Acórdão nº REsp 1022478 / RN de T6 - SEXTA TURMA

Número do processoREsp 1022478 / RN
Data04 Outubro 2011
ÓrgãoSexta Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECURSO ESPECIAL Nº 1.022.478 - RN (2008⁄0009971-9)

RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA
RECORRENTE : F.D.D.N.
ADVOGADO : MÁRIO NEGÓCIO NETO
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

EMENTA

PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 8º, INCISO I, DA LEI Nº 7.853⁄89. OCORRÊNCIA. ANALOGIA. IMPOSSIBILIDADE NO DIREITO PENAL. RECUSA, SUSPENSÃO, PROCRASTINAÇÃO, CANCELAMENTO OU CESSAÇÃO DA INSCRIÇÃO DE PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA EM ESTABELECIMENTO DE ENSINO. INOCORRÊNCIA. NÃO ACEITAÇÃO PELO PROFESSOR DE ALUNO DEFICIENTE EM SUA SALA DE AULA. CONDUTA ATÍPICA. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO À INSCRIÇÃO DA VÍTIMA. CRIME PRÓPRIO. NÃO DESCRIÇÃO DE QUE A RECORRENTE TENHA QUALIFICAÇÃO PARA PRATICÁ-LO. RECURSO ESPECIAL A QUE SE DÁ PROVIMENTO.

  1. A analogia, a qual consiste em aplicar a uma hipótese não prevista em lei disposição legal relativa a um caso semelhante, é terminantemente proibida em direito penal, o qual deve estrita observância ao princípio da legalidade. Se o legislador não previu dada conduta como criminosa, é porque esta se mostra irrelevante na esfera penal, não podendo, portanto, ser abrangida por meio da analogia.

  2. A conduta do professor que impede aluno portador de deficiência física de assistir aula na sala em que leciona não se subsume ao tipo penal do artigo 8º, inciso I, da Lei 7.853⁄89, que incrimina a conduta de "recusar, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar, sem justa causa, a inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, por motivos derivados da deficiência que porta".

  3. Recurso especial a que se dá provimento, para restabelecer a decisão de 1º grau, que rejeitou a denúncia, ante o reconhecimento da atipicidade da conduta.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça: "A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora." Os Srs. Ministros Og Fernandes, S.R.J. e V.D.G. (Desembargador convocado do TJ⁄RS) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

    Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

    Brasília, 04 de outubro de 2011(Data do Julgamento)

    Ministra Maria Thereza de Assis Moura

    Relatora

    RECURSO ESPECIAL Nº 1.022.478 - RN (2008⁄0009971-9)

    RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA
    RECORRENTE : F.D.D.N.
    ADVOGADO : MÁRIO NEGÓCIO NETO
    RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

    RELATÓRIO

    MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (Relatora):

    Trata-se de recurso especial interposto por F.D.D.N., com fundamento na alínea "a" do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal, manejado contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, assim ementado:

    "PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DENÚNCIA-CRIME. ARTIGO 8º, INCISO I, DA LEI Nº 7.853⁄89. NÃO RECEBIMENTO. CONDUTA QUE SE ENQUADRA, EM TESE, NO DISPOSITIVO IMPUTADO NA PEÇA INICIAL ACUSATÓRIA. CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA. DISCRIMINAÇÃO. EDUCAÇÃO. ACESSO NEGADO. DIREITOS FUNDAMENTAIS VIOLADOS. CONHECIMENTO E PROVIMENTO DO RECURSO MINISTERIAL".

    Em seu recurso especial, às fls. 97⁄114, sustenta a recorrente que o acórdão recorrido, ao reformar o decisum de primeiro grau que rejeitava a denúncia por entender se tratar de conduta atípica, negou vigência ao artigo 8º, inciso I, da Lei nº 7.853⁄89, alegando, para tanto, que "não cometeu nenhum crime previsto no mencionado dispositivo legal, pois não recusou, nem suspendeu, nem procrastinou, nem cancelou ou fez cessar a inscrição da aluna na Escola Municipal Josafa Machado, por motivo de deficiência física". Afirma que "a conduta da recorrente não está tipificada no crime previsto no inciso I do artigo 8º da Lei nº 7.853⁄89".

    As contrarrazões foram apresentadas às fls. 117⁄121.

    O Tribunal de origem admitiu o recurso às fls. 124⁄126.

