Acórdão nº HC 106012 / DF de T6 - SEXTA TURMA

Número do processoHC 106012 / DF
Data04 Outubro 2011
ÓrgãoSexta Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

HABEAS CORPUS Nº 106.012 - DF (2008⁄0099523-2)

RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA
IMPETRANTE : R.N.F.D.S.
ADVOGADO : ROBSON NEVES FIEL DOS SANTOS (EM CAUSA PRÓPRIA)
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS
PACIENTE : R.N.F.D.S.

EMENTA

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. 1. ATIPICIDADE. IMUNIDADE DO ADVOGADO. CLÁUSULA ASSECURATÓRIA SUBMETIDA AOS LIMITES LEGAIS. CONDUTA ATÍPICA. INOCORRÊNCIA. 2. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INEXISTÊNCIA. DESCRIÇÃO SUFICIENTE DOS FATOS. 3. DELITO DE QUADRILHA. NÃO CONFIGURAÇÃO. QUESTÃO NÃO APRECIADA NA CORTE A QUO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. 4. PARCIALIDADE DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO SUBSCRITORES DA DENÚNCIA. MATÉRIA ATINENTE A EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO. CONTRADITÓRIO E DILAÇÃO PROBATÓRIA EM SEDE DE MANDAMUS. IMPOSSIBILIDADE. 5. CONFIGURAÇÃO DELITIVA. PARCIALIDADE DOS INTEGRANTES DO PARQUET. EXAME APROFUNDADO DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. NECESSIDADE. MATÉRIAS INCABÍVEIS NA VIA ELEITA. 6. ORDEM EM PARTE CONHECIDA E, NESSA EXTENSÃO, DENEGADA.

  1. A prática de atos pelo advogado se submete e se restringe ao exame da estrita legalidade, não podendo ser invocada a imunidade profissional, que não é absoluta, para respaldar o cometimento de eventuais atos ilícitos, pois, do contrário, apresentar-se-ia de modo inconciliável com a dignidade da profissão, atentando contra todo o conjunto normativo que lhe rege o exercício regular e legítimo.

  2. Não há como reconhecer a inépcia da denúncia se a descrição da pretensa conduta delituosa foi feita de forma suficiente ao exercício do direito de defesa, com a narrativa de todas as circunstâncias relevantes, permitindo a leitura da peça acusatória a compreensão da acusação, com base no artigo 41 do Código de Processo Penal.

  3. A não configuração do delito de quadrilha não foi examinada pelo Tribunal de origem, não podendo, assim, ser apreciado o tema, agora, por este Superior Tribunal, sob pena de indevida supressão de instância.

  4. A eventual parcialidade dos membros do Ministério Público subscritores da exordial acusatória é matéria atinente a exceção de suspeição dos integrantes do Parquet, na qual o Juízo a quo procede ao exame das alegações, sob o crivo do contraditório, sendo-lhe facultado a admissibilidade de produção probatória, e não a augusta via do writ.

  5. Tanto a não configuração do delito de quadrilha, nos termos em que fora ventilada a matéria, quanto à parcialidade dos membros do Parquet, demandam inexoravelmente um exame amplo e profundo do elemento probatório, acarretando em incursão na seara fático-probatória, inviável em sede de habeas corpus.

  6. Ordem em parte conhecida e, nessa extensão, denegada.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça: "A Turma, por unanimidade, conheceu parcialmente da ordem de habeas corpus e, nesta parte, a denegou, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora." Os Srs. Ministros Og Fernandes, S.R.J. e V.D.G. (Desembargador convocado do TJ⁄RS) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

    Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

    Brasília, 04 de outubro de 2011(Data do Julgamento)

    Ministra Maria Thereza de Assis Moura

    Relatora

    HABEAS CORPUS Nº 106.012 - DF (2008⁄0099523-2) (f)

    RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA
    IMPETRANTE : R.N.F.D.S.
    ADVOGADO : ROBSON NEVES FIEL DOS SANTOS (EM CAUSA PRÓPRIA)
    IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS
    PACIENTE : ROBSON NEVES FIEL DOS SANTOS

    RELATÓRIO

    MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (relatora):

    Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado por R.N.F.D.S., em seu próprio favor, impugnando acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (HC n.º 2008.00.2.000867-3).

    Extrai-se dos autos que o paciente foi denunciado, juntamente com outros, como incurso no artigo 288 do Código Penal c.c. o artigo 1.º da Lei n.º 9.034⁄95.

    Alegando o exercício inviolável da advocacia e a parcialidade do Ministério Público, bem como objetivando o trancamento da ação penal, a defesa impetrou prévio writ, o qual restou denegado pelo Tribunal de origem. Confira-se o teor do acordado (fls. 3.964⁄3.968):

    Conheço do writ, considerando presentes as condições da ação.

    Cediço ser o habeas corpus medida excepcional, utilizada para fazer cessar qualquer lesão, ou ameaça de lesão, à liberdade de ir e vir, por ilegalidade ou abuso de poder, nos termos do artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal.

