Acórdão nº REsp 970127 / SP de T5 - QUINTA TURMA

Número do processoREsp 970127 / SP
Data07 Abril 2011
ÓrgãoQuinta Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECURSO ESPECIAL Nº 970.127 - SP (2007⁄0170996-0)

RELATORA : MINISTRA LAURITA VAZ
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
RECORRIDO : M.A.D.A.
ADVOGADO : FRANCISCO ALVES DE SIQUEIRA NETO - DEFENSOR DATIVO

EMENTA

PENAL. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. CRIMES COMETIDOS CONTRA A MESMA PESSOA, MAIS DE UMA VEZ, EM CURTO ESPAÇO DE TEMPO E EM IDÊNTICAS CIRCUNSTÂNCIAS DE TEMPO, MODO E LUGAR.

Crimes cometidos sob a vigência da redação anterior dos arts. 213 e 214 do Código Penal.

Aplicação da lei penal posterior mais benéfica. Inocorrência de concurso material.

Com a vigência da Lei nº 12.015, de 2009, que na nova redação do art. 213 (revogado o art. 214) ao unificar as figuras típicas do estupro e atentado violento ao pudor numa só conduta, a lei nova afastou a hipótese de ocorrência de concurso material.

Acórdão que reconheceu a continuidade entre as condutas antes tidas por distintas e reduziu a pena aplicando a lei nova mais favorável.

Precedentes do Supremo Tribunal Federal (HC 103.353-SP, HC 86.110-SP e HC 96.818-SP).

Recurso Especial do Ministério Público improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça. "Prosseguindo no julgamento, a Turma, por maioria, conheceu do recurso, mas lhe negou provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Gilson Dipp, que lavrará o acórdão."Votaram com o Sr. Ministro Gilson Dipp os Srs. Ministros Jorge Mussi e A.V.M. (Desembargador convocado do TJ⁄RJ).

Votaram vencidos os Srs. Ministros Laurita Vaz e Napoleão Nunes Maia Filho, que conheciam do recurso e lhe davam provimento.

Brasília (DF), 07 de abril de 2011(Data do Julgamento)

MINISTRO GILSON DIPP

Relator

RECURSO ESPECIAL Nº 970.127 - SP (2007⁄0170996-0)

RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
RECORRIDO : M.A.D.A.
ADVOGADO : FRANCISCO ALVES DE SIQUEIRA NETO - DEFENSOR DATIVO

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ:

Trata-se de recurso especial interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, com suporte na alínea c do permissivo constitucional em face de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça local.

Informam os autos que o Parquet ofereceu denúncia em desfavor de M.A.D.A., ora Recorrido, sob a acusação de ter constrangido, mediante grave ameaça, a adolescente A. P. R. B. a praticar com ele conjunção carnal, coito anal e a felação, por duas vezes, como se vê dos seguintes trechos:

"Segundo se apurou, a vítima (adolescente com apenas quinze anos) caminhava pelo local dos fatos, em direção a casa de sua avó, quando o indiciado a interceptou e, portando um instrumento pontiagudo, sob grave ameaça, ordenou que ela o acompanhasse até uma construção abandonada. Neste local, sempre sob grave ameaça, o indiciado ordenou que a vítima tirasse suas roupas e, em seguida, passou a manter, com ela, conjunção carnal, introduzindo seu pênis na vagina da vítima. Em seguida, se não bastasse, o indiciado também manteve coito anal com a vítima, introduzindo o pênis no ânus desta. Por último, dando azo ao seu instinto bestial, o indiciado forçou a vítima a fazer-lhe sexo oral (felação).

Após a prática de tais atos, o indiciado fez com que a vítima sentasse com ele na calçada, "como se fossem namorados", e, em seguida, sempre sob grave ameaça, fez com que a vítima entrasse novamente na construção e repetisse, com ele, todos os atos já consumados. Terminando a diabólica investida sexual contra a vítima, o indiciado determinou que esta não comentasse nada, com ninguém, acerca do ocorrido, sob pena de voltar e lhe matar." (fls. 04⁄05)

O Juízo da 5.ª Vara Criminal da Comarca de São Bernardo do Campo⁄SP julgou procedente a pretensão punitiva estatal, condenando o Réu à pena de 09 (nove) anos e 04 (quatro) meses de reclusão pela prática de dois crimes de atentado violento ao pudor em continuidade delitiva e à pena de 07 (sete) anos de reclusão pelos dois delitos de estupro em continuidade delitiva, em regime integralmente fechado.

Em sede de apelação interposta pela Defesa, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo rejeitou as preliminares, mas deu parcial provimento ao recurso para reconhecer a continuidade delitiva entre os delitos de estupro e atentado violento ao pudor, bem como reduziu a pena-base, fixando a pena em 07 (sete) anos e 06 (seis) meses de reclusão, em regime fechado.

Sustenta o Recorrente, nas razões do recurso especial, divergência jurisprudencial entre acórdão impugnado e precedentes do Supremo Tribunal Federal e desta Corte, no sentido de que estupro e atentado violento ao pudor, ainda que praticados contra a mesma vítima e no mesmo contexto fático, configuram concurso material.

