Acórdão nº HC 171306 / RJ de T5 - QUINTA TURMA

Data20 Outubro 2011
Número do processoHC 171306 / RJ
ÓrgãoQuinta Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

HABEAS CORPUS Nº 171.306 - RJ (2010⁄0080764-6)

RELATOR : MINISTRO GILSON DIPP
IMPETRANTE : A.N.A.B.
ADVOGADO : JOÃO HENRIQUE CAMPOS FONSECA
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PACIENTE : PEDRO IGEL DE BARROS SALLES

EMENTA

PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIOS CULPOSOS. DELITOS DE TRÂNSITO. NULIDADE. ALEGAÇÕES FINAIS MINISTERIAIS FAVORÁVEIS AO RÉU. SENTENÇ A ABSOLUTÓRIA. APELO DA ACUSAÇÃO. FALTA DE INTERESSE DO MINISTÉRIO PÚBLICO CONFIGURADA. ESPECIFICIDADES DO CASO. INTERVENÇÃO DE TRÊS PROMOTORES DIFERENTES NO PROCESSO. PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL. RAZÕES DO APELO PUGNANDO PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO. OFENSA AO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 577 DO CPP. APELAÇÃO QUE NÃO DEVE SER CONHECIDA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. ORDEM CONCEDIDA.

Hipótese na qual se sustenta a falta de interesse de agir por parte do Ministério Público ao interpor o recurso de apelação que culminou com a condenação do réu, tendo em vista que nas alegações finais o órgão havia se manifestado a favor da absolvição, o que também ocorreu nas razões recursais.

Vigem entre os Princípios Fundamentais do Ministério Público, expressos no art. 127, § 1º, da Constituição Federal de 1988, a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional, de onde se extrai que os membros do Parquet integram um só órgão, sob a mesma direção, podendo, todavia, serem substituídos uns pelos outros sem que haja alteração subjetiva na relação jurídica processual, não havendo hierarquia funcional entre eles, concluindo-se, portanto, que, mesmo atuando em nome de um único órgão, os membros do Ministério Público que se substituírem no processo não estão vinculados às manifestações anteriormente apresentadas pelos seus antecessores.

Os princípios acima explicitados não se contrapõem ao disposto no parágrafo único do art. 577 do Código de Processo Penal, no sentido de que “Não se admitirá, entretanto, recurso da parte que não tiver interesse na reforma ou modificação da decisão”.

Na hipótese, devem ser consideradas suas especificidades relativas ao fato de terem funcionado nos autos três Promotores de Justiça diferentes, bem como em razão de o membro ministerial que apresentou o termo de recurso não ter sido o mesmo que ofertou as razões recursais, as quais ratificaram as alegações finais, apresentadas por terceiro membro, na qual se pugnou pela absolvição do acusado.

Se além de a acusação ter se manifestado favoravelmente ao réu nas alegações finais, as razões recursais requereram o desprovimento do próprio recurso, conclui-se que, de fato, não houve recurso da acusação, a qual, mesmo por meio de membro diverso, ratificou seu entendimento favorável à sentença absolutória, faltando-lhe, portanto, interesse para recorrer, o que deve resultar no não conhecimento do apelo.

Deve ser anulado o acórdão recorrido, para que o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro julgue o mérito do recurso defensivo, como entender de direito.

Ordem concedida, nos termos do voto do Relator.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça. "A Turma, por unanimidade, concedeu a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator." Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Jorge Mussi, Marco Aurélio Bellizze e A.V.M. (Desembargador convocado do TJ⁄RJ) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 20 de outubro de 2011(Data do Julgamento)

MINISTRO GILSON DIPP

Relator

HABEAS CORPUS Nº 171.306 - RJ (2010⁄0080764-6)

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO GILSON DIPP (Relator):

Trata-se de habeas corpus contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que deu provimento ao recurso de apelação interposto pelo Ministério Público em desfavor de PEDRO IGEL DE BARROS SALLES, condenando-o pela prática de dois homicídios culposos no trânsito.

O paciente foi denunciado como incurso nas penas do art. 302 (duas vezes) e art. 303, caput, ambos da Lei n.º 9.503⁄97, na forma do art. 70 do Código Penal, por ter supostamente causado o acidente automobilístico que levou o motorista e uma passageira do veículo com o qual colidiu a óbito, causando, ainda, ofensa à integridade física da segunda passageira.

Em sede de alegações finais, o Órgão ministerial opinou pela absolvição do réu, sob o argumento de que “não restou provada de maneira induvidosa ter o acusado agido de forma imprudente” (fl. 322).

Finda a instrução processual, o magistrado singular absolveu o réu, com fulcro no art. 386, inciso VI, do CPP, uma vez que a prova coligida nos autos era contraditória, por apresentar duas versões que não poderiam ser descartadas, além de inexistir “laudo pericial de local para que possa trazer ao julgador mais elementos para formação da convicção” (fl. 362).

Com isso, o Ministério Público interpôs recurso de apelação (365), tendo, posteriormente, nas razões do apelo, ressaltado o acerto da decisão do magistrado singular que, ao aplicar o Princípio in dubio pro reo, absolveu o acusado (fls. 392⁄393).