    O Ministério Público Federal manifestou-se às fls. 132⁄140, pelo conhecimento e desprovimento do recurso especial.

    Em decisão proferida às fls. 145⁄148, neguei seguimento ao recurso especial, por entender que a análise da tipicidade exigiria o revolvimento do arcabouço fático e probatório, o que é vedado pelo enunciado nº 7 da Súmula desta Corte.

    Irresignada, a parte interpôs agravo regimental, apontando que a juíza de 1º grau rejeitou a denúncia ante a atipicidade da conduta descrita, afirmando que "a lei que dá apoio a pessoas portadoras de deficiência e define crimes da espécie não prevê ilícito penal na recusa de receber o aluno deficiente nesta ou naquela sala de aula de estabelecimento de ensino, e nem mesmo outra legislação define esse crime, pelo que a conduta da denunciada não se subsume a nenhum tipo penal". Entretanto, o Tribunal reformou referido decisum, condenando, assim, a recorrente.

    Asseverou que a Câmara deu interpretação, equivocadamente, extensiva à norma, porquanto a recorrente não suspendeu a inscrição da aluna na Escola Municipal, devido à deficiência auditiva. Afirmou, ainda, que criança continuou matriculada na Escola, tendo ido "para outra sala de aula, já que na sala de aula da recorrente já tinha um aluno com necessidades especiais". Concluiu, dessa forma, afirmando que não pretende o reexame de matéria fática, mas apenas demonstrar que houve interpretação ampliativa de norma incriminadora constante do inciso I do artigo 8º da Lei 7.853⁄89.

    Analisando melhor os autos, entendi ser desnecessário o revolvimento do arcabouço fático-probatório para análise do tema trazido nos autos, razão pela qual reconsiderei a decisão monocrática que negou seguimento ao recurso especial e determinei sua inclusão oportunamente em pauta.

    É o relatório.

    RECURSO ESPECIAL Nº 1.022.478 - RN (2008⁄0009971-9)

    EMENTA

    PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 8º, INCISO I, DA LEI Nº 7.853⁄89. OCORRÊNCIA. ANALOGIA. IMPOSSIBILIDADE NO DIREITO PENAL. RECUSA, SUSPENSÃO, PROCRASTINAÇÃO, CANCELAMENTO OU CESSAÇÃO DA INSCRIÇÃO DE PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA EM ESTABELECIMENTO DE ENSINO. INOCORRÊNCIA. NÃO ACEITAÇÃO PELO PROFESSOR DE ALUNO DEFICIENTE EM SUA SALA DE AULA. CONDUTA ATÍPICA. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO À INSCRIÇÃO DA VÍTIMA. CRIME PRÓPRIO. NÃO DESCRIÇÃO DE QUE A RECORRENTE TENHA QUALIFICAÇÃO PARA PRATICÁ-LO. RECURSO ESPECIAL A QUE SE DÁ PROVIMENTO.

  4. A analogia, a qual consiste em aplicar a uma hipótese não prevista em lei disposição legal relativa a um caso semelhante, é terminantemente proibida em direito penal, o qual deve estrita observância ao princípio da legalidade. Se o legislador não previu dada conduta como criminosa, é porque esta se mostra irrelevante na esfera penal, não podendo, portanto, ser abrangida por meio da analogia.

  5. A conduta do professor que impede aluno portador de deficiência física de assistir aula na sala em que leciona não se subsume ao tipo penal do artigo 8º, inciso I, da Lei 7.853⁄89, que incrimina a conduta de "recusar, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar, sem justa causa, a inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, por motivos derivados da deficiência que porta".

  6. Recurso especial a que se dá provimento, para restabelecer a decisão de 1º grau, que rejeitou a denúncia, ante o reconhecimento da atipicidade da conduta.

    VOTO

    MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (Relatora):

    A recorrente foi denunciada como incursa nas sanções do artigo 8º, inciso I, da Lei 7.853⁄89, tendo o Ministério Público descrito a conduta praticada, nos seguintes termos:

    "(...), no início do ano letivo de 2004, no mês de fevereiro, a denunciada, na condição de professora da Escola Municipal Josafá Sisino Machado, nesta Cidade, impediu a educanda Karina Bezerra, filha de Francisca Bezerra, de frequentar a sala de aula no estabelecimento educacional citado em função de sua deficiência de natureza auditiva. (...). Nas dependências da escola, a mãe da educanda mencionada foi atendida pela Secretária do estabelecimento educacional, que a...

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