Acórdão nº REsp 884346 / SC de T4 - QUARTA TURMA

Número do processoREsp 884346 / SC
Data06 Outubro 2011
ÓrgãoQuarta Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECURSO ESPECIAL Nº 884.346 - SC (2006⁄0195135-3)

RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
RECORRENTE : P.N.B.L.
ADVOGADO : CÉSAR DE OLIVEIRA
RECORRIDO : F.D.
ADVOGADO : RODRIGO BRASILIENSE VIEIRA

EMENTA

DIREITO CAMBIÁRIO E RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CHEQUE PÓS-DATADO. PACTUAÇÃO EXTRACARTULAR. COSTUME CONTRA LEGEM. BENEFICIÁRIO DO CHEQUE QUE O FAZ CIRCULAR, ANTES DA DATA AVENÇADA PARA APRESENTAÇÃO. TERCEIRO DE BOA-FÉ, ESTRANHO AO PACTUADO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE DOS EFEITOS CONTRATUAIS.

1. O cheque é ordem de pagamento à vista e submete-se aos princípios, caros ao direito cambiário, da literalidade, abstração, autonomia das obrigações cambiais e inoponibilidade das exceções pessoais a terceiros de boa-fé.

2. Com a decisão contida no REsp. 1.068.513-DF, relatado pela Ministra Nancy Andrighi, ficou pacificado na jurisprudência desta Corte a ineficácia, no que tange ao direito cambiário, da pactuação extracartular da pós-datação do cheque, pois descaracteriza referido título de crédito como ordem de pagamento à vista e viola os princípios cambiários da abstração e da literalidade.

3. O contrato confere validade à obrigação entre as partes da relação jurídica original, não vinculando ou criando obrigações para terceiros estranhos ao pacto. Por isso, a avença da pós-datação extracartular, embora não tenha eficácia, traz consequências jurídicas apenas para os contraentes.

4. Com efeito, em não havendo ilicitude no ato do réu, e não constando na data de emissão do cheque a pactuação, tendo em vista o princípio da relatividade dos efeitos contratuais e os princípios inerentes aos títulos de crédito, não devem os danos ocasionados em decorrência da apresentação antecipada do cheque ser compensados pelo réu, que não tem legitimidade passiva por ser terceiro de boa-fé, mas sim pelo contraente que não observou a alegada data convencionada para apresentação da cártula.

5. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.Os Srs. Ministros M.I.G., A.C.F. e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Raul Araújo.

Brasília (DF), 06 de outubro de 2011(Data do Julgamento)

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

Relator

RECURSO ESPECIAL Nº 884.346 - SC (2006⁄0195135-3)

RECORRENTE : P.N.B.L.
ADVOGADO : CÉSAR DE OLIVEIRA
RECORRIDO : F.D.
ADVOGADO : RODRIGO BRASILIENSE VIEIRA

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

1. Fabiano Duarte ajuizou ação de indenização por danos morais em face do P.N.B.L. Narra que efetuou compras no mercado São Jorge, no início de dezembro de 2003, pagando com cheque, no valor de R$ 458,00 (quatrocentos e cinquenta e oito reais), indicando a data de 14 de janeiro de 2004 para compensação. Sustenta que o proprietário do mercado abasteceu no posto ora demandado, pagando com o referido cheque, que foi depositado em 15 de dezembro de 2003, antes da data pactuada com o beneficiário original do cheque, sendo devolvido por insuficiência de fundos, em 6 de janeiro de 2004. Afirma que o fato acarretou bloqueio de sua conta corrente, perda do "crédito bancário", impossibilidade de retirar talão de cheque e registro de seu nome no cadastro desabonador do SERASA. Afirma ter sofrido sérios transtornos de ordem moral.

O Juízo da Vara Única da Comarca de Imaruí julgou procedentes os pedidos formulada na inicial, para condenar o posto ao pagamento de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) a título de danos morais.

Interpôs o réu apelação para o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que negou provimento ao recurso. (fls. 126-135)

O acórdão tem a seguinte ementa:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - EMISSÃO DE CHEQUE PRÉDATADO - DEPÓSITO ANTECIPADO - DEVOLUÇÃO PELO BANCO SEM PROVISÃO DE FUNDOS - NOME VINCULADO NO CADASTRO DE EMITENTES DE CHEQUES SEM FUNDOS E NA SERASA - ABALO MORAL CONFIGURADO - ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE DE PARTE - INOCORRÊNCIA - CÁRTULA REPASSADA A TERCEIRO CONTENDO EXPRESSAMENTE A DATA PARA O DESCONTO - CIÊNCIA DO AJUSTE PREVIAMENTE PACTUADO - INOBSERVÂNCIA - VALOR INDENIZATÓRIO FIXADO DENTRO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE - JUROS MORATÓRIOS CONTADOS DESDE O EVENTO DANOSO - EXEGESE DA SÚMULA 54 DO STJ - PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO DO AUTOR- APELO DO RÉU DESPROVIDO.

Opostos embargos de declaração, foram rejeitados.

Inconformado com a decisão colegiada, interpôs o demandado recurso especial com fundamento no artigo 105, inciso III, alínea "a", da Constituição Federal, sustentando violação do artigos 126, 265 e 267, VI, do Código de Processo Civil; da Lei de Introdução ao Código Civil e 32 da Lei do Cheque.

Alega o recorrente que o entendimento perfilhado pela Corte local reconhece solidariedade entre o recebedor original do cheque pós-datado e o endossatário.

