Acórdão nº HC 185869 / MG de T5 - QUINTA TURMA

Número do processoHC 185869 / MG
Data27 Setembro 2011
ÓrgãoQuinta Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

HABEAS CORPUS Nº 185.869 - MG (2010⁄0174880-7)

RELATOR : MINISTRO JORGE MUSSI
IMPETRANTE : N.A.S.J.
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
PACIENTE : NÉLSON EDUARDO BUENO

EMENTA

HABEAS CORPUS. LESÃO CORPORAL. NULIDADE. RITO ADOTADO EM AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. SISTEMA ACUSATÓRIO. EXEGESE DO ART. 212 DO CPP, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.690⁄2008. EIVA RELATIVA. DEFESA SILENTE DURANTE A REALIZAÇÃO DO ATO. PRECLUSÃO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO EFETIVO PREJUÍZO. PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO.

  1. A nova redação dada ao art. 212 do CPP, em vigor a partir de agosto de 2008, determina que as vítimas, testemunhas e o interrogado sejam perquiridos direta e primeiramente pela acusação e na sequência pela defesa, possibilitando ao magistrado complementar a inquirição quando entender necessário quaisquer esclarecimentos.

  2. É cediço que no terreno das nulidades no âmbito no processo penal vige o sistema da instrumentalidade das formas, no qual se protege o ato praticado em desacordo com o modelo legal caso tenha atingido a sua finalidade, cuja invalidação é condicionada à demonstração do prejuízo causado à parte, ficando a cargo do magistrado o exercício do juízo de conveniência acerca da retirada da sua eficácia, de acordo com as peculiaridades verificadas no caso concreto.

  3. Na hipótese em apreço, o ato impugnado atingiu a sua finalidade, ou seja, houve a produção das provas requeridas, sendo oportunizada às partes, ainda que em momento posterior, a formulação de questões às testemunhas ouvidas, respeitando-se o contraditório e a ampla defesa constitucionalmente garantidos, motivo pelo qual não houve qualquer prejuízo efetivo ao paciente.

  4. Eventual inobservância à ordem estabelecida no artigo 212 do Código de Processo Penal cuida-se de vício relativo, devendo ser arguido no momento processual oportuno juntamente da demonstração da ocorrência do prejuízo sofrido pela parte, sob pena de preclusão, porquanto vige no cenário das nulidades o brocado pas de nullité sans grief positivado na letra do art. 563 do Código de Processo Penal, ou seja, em matéria penal, nenhuma nulidade será declarada se não demonstrado prejuízo (Precedentes STJ e STF).

  5. Constatando-se que a defesa do paciente permaneceu silente durante a audiência de instrução e julgamento, vindo a arguir a irregularidade somente na impetração do mandamus perante a Corte Estadual em momento posterior à prolação do édito repressivo, a pretensão do impetrante encontra-se fulminada pelo instituto da preclusão.

    APONTADA DEFICIÊNCIA DE DEFESA DO PACIENTE EM EM FACE DA CONCISÃO DO CONTEÚDO DAS ALEGAÇÕES FINAIS APRESENTADAS PELA DEFENSORA NOMEADA. TESE DEFENSIVA COMPATÍVEL COM A ACUSAÇÃO FORMULADA. INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO PREJUÍZO EM TESE SUPORTADO PELO ACUSADO. MÁCULA NÃO EVIDENCIADA.

  6. Nos termos do enunciado 523 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, "no processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu".

  7. O caso dos autos não pode ser enquadrado como hipótese de falta de defesa, pois, consoante as várias peças processuais acostadas ao mandamus, o paciente viu-se assistido por defensor nomeado pelo Juízo durante toda a instrução criminal.

  8. Não se verifica qualquer deficiência ou desconexão no conteúdo das razões das alegações finais apresentadas pelo defensor nomeado, já que o causídico requereu, ainda que de maneira sucinta e objetiva, o reconhecimento da semi-imputabilidade do acusado - tese defensiva plenamente suficiente e compatível com a acusação formulada, bem como com o conjunto probatório produzido nos autos.

  9. Ademais, o impetrante deixou de demonstrar qual teria sido o prejuízo resultante do teor das razões das alegações finais apresentadas pelo patrono nomeado, cingindo-se a afirmar, num juízo de mera especulação, que a defesa técnica do paciente teria sido frágil, razão pela qual é inviável o reconhecimento da nulidade apontada.

    PRETENDIDA CONCESSÃO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA. MATÉRIA NÃO ANALISADA PELA CORTE ESTADUAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. WRIT NÃO CONHECIDO NESSE PONTO.

  10. Não havendo pronunciamento acerca do mérito do pedido de concessão da suspensão condicional do processo ao paciente, é inviável a análise do pleito diretamente por esta Corte Superior de Justiça, sob pena de configurar a prestação jurisdicional em indevida supressão de instância.

