Acórdão nº REsp 932653 / RS de T6 - SEXTA TURMA
Número do processo | REsp 932653 / RS |
Data | 16 Agosto 2011 |
Órgão | Sexta Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil) |
RECURSO ESPECIAL Nº 932.653 - RS (2007⁄0055656-0)
RELATOR | : | MINISTRO CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄SP) |
RECORRENTE | : | UNIÃO |
RECORRIDO | : | J.P.F. |
ADVOGADO | : | LEILA STADOLNI ESPÍNDOLA E OUTRO |
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. PENSÃO POR MORTE. SERVIDOR PÚBLICO. COMPANHEIRO. RELAÇÃO HOMOAFETIVA. ART. 217, I, C, DA LEI Nº 8.112⁄90.
- A regulamentação das famílias homoafetivas é medida que se impõe no atual cenário social, não podendo o Poder Judiciário, nesse momento, furtar-se a oferecer as proteções legais que tais relações demandam, porquanto são geradoras de importantes efeitos afetivos e patrimoniais na vida de muitos cidadãos.
- No presente caso, ficou devidamente comprovada a união estável entre o autor, ora recorrido, e seu falecido companheiro, servidor público, regido pela Lei 8.112⁄90, motivo pelo qual, agiram bem as instâncias ordinárias ao conceder a pretendida pensão por morte, nos termos do art. 217, I, "c" do referido Estatuto.
- Além do mais, o próprio INSS, gestor do Regime Geral de Previdência Social, há mais de dez anos, vêm reconhecendo os parceiros homossexuais como beneficiários da Previdência, pelo que não há como negar o mesmo direito aos companheiros homossexuais de servidor público, equiparando-os à tradicional União Estável formada por homem e mulher.
- Acrescento, ainda, que a mais recente norma editada pela Receita Federal (agosto de 2010) garantiu o direito de Contribuintes do Imposto de Renda de Pessoa Física incluírem parceiros homossexuais como seus dependentes na Declaração, o que revela não haver mais espaço para renegar os direitos provenientes das relações homoafetivas, e que só contribuirá para tornar a nossa Sociedade mais justa, humana e democrática, ideal tão presente na Constituição Federal.
- Quanto à redução do percentual dos juros de mora, esta Corte assentou compreensão de que a Medida Provisória nº 2.180⁄2001, que modificou o artigo 1º-F da Lei nº 9.494⁄1997, determinando que os juros de mora sejam calculados em 6% (seis por cento) ao ano nas condenações impostas à Fazenda Pública para pagamento de verbas remuneratórias devidas a servidores públicos, tem incidência nos processos iniciados após a sua edição.
- No que pertine à correção monetária, o entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo está em total sintonia com o deste Tribunal Superior já pacificado no sentido de que a dívida de valor da Fazenda Pública para com o servidor público deve ser corrigida desde o vencimento de cada prestação.
- Recurso especial a que se dá parcial provimento, apenas para redução do percentual dos juros de mora para 6% ao ano.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, prosseguindo no julgamento após o voto-vista do Sr. Ministro Haroldo Rodrigues acompanhando o voto do Sr. Ministro Relator dando parcial provimento ao recurso especial, e os votos da Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura e do Sr. Ministro Og Fernandes no mesmo sentido, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso especial nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Não participaram do julgamento os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior e V.D.G. (Desembargador convocado do TJ⁄RS).
Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.
Brasília, 16 de agosto de 2011(Data do Julgamento)
MINISTRO CELSO LIMONGI
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄SP)
Relator
RECURSO ESPECIAL Nº 932.653 - RS (2007⁄0055656-0)
RELATOR | : | MINISTRO CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄SP) |
RECORRENTE | : | UNIÃO |
RECORRIDO | : | J.P.F. |
ADVOGADO | : | LEILA STADOLNI ESPÍNDOLA E OUTRO |
RELATÓRIO
EXMO. SR. MINISTRO CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄SP) (Relator):
Trata-se de recurso especial interposto pela União, fundamentado no art. 105, III, "a", da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da Quarta Região, assim ementado:
ADMINISTRATIVO. PENSÃO POR MORTE DE SERVIDOR PÚBLICO. REGIME DE UNIÃO ESTÁVEL. COMPANHEIRO HOMOSSEXUAL. PRESCRIÇÃO. DIES A QUO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA.
Às obrigações de trato sucessivo, como entende a jurisprudência dominante, deve-se aplicar a Súmula 85 do STJ, que afasta a prescrição do fundo de direito, porém, prevê a prescrição das parcelas vencidas há mais de cinco anos do ajuizamento da ação.
A interpretação que vêm sendo consolidada pelos nossos Tribunais defende a ótica de que não se deve ignorar os princípios norteadores da Lei Maior, que consagram a igualdade em seu artigos 3.º, IV e 5.º em detrimento da discriminação preconceituosa.
Independentemente das teses enunciadas pelos diversos pretórios, é uníssono o repúdio da jurisprudência pátria à negativa aos companheiros homossexuais dos direitos que são ordinariamente concedidos aos parceiros de sexos diversos.
O companheiro homossexual concorre igualmente com os demais dependentes referidos no art. 16, inciso I, da Lei 8.213⁄91.