Argumenta que não foi demonstrado que o réu tivesse ciência da pactuação realizada entre o Mercado São Jorge e o autor, estabelecendo que o cheque deveria ser descontado em data futura, não havendo legitimidade passiva do endossatário.

Sustenta que, ao circular, o cheque readquire sua qualidade de ser pagável à vista, considerando-se sem validade qualquer menção em contrário.

Aduz que, ao utilizar como razão de decidir o direito consuetudinário, mesmo havendo lei dispondo ser o cheque ordem de pagamento à vista, a decisão viola o disposto nos artigos 4º da Lei de Introdução ao Código Civil e 126 do Código de Processo Civil.

Em contrarrazões, afirma o recorrido que está pacificada na jurisprudência que a apresentação precipitada do cheque ocasiona danos morais.

O recurso especial do réu foi admitido e o adesivo do autor foi inadmitido.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 884.346 - SC (2006⁄0195135-3)

RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
RECORRENTE : P.N.B.L.
ADVOGADO : CÉSAR DE OLIVEIRA
RECORRIDO : F.D.
ADVOGADO : RODRIGO BRASILIENSE VIEIRA

EMENTA

DIREITO CAMBIÁRIO E RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CHEQUE PÓS-DATADO. PACTUAÇÃO EXTRACARTULAR. COSTUME CONTRA LEGEM. BENEFICIÁRIO DO CHEQUE QUE O FAZ CIRCULAR, ANTES DA DATA AVENÇADA PARA APRESENTAÇÃO. TERCEIRO DE BOA-FÉ, ESTRANHO AO PACTUADO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE DOS EFEITOS CONTRATUAIS.

1. O cheque é ordem de pagamento à vista e submete-se aos princípios, caros ao direito cambiário, da literalidade, abstração, autonomia das obrigações cambiais e inoponibilidade das exceções pessoais a terceiros de boa-fé.

2. Com a decisão contida no REsp. 1.068.513-DF, relatado pela Ministra Nancy Andrighi, ficou pacificado na jurisprudência desta Corte a ineficácia, no que tange ao direito cambiário, da pactuação extracartular da pós-datação do cheque, pois descaracteriza referido título de crédito como ordem de pagamento à vista e viola os princípios cambiários da abstração e da literalidade.

3. O contrato confere validade à obrigação entre as partes da relação jurídica original, não vinculando ou criando obrigações para terceiros estranhos ao pacto. Por isso, a avença da pós-datação extracartular, embora não tenha eficácia, traz consequências jurídicas apenas para os contraentes.

4. Com efeito, em não havendo ilicitude no ato do réu, e não constando na data de emissão do cheque a pactuação, tendo em vista o princípio da relatividade dos efeitos contratuais e os princípios inerentes aos títulos de crédito, não devem os danos ocasionados em decorrência da apresentação antecipada do cheque ser compensados pelo réu, que não tem legitimidade passiva por ser terceiro de boa-fé, mas sim pelo contraente que não observou a alegada data convencionada para apresentação da cártula.

5. Recurso especial provido.

RECURSO ESPECIAL Nº 884.346 - SC (2006⁄0195135-3)

RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
RECORRENTE : P.N.B.L.
ADVOGADO : CÉSAR DE OLIVEIRA
RECORRIDO : F.D.
ADVOGADO : RODRIGO BRASILIENSE VIEIRA

VOTO

O SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

2. A questão controvertida consiste em saber se terceiro estranho à pactuação extracartular da pós-datação de cheque tem legitimidade passiva em ação de indenização por danos morais decorrente de alegada apresentação antecipada da cártula.

No que interessa para o julgamento do feito, o acórdão recorrido dispôs:

Preliminarmente, o réu apelante argúi a sua ilegitimidade passiva ad causam, em virtude de que o negócio celebrado, que originou a emissão do respectivo cheque, se deu com o proprietário do Mercado São Jorge, não tendo o apelante qualquer relação com o apelado, o que culminaria na extinção do processo sem julgamento de mérito.

Asseverou ainda que o cheque pré-datado é um acordo firmado entre o emitente e o recebedor, o que o eximiria de qualquer responsabilidade, uma vez que não pode ser incumbido de responder por acordo firmado entre o apelado e terceiro, por não existir, neste caso, qualquer obrigação solidária de sua parte para com aquele que recebeu a cártula e concordou com os inscritos que esta continha.

Não obstante os argumentos trazidos a este caderno processual, acertada encontra-se a decisão emanada pelo ilustre Togado de primeiro grau.

[...]

Com relação à alegação da ilegalidade na emissão do cheque pré-datado em virtude do art. 32, da Lei n. 7.357⁄85, declarar ser este uma ordem de pagamento à vista, não prospera, pois já encontra-se solidificado pelo direito consuetudinário a fixação de data posterior para o desconto deste tipo de título cambial, consoante entendimento amplamente adotado pela doutrina e jurisprudência.

[...]

E ainda:

"A devolução de cheque pré-datado, por insuficiência de fundos, apresentado antes da data ajustada entre as partes, constitui fato capaz de gerar prejuízos de ordem moral" (REsp 213940⁄RJ, rel. Min. Eduardo Ribeiro, Terceira Turma, j. 29⁄6⁄2000).

Assim, queda-se a argumentação de que o repasse do cheque pré-datado de um terceiro para o apelante readquiriu a qualidade de pagamento à vista, porquanto a...

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