Acórdão nº HC 141062 / RS de T5 - QUINTA TURMA

Data20 Setembro 2011
Número do processoHC 141062 / RS
ÓrgãoQuinta Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

HABEAS CORPUS Nº 141.062 - RS (2009⁄0130265-0)

RELATOR : MINISTRO JORGE MUSSI
IMPETRANTE : RAFAEL BRAUDE CANTERJI E OUTRO
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PACIENTE : FRANCISCA MARISA ZEN PIETRO BOM

EMENTA

HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE ENTORPECENTES (ARTIGO 14 DA LEI 6.368⁄1976). ADVOGADA ACUSADA DE INTERMEDIAR PAGAMENTOS FEITOS POR TRAFICANTE A POLICIAIS CIVIS E DE RECEBER VALORES ORIUNDOS DA NARCOTRAFICÂNCIA. MENÇÃO NA SENTENÇA E ACÓRDÃO CONDENATÓRIOS DE SUPOSTO CRIME DE FAVORECIMENTO PESSOAL PRATICADO PELA PACIENTE E OBJETO DE TERMO CIRCUNSTANCIADO QUE CULMINOU EM PROCESSO NO QUAL RESTOU HOMOLOGADA PROPOSTA DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. ALEGADA VIOLAÇÃO À COISA JULGADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO.

1. A coisa julgada impede que o acusado seja punido duas vezes pelo mesmo fato, vedando que uma nova ação tenha por base imputação idêntica a de uma anterior, já decidida.

2. Não há que se falar em violação à coisa julgada na hipótese vertente, já que a paciente foi denunciada e condenada pelo delito de associação para o tráfico porque intermediaria os pagamentos feitos por traficante aos policiais civis também acusados no feito, além de receber valores oriundos do tráfico e depósitos em sua conta em favor de corré.

3. Embora as instâncias de origem tenham feito menção ao delito de favorecimento pessoal supostamente praticado pela paciente, objeto de termo circunstanciado no qual foi homologada proposta de transação penal, o certo é que este fato foi considerado apenas para fins de confirmar os indícios de que entre ela e um dos corréus haveria um relacionamento que extrapolaria o patrocínio jurídico.

4. Desse modo, mesmo que excluída a referência a tal acontecimento da sentença e do acórdão impugnados, ainda assim remanesceria comprovado o delito de associação para o tráfico em tese praticado pela paciente, ante as interceptações telefônicas que indicariam que ela efetuava pagamentos aos policiais civis também denunciados na ação penal, além dos recibos que evidenciariam que recebia quantias elevadas de corré.

APONTADA INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO QUE AUTORIZOU A QUEBRA DO SIGILO DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS. INDÍCIOS INICIAIS DO CARÁTER INTERNACIONAL DOS DELITOS EM TESE PRATICADOS. DECLINAÇÃO DA COMPETÊNCIA PARA A JUSTIÇA ESTADUAL DIANTE DA CONSTATAÇÃO DE QUE OS ILÍCITOS ENVOLVENDO A ORA PACIENTE E OUTROS CORRÉUS NÃO ESTARIAM RELACIONADOS COM O TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. ILEGALIDADE NÃO CARACTERIZADA.

1. Não se verifica a nulidade de interceptações telefônicas decretadas por Juízo Federal que posteriormente declinou a competência para a Justiça Estadual se no início das investigações havia elementos que permitissem concluir pela internacionalidade do tráfico de substâncias entorpecentes. Precedentes.

INDIGITADA AUSÊNCIA DE DECISÃO DEFERINDO A INTERCEPTAÇÃO DE DETERMINADO TERMINAL TELEFÔNICO. FALTA DE COMPROVAÇÃO DE QUE A QUEBRA DO SIGILO DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS TENHA OCORRIDO SEM A NECESSÁRIA MANIFESTAÇÃO JUDICIAL. MÁCULA NÃO EVIDENCIADA.

