11, intitulado 'Presença de Carga nº 2000103389', supostamente emitido pela INFRAERO, com o que procurou comprovar o armazenamento da carga no Terminal Alfandegário do Aeroporto de Manaus. Todavia, à fl. 15, consta documento emitido pela A. doA.I.E.G., em Manaus, atestando que os ditos computadores não foram armazenados em seu Terminal Alfandegário. Portanto, também não é autêntico o documento de Presença de Carga apresentado pelo quarto denunciado.

    Por fim, foi comprovado pela fiscalização que o serviço aéreo em tese prestado pela SKYMASTER para transportar os computadores da FBL EQUIPAMENTOS, não existiu, consoante provam os documentos de fls. 17⁄19, emitidos pela INFRAERO, de fls. 21⁄24, expedidos pela própria SKYMASTER e de fls. 26⁄27, Relação de Frequência de Aeronaves, expedido pela INFRAERO.

    Destarte, conclui-se, inequivocamente, que as informações contidas na carta de fl. 9, enviada pela empresa SKYMASTER, assinada pelo ora denunciado, são falsas, bem como os documentos que a acompanharam. A trama urdida tinha o claro intuito de legalizar o descaminho empreendido e já consumado pelos responsáveis da Empresa FBL.

    Pelas ações que praticou, o denunciado João Marcos Pozzetti infringiu os artigos 299 e 297 do CP, em continuidade delitiva, por haver indícios de que concorreu na falsificação ideológica e material de documentos públicos (documento emitido pela INFRAERO) e particular (a própria carta por si assinada).

    Já o Tribunal de origem, em relação aos temas aqui suscitados, assim consignou (fls. 99⁄101):

    Quanto à alegação de nulidade por inexistência, na denúncia, da data da prática dos supostos ilícitos, tenho que não merece amparo. É que os acusados defendem-se dos fatos narrados pela denúncia, sendo, in casu, a ausência da data da prática dos ilícitos plenamente sanável pela indicação da documentação que

    atesta a data de expedição do Conhecimento Aéreo, fl. 18.

    A respeito da ausência da data dos fatos na denúncia, o Supremo Tribunal Federal já se...

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