Assim, pugna pela reforma do julgado para que seja reconhecido o concurso material, com o devido redimensionamento da pena.

Contrarrazões às fls. 582⁄590.

O Ministério Público Federal, em parecer de fls. 454⁄456, opinou provimento do apelo.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 970.127 - SP (2007⁄0170996-0)

VOTO VENCIDO

A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (Relatora):

De início, verifica-se a tempestividade do especial, o cabimento de sua interposição com amparo no dispositivo constitucional, o interesse recursal, a legitimidade, o devido prequestionamento e os pressupostos dos arts. 541, parágrafo único, do Código de Processo Civil e 255, §§ 1.º e 2.º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.

Cinge-se a controvérsia no reconhecimento do concurso material entre os crimes de estupro e atentado violento ao pudor perpetrados contra a mesma vítima e no mesmo contexto fático.

Cabe transcrever os fundamentos do acórdão hostilizado, que reconheceu a continuidade delitiva entre o estupro e o atentado violento ao pudor, ambos do Código Penal, in verbis:

"Embora praticados no mesmo contexto fático, não se pode afirmar que o estupro tenha absorvido o atentado violento ao pudor. Com efeito, os atos libidinosos, consistentes em coito anal e felações, restaram bem destacados, não constituindo mera "praeludia coitus", ou seja, atos preparatórios da conjunção carnal. Note-se que, além da penetração vaginal, o réu compeliu a vítima, por duas vezes, a permitir o coito anal e a realizar sexo oral.

[...]

No caso, contudo, forçoso também reconhecer a continuidade delitiva entre os estupros e os atentados violento ao pudor, pois correspondem a crimes da mesma espécie, praticados no mesmo contexto fático e contra a mesma vítima. Presentes, assim, os requisitos objetivos arrolados no art. 71, "caput", do Código Penal, únicos exigiveis para o reconhecimento do crime continuado.

Nessa linha, este E. Tribunal já decidiu que "o estupro e o atentado violento ao pudor têm motivos determinantes e caracteres comuns. São crimes contra os costumes e visam à satisfação do instinto sexual, mediante violência, pouco importando que o segundo configure, no mais das vezes, extravasamento de mera perversão sexual. Desde que praticados contra a mesma vítima, configuram crime continuado" (TJSP - AC - ReI. Silva Leme - RT 573⁄361).

Adotado o critério de aumento de acordo com o número de infrações cometidas, o acréscimo peta continuidade deve ser de um quarto, já que quatro os crimes reconhecidos, totalizando a pena 07 (sete) anos e 06 (seis) meses de reclusão." (fls. 368⁄369)

Cabe esclarecer que a jurisprudência desta Corte, compartilhada pelo Excelso Supremo Tribunal Federal, tradicionalmente, vem prestigiando a antiga lição de Nelson Hungria para quem, não sendo o ato de libidinagem desvio da conjunção carnal classificável como praeludia coiti, haverá o concurso material entre o atentado violento ao pudor e o estupro, e jamais o crime continuado.

Isso porque os referidos delitos, considerados como do mesmo gênero, não são da mesma espécie, por não ser possível vislumbrar homogeneidade quanto ao modo de execução entre a tentativa de conjunção carnal e a consumação de ato libidinoso diverso da conjunção carnal.

Pois bem. A edição da Lei n.º 12.015⁄2009, que introduziu profunda modificação no Título VI da Parte Especial do Código Penal, traz a necessidade de nova análise sobre o tema.

A idéia da supracitada reforma do Código Penal nasceu na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes que – em consórcio com a Comissão Intersetorial de Combate à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, o Ministério da Justiça, a Secretaria Especial de Direitos Humanos, o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Federal, a Defensoria Pública da União e a Organização Internacional do Trabalho – criou o Grupo de Estudos de Análise Legislativa.

A partir dos estudos desenvolvidos pela Associação dos Magistrados e Promotores da Infância e Juventude, pela Organização Internacional do Trabalho, pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente e pelo Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes, foi apresentado o Projeto de Lei do Senado n.º 253, de 2004.

O citado projeto foi proposto com a justificativa de que a concepção então vigente no Código Penal não se dispunha a proteger a liberdade ou dignidade sexual, tampouco o desenvolvimento benfazejo da sexualidade, mas hábitos, moralismos e eventuais avaliações da sociedade sobre estes.

Quanto ao crime de estupro, a justificativa, citada no parecer da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, da lavra do Senador Demóstenes Torres, assim dispunha:

"Além de suprimir tais formulações, o presente projeto, por inspiração da definição ínsita no Estatuto do Tribunal Penal Internacional, cria novo tipo penal que não distingue a violência sexual por serem vítimas pessoas do sexo masculino ou feminino.

Seria a renovada definição de estupro (novo art. 213 do CP), que implica constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele⁄ela se pratique outro ato libidinoso. A nova redação pretende também corrigir outra limitação da atual legislação, ao não restringir o...

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