  11. A via estreita do habeas corpus não permite a incursão no conjunto fático-probatório para a verificação do preenchimento ou não dos requisitos elencados no artigo 77 do Código Penal, análise que, em razão do trânsito em julgado da sentença condenatória, cabe ao Juízo da execução, nos termos do artigo 66, inciso III, alínea "d", da Lei n. 7.210⁄84.

  12. Writ parcialmente conhecido e, nesta extensão, denegada a ordem.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer parcialmente do pedido e, nessa parte, denegar a ordem. Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, A.V.M. (Desembargador convocado do TJ⁄RJ), Gilson Dipp e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.

    Brasília (DF), 27 de setembro de 2011. (Data do Julgamento).

    MINISTRO JORGE MUSSI

    Relator

    HABEAS CORPUS Nº 185.869 - MG (2010⁄0174880-7)

    IMPETRANTE : N.A.S.J.
    IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
    PACIENTE : NÉLSON EDUARDO BUENO

    RELATÓRIO

    O EXMO. SR. MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Trata-se de habeas corpus com pedido de liminar impetrado em favor de N.E.B., contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, que denegou a ordem pleiteada no HC nº 0475730-66.2010.8.13.0000.

    Noticiam os autos que o paciente foi condenado à pena de 4 (quatro) meses de detenção, a ser cumprida em regime aberto, como incurso nas sanções do art. 129, caput, do Código Penal.

    Irresignada, a defesa interpôs recurso inominado para a Turma Recursal, ao qual foi negado provimento.

    Narra o impetrante que, designada audiência de instrução e julgamento, esta se realizou em desacordo com as normas contidas no art. 212 do Estatuto Processual Penal, pois o magistrado inverteu a ordem de inquirição das testemunhas por ter sido o primeiro a formular as perguntas.

    Argumenta, ainda, que durante todo o trâmite processual o paciente teve violado o seu direito de ampla defesa, pois seu patrono não promoveu, de forma efetiva, a defesa técnica indispensável.

    Por fim, postula pela suspensão condicional da pena, uma vez que estariam preenchidos todos os requisitos do art. 77 do Código Penal.

    Pugna, liminarmente, pela suspensão da ação penal até o julgamento final do presente writ, oportunidade em que requer a anulação da audiência de instrução e julgamento, bem como dos atos subsequentes, ou, alternativamente, a anulação da ação penal desde a apresentação das alegações finais em razão da falta de defesa técnica. Subsidiariamente, postula a suspensão condicional da pena.

    Instrui a inicial com alguns documentos (e-STJ fls. 18 a 133), sendo indeferida a tutela de urgência (e-STJ fls. 138 e 139) e prestadas as informações pela autoridade impetrada (e-STJ fls. 147), oportunidade em que acostou cópia da decisão vergastada (e-STJ fls. 148 a 156).

    A douta Subprocuradoria-Geral da República opinou pela denegação da ordem.

    É o relatório.

    HABEAS CORPUS Nº 185.869 - MG (2010⁄0174880-7)

    VOTO

    O EXMO. SR. MINISTRO JORGE MUSSI (Relator): Da detida análise dos autos, constata-se que o paciente foi condenado à pena de 4 (quatro) meses de detenção, a ser cumprida em regime aberto, como incurso nas sanções do art. 129, caput, do Código Penal.

    Contra a mencionada decisão, a defesa interpôs recurso inominado para a Turma Recursal, ao qual foi negado provimento.

    Irresignada, a defesa impetrou habeas corpus perante a Corte Estadual, tendo a Sétima Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais denegado a ordem, o que deu azo ao presente mandamus.

    Busca o impetrante, primeiramente, a anulação do feito a partir da audiência de instrução ao argumento de que o referido ato teria se realizado em desacordo com a norma contida no art. 212 do Código de Processo Penal, com a nova redação que lhe foi dada pela Lei nº 11.690⁄2008, afirmando que o magistrado teria desrespeitado a ordem de inquirição das testemunhas por ter sido o primeiro a formular as perguntas, quando sua atuação seria em último lugar, ou seja, complementar.

    A Lei nº 11.690, que entrou em vigor a partir de 9 de agosto de 2008, introduziu algumas modificações no regulamento da prova testemunhal, dando nova redação ao art. 212 do Código de Processo Penal nos seguintes termos:

    “Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.

    “Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição".

    Da leitura do mencionado dispositivo, observa-se que as alterações promovidas pela referida legislação trouxeram o método de exame direto e cruzado da prova oral utilizado também na Inglaterra e na Itália, abolindo o antigo sistema presidencial quanto à formulação das perguntas e reperguntas por parte do juiz, inerente ao processo inquisitório, adotando, assim, o sistema adversarial anglo-americano, consistente primeiramente no direct-examination - por parte de quem arrolou - e posteriormente no cross-examination - sendo submetido à parte contrária -, de tal sorte que ao magistrado cabe apenas a complementação da inquirição sobre os pontos não esclarecidos, ao final, caso entenda necessário.

    Embora seja certo que no julgamento de casos semelhantes este Relator posicionou-se no sentido de que a inobservância da inovação legislativa citada importaria em eiva absoluta do ato, um...

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