    Em resumo, requer o impetrante o trancamento da supracitada ação penal, na qual é denunciado pela pratica do crime previsto no artigo 288 do Código Penal, c⁄c o artigo 1º da Lei n. 9.034⁄95, pois:

    1) houve inúmeras irregularidades nos procedimentos de investigação que deram origem à ordem de prisão temporária do impetrante⁄paciente em 6-10-2006, com validade de 30 (trinta) dias e de busca e apreensão (fls. 601⁄609);

    2) o pedido do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, para a determinação de tais medidas, foi fundado apenas em suposições totalmente contrárias às provas pré-constituídas até então no inquérito policial, gerando a nulidade de todos os procedimentos inquisitoriais, não havendo justa causa para o oferecimento da denúncia;

    3) a conduta criminosa a ele imputada é atípica, pois atuava junto ao Instituto Candango de Solidariedade no exercício pleno da advocacia, sendo, portanto, inviolável à imputação de práticas criminosas;

    4) há impedimento da atuação dos Promotores de Justiça subscritores da denúncia, pois eles atuaram nas investigações preliminares e, segundo, o impetrante⁄paciente há desavenças e perseguições pessoais entre eles e estes membros do Ministério Público.

    Não lhe assiste razão.

    Primeiramente, cumpre ressaltar depender o pleito do paciente de complexo exame probatório, incompatível com a via estreita do Habeas Corpus, o qual se dedica apenas a sanar irregularidades patentes ameaçadoras ou violadoras do direito à liberdade.

    Contudo, verifico não ser o caso dos presentes autos.

    Não há qualquer anormalidade manifesta no pedido de prisão temporária e busca e apreensão do Ministério Público (fls. 292⁄337), o qual se fundou em árdua investigação, relatando detalhadamente toda a atuação criminosa de todos os envolvidos em inúmeras irregularidades constantes nos contratos com elevada cifra celebrados entre o Instituto Candango de Solidariedade - ICS e diversas pessoas jurídicas.

    Nessa oportunidade, o Ministério Público expôs a rede de parentesco constante na direção do Instituto Candango de Solidariedade, associação de direito privado, e na celebração dos contratos mencionados, dos quais se percebe ser o paciente, R. N. F. D. S., não apenas o advogado daquela entidade, mas também cunhado de R. B. D. S., presidente do ICS durante o período de investigações das fraudes, objeto de denúncia na considerada ação penal.

    Assim, diferente do alegado pelo impetrante⁄paciente, o pedido do Ministério Público de busca e apreensão e prisão temporária foi exaustivamente fundamentado, não havendo qualquer irregularidade capaz de macular a legalidade do recebimento da denúncia em questão.

    Cumpre também lembrar constituir o inquérito policial apenas procedimento administrativo embasador da opinio delicti do Ministério Público, sendo, inclusive, dispensável para tanto, quando já formado tal convencimento. Nesse sentido, nulidades havidas na fase pré-processual não afetam a ação penal, na qual prevalecem os princípios do contraditório e da ampla defesa.

    Conforme se pode observar na própria peça acusatória (fls. 44⁄62), o paciente não apenas exercia a advocacia, mas era envolvido na rede de parentesco constituída por sua irmã, Dirlene Fiel dos Santos, e pela esposa de R.B. deS., presidente do ICS no período da constatação das irregularidades contratuais em análise.

    Na condição de advogado, o impetrante participava da elaboração e celebração dos mencionados contratos maculados.

    É certo possuir o exercício da advocacia, nos termos do artigo 133 da Constituição Federal, prerrogativa de inviolabilidade, contudo, tal garantia, como todas as outras constitucionalmente asseguradas, não são absolutas e, muito menos, não devem ser utilizadas para impedir a investigação de condutas ilícitas e criminosas que maculam, inclusive, o exercício democrático desta nobre profissão essencial à Justiça.

    Nesse sentido, conforme o próprio requerente aos autos (fls. 952⁄960), o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou, verbis:

    (...)

    A alegação do impetrante de haver impedimento dos Promotores de Justiça subscritores da denúncia, pois atuaram na fase investigatória e o 'perseguiram', também não é procedente.

    Naturalmente, o Promotor de Justiça subscritor da peça acusatória atuou também na fase investigatória do crime, tanto que formou sua opini delicti quanto à conduta investigada, convencendo-se tratar de crime para oferecer a denúncia. Assim, não há qualquer impedimento do membro do Ministério Público participante da fase investigativa no oferecimento da denúncia.

    A propósito, o Superior Tribunal de Justiça já consolidou tal entendimento no Enunciado n. 234 de sua Súmula, conforme bem lembrou o eminente Procurador de Justiça, verbis:

    'A participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia.'

    Em relação aos argumentos de haver perseguições por parte do Ministério Público contra o impetrante⁄paciente, verifico não existir qualquer anormalidade manifesta, compatível com a estreita via do writ, capaz de fundamentar o trancamento da ação penal considerada.

    Ademais, a mencionada ação penal encontra-se regularmente em curso, conforme informou o douto Magistrado da 1ª Vara Criminal da Circunscrição Especial Judiciária de Brasília, já tendo, inclusive, o paciente apresentado defesa prévia, arrolado suas testemunhas e...

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