A defesa, do mesmo modo, apelou da sentença, pugnando pela alteração do fundamento da absolvição do paciente, passando a constar art. 386, inciso IV, do CPP. Em sede de contrarrazões, o órgão ministerial pugnou pela manutenção da sentença, sem a alteração proposta.

A Corte Estadual, por sua vez, julgou prejudicado o recurso da defesa e deu provimento ao apelo ministerial, condenando o réu à pena de 03 anos, 01 mês e 15 dias de detenção, substituída por duas penas restritivas de direitos, em razão da prática do crime descrito no art. 302 (duas vezes), da Lei n.º 9.503⁄97, reconhecendo, ainda, a extinção da punibilidade do réu, pela ocorrência da prescrição, em relação ao delito do art. 303 da referida Lei, nos termos da seguinte ementa:

“HOMICÍDIOS E LESÃO CORPORAL CULPOSOS. ACIDENTE DE CARROS. PRESENÇA DE PROVAS AUTORIZADORAS DA CONDENAÇÃO. INDENIZAÇÃO DAS FAMÍLIAS DAS VÍTIMAS FATAIS E DA VÍTIMA DAS LESÕES.

Reforma-se sentença absolutória quando esta despreza, sem motivação técnica, prova existente nos autos e, de outro lado, deixa de examinar outras existentes e que justificam a condenação.

Na substituição da privativa de liberdade por pecuniária cabe, no tocante às famílias das vítimas fatais, indenização compatível com as condições do réu e o justo valor a ser recomposto.” (fl. 455).

A defesa opôs, então, embargos de declaração, os quais foram rejeitados pelo Tribunal a quo.

Não se conformando com a condenação, o impetrante buscou a cassação do acórdão da apelação por meio de embargos infringentes e de nulidade, os quais, do mesmo modo, foram rejeitados.

Novos embargos declaratórios foram opostos e, mais uma vez, rejeitados.

Interpostos recursos especial e extraordinário, os mesmos foram inadmitidos pela Vice-Presidência da Corte Estadual, em 28⁄03⁄2006, dando azo à interposição de agravos de instrumento, desprovidos nesta Corte e no Supremo Tribunal Federal.

A defesa interpôs, por fim, agravos regimentais, os quais foram desprovidos em ambos os Tribunais Superiores, com trânsito em julgado da condenação certificado no dia 10⁄05⁄2010.

Daí a presente impetração, na qual se sustenta a falta de interesse de agir por parte do Ministério Público ao interpor o recurso de apelação que culminou na condenação do réu, tendo em vista que nas alegações finais o órgão havia se manifestado a favor da absolvição, o que também ocorreu nas razões recursais, em clara ofensa ao disposto no art. 577, parágrafo único, do CPP.

Aduz-se, ainda, que, por se tratar de matéria de ordem pública a envolver o interesse de recorrer, bem como em razão de não ter a questão sido anteriormente apreciada por esta Corte, não há que se falar em não conhecimento da ordem.

Pugna-se, assim, pela anulação do acórdão recorrido, com o restabelecimento da sentença que absolveu o acusado.

A liminar foi indeferida à fl. 761.

As informações foram prestadas às fls. 765⁄768.

A Subprocuradoria-Geral da República opinou pela denegação da ordem (fls. 817⁄819).

É o relatório.

Em mesa para julgamento.

HABEAS CORPUS Nº 171.306 - RJ (2010⁄0080764-6)

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO GILSON DIPP (Relator):

Trata-se de habeas corpus contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que deu provimento ao recurso de apelação interposto pelo Ministério Público em desfavor de PEDRO IGEL DE BARROS SALLES, condenando-o pela prática de dois homicídios culposos no trânsito.

O paciente foi denunciado como incurso nas penas do art. 302 (duas vezes) e art. 303, caput, ambos da Lei n.º 9.503⁄97, na forma do art. 70 do Código Penal, por ter supostamente causado o acidente automobilístico que levou o motorista e uma passageira do veículo com o qual colidiu a óbito, causando, ainda, ofensa à integridade física da segunda passageira.

Em sede de alegações finais, o Órgão ministerial opinou pela absolvição do réu, sob o argumento de que “não restou provada de maneira induvidosa ter o acusado agido de forma imprudente” (fl. 322).

Finda a instrução processual, o magistrado singular absolveu o réu, com fulcro no art. 386, inciso VI, do CPP, uma vez que a prova coligida nos autos era contraditória, por apresentar duas versões que não poderiam ser descartadas, além de inexistir “laudo pericial de local para que possa trazer ao julgador mais elementos para formação da convicção” (fl. 362).

Com isso, o Ministério Público interpôs recurso de apelação (365), tendo, posteriormente, nas razões do apelo, ressaltado o acerto da decisão do magistrado singular que, ao aplicar o Princípio in dubio pro reo, absolveu o acusado (fls. 392⁄393).

A defesa, do mesmo modo, apelou da sentença, pugnando pela alteração do fundamento da absolvição do paciente, passando a constar art. 386, inciso IV, do CPP. Em sede de contrarrazões, o órgão ministerial pugnou pela manutenção da sentença, sem a alteração proposta.

A Corte Estadual, por sua vez, julgou prejudicado o recurso da defesa e deu provimento ao apelo ministerial, condenando o réu à pena de 03 anos,...

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