Decisão Monocrática nº 2008/0262815-0 de T6 - SEXTA TURMA

Número do processo2008/0262815-0
Data25 Outubro 2011
ÓrgãoSexta Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECURSO ESPECIAL Nº 1.102.574 - SP (2008/0262815-0)

RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA

RECORRENTE : O B

RECORRENTE : M T B B

ADVOGADO : M.C.M.S. E OUTRO(S)

RECORRIDO : D E S

ADVOGADO : OCIMAR LUIZ DE OLIVEIRA

INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. AFRONTA AO REVOGADO ART.

224, "A", DO CP. INOCORRÊNCIA. ESTUPRO COM VIOLÊNCIA PRESUMIDA.

PRESUNÇÃO RELATIVA. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA SEGUIMENTO.

DECISÃO

Trata-se de recurso especial interposto por O B e M T B B, com fundamento na alínea "a" do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal, manejado contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, por maioria, negou provimento ao recurso dos

recorrentes, mantendo, dessa forma, a absolvição do recorrido (fls.

551/563). Opostos embargos de declaração, estes restaram rejeitados (fls. 592/595).

Sustentam os recorrentes, às fls. 611/620, ter havido afronta ao revogado artigo 214, alínea "a", do Código Penal, haja vista o juízo a quo, bem como o Tribunal de origem, ter entendido que a presunção de violência constante do referido artigo é relativa, absolvendo, dessa forma, o recorrido, não obstante ter restado comprovado que manteve conjunção carnal com menor de 14 anos.

As contrarrazões não foram apresentadas.

O Tribunal de origem admitiu o recurso à fl. 653.

O Ministério Público Federal manifestou-se às fls. 664/667, pelo conhecimento e provimento do recurso, verbis:

Recurso Especial. Penal. Estupro e atentado violento ao pudor.

Vítima menor de 14 anos. Violência presumida. Consentimento da vítima: irrelevância para caracterizar o tipo penal. Promoção pelo conhecimento e provimento do recurso.

É o relatório.

A insurgência não merece prosperar.

Com efeito, verifica-se que o presente recurso busca discutir a possibilidade ou não de se relativizar a presunção de violência, prevista no revogado artigo 224, alínea "a", do Código Penal. Assim, no que concerne ao tema, importante destacar que, conforme já externei no julgamento do recurso especial nº 430.615/MG, a matéria, por certo, é de grande valor, como cediço, porque envolve a

liberdade sexual de pessoas cuja capacidade a lei considera

incompleta. Aliás, abordar os transtornos da violência sexual já traz em si a reflexão de princípios básicos das sociedades humanas, imagine-se quando um dos entes envolvidos é menor de 14 anos.

Conquanto todas as preocupações encaminhem o magistrado a buscar a proteção do ente mais desfavorecido, não se pode, por outro lado, cerrar os olhos para situações especiais da vida humana que, de certo modo, dificultam o enquadramento típico no caso concreto. Não me parece juridicamente defensável continuar preconizando a ideia da presunção absoluta em fatos como os tais se a própria natureza das coisas afasta o injusto da conduta do acusado.

Vale ressaltar, neste ponto, o julgamento do habeas corpus 88.664/GO por esta Sexta Turma, de que relator o eminente Desembargador Celso Limongi. Na oportunidade, lembrou o Ilustre magistrado, que as sociedades mudam e os conceitos e preconceitos de igual modo. A propósito, cabe destacar do seu belo voto:

"Adianto que vou aceitar os fatos exatamente como o fizeram o nobre Juiz de primeiro grau e o E. Tribunal goiano: o paciente, homem de mais de trinta anos de idade e casado, manteve relações sexuais com uma adolescente de menos de 14 anos de idade. Não discuto se tais relações sexuais ocorreram em 23 de novembro ou 23 de dezembro. Se elas ocorreram em 23 de dezembro, a adolescente contaria já com 14 anos de idade e o fato não seria típico. Mas, seja: consideramos que o contato sexual ocorreu em 23 de novembro e a menor contava 13 anos e onze meses de idade. Não discuto, igualmente, se era virgem ou se já haveria mantido relações sexuais com seu primeiro namorado, negado, obviamente, por este. Nem igualmente está em discussão se a menor procurou beneficiar o namorado, trazendo falsos dados para arredar a tipicidade da conduta do paciente. O que me parece

importante é que o paciente, mesmo casado, insistiu em entreter namoro com a menor, a ponto de pedir ao pai desta autorização para namorá-la. E, negada a autorização, não resistiu em levá-la a um motel, onde o casal se entregou às práticas sexuais. A conduta do paciente se subsumiu ao tipo descrito no artigo 213, combinado com o artigo 224, alínea "a", ambos do Código Penal? Por esse fato, merece o paciente a pena que lhe foi imposta, 6 anos e 9 meses de reclusão, em regime inicial fechado? É essa pena objetivamente justa? O comportamento do paciente merece, sem dúvida, críticas. Com 32 anos de idade e chefe de família, não deveria assediar a menor. Há referências a ter sido preso anteriormente e não dedicar-se ao trabalho. São apenas referências. De qualquer modo, não estamos nem podemos examinar sua conduta do ponto de vista social, mas do direito penal. E, em seu favor, vimos que nutria afeto à vítima, tanto que buscou autorização dos pais desta para namorá-la. Não se pode deixar de consignar também que a própria menor aceitou o convite para ir ao Motel e manter relações sexuais. O ato foi consentido e aqui é que se enfrenta o maior problema: a lei penal não atribui validade ao consentimento de menor de 14 anos de idade para a prática de relações sexuais ou de atos libidinosos. Em outras palavras, presume-se a violência contra menores com menos de 14 anos de idade. Caracteriza-se, por definição legal, o estupro, se houver conjunção carnal, ou o atentado violento ao pudor, se se limita à prática de atos libidinosos distintos da conjunção carnal. Esse é o pensamento do legislador de 1940, ano em que nasceu o Código Penal Brasileiro. Em primeiro lugar, faz-se necessário relembrar que o Direito não deve ser estático, mas, por força das vertiginosas transformações sociais, nem sempre consegue acompanhá-las. Por isso, o Direito erige-se tantas vezes em óbice ao desenvolvimento da sociedade. O chileno Eduardo Novoa Monreal escreveu monografia a propósito desse tema e já no preâmbulo anotou: '...a nota mais deprimente reside em que os preceitos, esquemas e princípios

jurídicos em voga se vão convertendo, gradualmente, não apenas em um pesado lastro que freia o progresso social, quando não chega, muitas vezes, a levantar-se como um verdadeiro obstáculo para ele' (cf. 'O Direito como obstáculo à transformação social', Sergio Antonio Fabris Editor, pág. 9, Porto Alegre, 1988). E, nesse aspecto, é inegável o valor da jurisprudência, pois esta comumente vem à frente do legislador e é para ele fonte de inspiração. Em tantos temas de Direito Privado, de Direito Público e de Direito Penal, as decisões do Judiciário foram dando interpretação às leis e culminaram por adiantar-se ao legislador e disciplinaram relações fáticas, para cujas...

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