1. Conquanto haja, de fato, dissonância entre os números de telefone constantes do alvará judicial e da transcrição da interceptação implementada, o certo é que durante a instrução processual restou comprovado que a citada discrepância decorreu de simples erro de digitação, inexistindo quaisquer evidências de que teria ocorrido interceptação telefônica desprovida de autorização judicial.

SUSTENTADA FALTA DE IDENTIFICAÇÃO TÉCNICA QUE AUTORIZE AFIRMAR QUEM ERAM OS INTERLOCUTORES DAS CONVERSAS INTERCEPTADAS. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO NA LEI 9.296⁄1996 ACERCA DA REALIZAÇÃO DE PERÍCIA DAS VOZES CONSTANTES DOS DIÁLOGOS GRAVADOS. INOCORRÊNCIA DA EIVA INDICADA.

1. Não há na Lei 9.296⁄1996 qualquer exigência no sentido de que as gravações dos diálogos interceptados sejam periciadas a fim de que se reconheça quem são as pessoas envolvidas. Ao contrário, a mencionada legislação estabelece, no artigo 6º, que os procedimentos de interceptação serão conduzidos pela autoridade policial, que poderá, nos termos do artigo 7º, "requisitar serviços e técnicos especializados às concessionárias de serviço público". Precedentes.

2. A par de inexistir previsão legal para que seja realizada perícia de voz, há que se destacar que, além de o próprio analista das interceptações ter identificado a paciente como sendo uma das interlocutoras dos diálogos monitorados, outras testemunhas também o fizeram, conforme assestado pela Corte de origem.

ALEGADA DESTRUIÇÃO DAS FITAS ORIGINAIS REFERENTES ÀS CONVERSAS INTERCEPTADAS SEM PERMISSÃO JUDICIAL. AUSÊNCIA DE DOCUMENTAÇÃO COMPROBATÓRIA DO VÍCIO APONTADO. NECESSIDADE DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA.

1. O rito do habeas corpus pressupõe prova pré-constituída do direito alegado, devendo a parte demonstrar, de maneira inequívoca, por meio de documentos que evidenciem a pretensão aduzida, a existência do aventado constrangimento ilegal suportado pela paciente.

2. Na hipótese vertente, não há, no inteiro teor da ação penal que instrui o mandamus, nenhum elemento de informação que indique que a fita contendo as gravações originais foi efetivamente destruída pela Polícia Federal sem autorização judicial, muito menos que tais mídias não se encontram em poder da autoridade policial, consoante sublinhado pelas instâncias de origem, de modo que não há como se reconhecer a eiva indicada pelos impetrantes.

APONTADA VIOLAÇÃO DO SIGILO PROFISSIONAL DE ADVOGADA. CRIMES EM TESE COMETIDOS NO EXERCÍCIO DA ADVOCACIA. POSSIBILIDADE DE INTERCEPTAÇÃO DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS QUE NÃO SE REFIRAM EXCLUSIVAMENTE AO PATROCÍNIO DE DETERMINADO CLIENTE. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL.

1. Como se sabe, não existem direitos absolutos no ordenamento jurídico pátrio, motivo pelo qual a suspeita de que crimes estariam sendo cometidos por profissional da advocacia permite que o sigilo de suas comunicações telefônicas seja afastado, notadamente quando ausente a demonstração de que as conversas gravadas se refeririam exclusivamente ao patrocínio de determinado cliente.

2. Há que se considerar, ainda, que o exercício da advocacia não pode ser invocado com o objetivo de legitimar a prática delituosa, ou seja, caso os ilícitos sejam cometidos utilizando-se da qualidade de advogado, nada impede que os diálogos sejam gravados mediante autorização judicial e, posteriormente, utilizados como prova em ação penal, tal como sucedeu no caso dos autos. Precedentes do STJ e do STF.

PLEITO DE APLICAÇÃO DA PENA DO ARTIGO 8º DA LEI 8.072⁄1990 AO DELITO PREVISTO NO ARTIGO 14 DA LEI 6.368⁄1976. PROCEDÊNCIA. ILEGALIDADE FLAGRANTE. REDIMENSIONAMENTO DA SANÇÃO IMPOSTA À PACIENTE A PARTIR DO PRECEITO SECUNDÁRIO CONTIDO NA LEI DOS CRIMES HEDIONDOS.