A União deve arcar com as parcelas vencidas da pensão desde o requerimento de habilitação do companheiro na via administrativa ou, na ausência desta, a partir do ajuizamento da ação.
Os valores a serem pagos deverão ser corrigidos monetariamente desde a data em que se tornaram devidos. Definida a utilização do INPC, e, caso seja extinto esse indexador, pelo que vier a substituí-lo.
Mantido o percentual de juros de mora estabelecido na sentença à mingua de recurso da parte autora.
Provida em parte a remessa oficial tão-somente para fixar o termo a quo dos juros de mora. Isto é, os juros moratórios deverão ser contados desde a data da citação inicial, em conformidade ao disposto no art. 405, do Novo Código Civil.
A recorrente alega violação dos arts. 226, § 3º da Constituição Federal c⁄c 217 da Lei 8.112⁄90, sustentando a impossibilidade de equiparação entre União estável e União homoafetiva, para efeito de concessão de pensão por morte de servidor público.
Pugna pela redução dos juros de mora para 6% ao ano, nos termos do art. 1º-F da Lei nº 9.494⁄97.
Postula, outrossim, nos termos do art. 1º, § 2º da Lei nº 6.899⁄81, que a correção monetária das parcelas indenizatórias incida a partir do ajuizamento da ação.
Parecer do Ministério Público às fls. 284⁄291, pelo parcial provimento do recurso.
Numa primeira análise dos presentes autos, entendi ser o caso de sobrestamento para o Supremo Tribunal Federal, o que não foi acatado pelo eminente Ministro Marco Aurélio.
Em posterior apreciação monocrática (fls. 306⁄309), convicto da prejudicialidade da matéria infraconstitucional em face do dispositivo constitucional que define o que é União Estável, não conheci do recurso especial quanto a este ponto, provendo-o tão-somente quanto aos juros de mora.
Entretanto, diante da insurgência da União, apresentada no Agravo Regimental de fls. 312⁄318, preferi anular a decisão monocrática e submeter o presente recurso especial a novo julgamento com acompanhamento desta Colenda Sexta Turma.
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 932.653 - RS (2007⁄0055656-0)
RELATOR | : | MINISTRO CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄SP) |
RECORRENTE | : | UNIÃO |
RECORRIDO | : | J.P.F. |
ADVOGADO | : | LEILA STADOLNI ESPÍNDOLA E OUTRO |
VOTO
EXMO. SR. MINISTRO CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄SP) (Relator):
A União concentra suas razões de mérito na tese de que o conceito de União Estável, previsto no art. 226, 3º Constituição Federal, não ampara as relações formadas entre pessoas do mesmo sexo, motivo pelo qual estaria havendo afronta direta ao art. 217, I, c, do Regime Jurídico Único, de seguinte teor:
Art. 217. São beneficiários das pensões:
I - vitalícia:
-
o cônjuge;
-
a pessoa desquitada, separada judicialmente ou divorciada, com percepção de pensão alimentícia;
-
o companheiro ou companheira designado que comprove união estável como entidade familiar;
-
a mãe e o pai que comprovem dependência econômica do servidor;
-
a pessoa designada, maior de 60 (sessenta) anos e a pessoa portadora de deficiência, que vivam sob a dependência econômica do servidor;
As relações homoafetivas, mesmo que ainda muito polêmicas, já não são novidade nesta Corte, havendo pelo menos dois importantes julgados que enfrentaram a questão de forma bastante séria e coerente, contribuindo para banir os preconceitos e discriminações por que passam os indivíduos optantes desse novo formato de entidade familiar.
Confiram-se as ementas dos referidos julgados:
Direito civil. Previdência privada. Benefícios. Complementação. Pensão post mortem. União entre pessoas do mesmo sexo. Princípios fundamentais. Emprego de analogia para suprir lacuna legislativa. Necessidade de demonstração inequívoca da presença dos elementos essenciais à caracterização da união estável, com a evidente exceção da diversidade de sexos. Igualdade de condições entre beneficiários.
- Despida de normatividade, a união afetiva constituída entre pessoas de mesmo sexo tem batido às portas do Poder Judiciário ante a necessidade de tutela, circunstância que não pode ser ignorada, seja pelo legislador, seja pelo julgador, que devem estar preparados para atender às demandas surgidas de uma sociedade com estruturas de convívio cada vez mais complexas, a fim de albergar, na esfera de entidade familiar, os mais diversos arranjos vivenciais.
- O Direito não regula sentimentos, mas define as relações com base
neles geradas, o que não permite que a própria norma, que veda a discriminação de qualquer ordem, seja revestida de conteúdo discriminatório. O núcleo do sistema jurídico deve, portanto, muito mais garantir liberdades do que impor limitações na esfera pessoal dos seres humanos.
- Enquanto a lei civil permanecer inerte, as novas estruturas de convívio que batem às portas dos Tribunais devem ter sua tutela jurisdicional prestada com base nas leis existentes e nos parâmetros
humanitários que norteiam não só o direito constitucional, mas a maioria dos ordenamentos jurídicos existentes no mundo. Especificamente quanto ao tema em foco, é de ser atribuída normatividade...
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