1. Esta Corte Superior de Justiça firmou o entendimento de que para o crime previsto no artigo 14 da Lei 6.368⁄1976 deve ser aplicada a reprimenda disposta no artigo 8º da Lei 8.072⁄1990, inclusive com a supressão da pena de multa, por se tratar de norma penal mais benéfica ao acusado.

DOSIMETRIA. PENA-BASE. FIXAÇÃO ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. CULPABILIDADE. CONSIDERAÇÃO DAQUELA PRÓPRIA DO TIPO. INVIABILIDADE. MOTIVOS DO CRIME. UTILIZAÇÃO DE ELEMENTAR DO TIPO. IMPOSSIBILIDADE DE MAIOR APENAÇÃO. CIRCUNSTÂNCIAS DO DELITO. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA E IDÔNEA. CONSEQUÊNCIAS DO ILÍCITO. ELEMENTOS PRÓPRIOS DO BEM JURÍDIDO TUTELADO PELA NORMA PENAL INCRIMINADORA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EM PARTE EVIDENCIADO. SANÇÃO REDIMENSIONADA.

1. Mostra-se inviável considerar como desfavorável ao agente circunstância inerente à culpabilidade em sentido estrito, a qual é elemento integrante da estrutura do crime, em sua concepção tripartida.

2. Não é dado ao juiz sentenciante se utilizar de elementares do tipo para considerar desfavoráveis à paciente as consequências do delito, que seriam graves à saúde pública, e o motivo do crime, consistente na obtenção de lucro fácil.

3. Inviável infirmar a conclusão de que as circunstâncias em que a acusada praticou o ilícito mereceriam relevo, eis que o fato de a paciente ser advogada, trabalhando a serviço da narcotraficância, justifica o aumento de sua sanção básica.

SUBSTITUIÇÃO DA REPRIMENDA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. AFASTAMENTO DOS ÓBICES DE NATUREZA OBJETIVA. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE INFERIOR A 4 (QUATRO) ANOS E CRIME DE NATUREZA NÃO HEDIONDA. NECESSIDADE DE EXAME DOS PRESSUPOSTOS SUBJETIVOS DO ARTIGO 44 DO CÓDIGO PENAL PELO JUÍZO DE EXECUÇÃO.

1. Reduzida a sanção imposta à paciente, resta afastado o óbice objetivo à substituição da reprimenda privativa de liberdade por restritiva de direitos, valendo destacar, outrossim, que, ao contrário do que atestado nas instâncias ordinárias, o crime de associação para o tráfico não possui natureza hedionda, uma vez que não está previsto no rol taxativo do artigo 1º da Lei 8.072⁄1990. Precedentes.

2. Inexistindo impedimentos de caráter objetivo à concessão do benefício, cumpre ao Juízo da Execução verificar se estão presentes os pressupostos subjetivos, previstos no artigo 44 do Código Penal, para o deferimento da medida pretendida, não competindo a esta Corte fazê-lo, sob pena de atuação em indevida supressão de instância.

PEDIDO DE MODIFICAÇÃO DO REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA. NECESSIDADE DE ANÁLISE DOS REQUISITOS DO ARTIGO 59 DO CÓDIGO PENAL. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME POR ESTE SODALÍCIO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. CONCESSÃO PARCIAL DA ORDEM.

1. Com a diminuição da pena da paciente, compete ao magistrado da Vara de Execuções Penais analisar se, à luz do artigo 59 do Estatuto Repressivo, ela faz jus a iniciar o cumprimento da pena privativa de liberdade no regime aberto, nos termos do artigo 33, §§ 2º e 3º, do mesmo diploma legal.

2. Ordem parcialmente concedida apenas para reduzir a pena imposta à paciente para 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão, excluída a sanção de multa, determinando-se ao Juízo da Execução que avalie a possibilidade da substituição da reprimenda privativa de liberdade por restritiva de...

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