Decisões Monocráticas nº 584 de STF. Supremo Tribunal Federal, 18 de Agosto de 2011

Magistrado ResponsávelMin. Presidente
Data da Resolução18 de Agosto de 2011
Tipo de RecursoSuspensão de Tutela Antecipada

Decisão

Trata-se de pedido de suspensão de tutela antecipada, com pedido de medida liminar, ajuizado pelo Município de Salvador/BA, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça da Bahia, nos autos do Agravo de Instrumento nº 0011252-39.2010.805.0000-0.

Na origem, o Ministério Público estadual ajuizou ação civil pública, para, em síntese, obter determinação de que a Prefeitura de Salvador fosse obrigada a dar início imediato às (...) obras de adaptação dos edifícios e logradouros de uso público, incluindo todas as escolas municipais, creches, ambulatórios, postos de saúde, hospitais, locais de prestação de serviços públicos de relevância, estações de transbordo de ônibus/trens/embarcações, pontos de ônibus, passeios, praças, jardins, teatros, estádios, casas de espetáculos, auditórios, cinemas, ginásios de esportes, salas de conferências e similares, enfim, todos os locais de desfrute da população mantidos pela municipalidade, devendo apresentar no prazo de 60 (sessenta) dias os projetos arquitetônicos e cronogramas de obras com previsão para término.

Alegou o órgão ministerial que o Decreto federal nº 5.296/2004, que regulamentou as Leis nº 10.048/2000 e nº 10.098/2000, já teria imposto ao Poder Público a obrigação de adaptar as cidades aos portadores de necessidades especiais, nos termos da petição da ação civil.

Após a concessão de liminar pelo juízo de primeiro grau, foi interposto agravo de instrumento, ao qual foi atribuído eficácia suspensiva pelo relator.

No julgamento colegiado, o Tribunal manteve a liminar, em acórdão assim ementado: AGRAVO DE INSTRUMENTO.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

ANTECIPAÇÃO DE TUTELA.

POSSIBILIDADE.

REQUISITOS PROCESSUAIS PRESENTES.

PREVALÊNCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA PESSOA HUMANA.

VIABILIZAÇÃO DO ACESSO DOS PORTADORES DE DEFICIÊNCIA FÍSICA AOS LOCAIS FRANQUEADOS AO PÚBLICO EM GERAL.

MANDAMENTO CONSTITUCIONAL.

LEI REGULADORA INCIDENTE DESDE 2004.

INÉRCIA CARACTERIZADA.

LEGITIMIDADE DA INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO.

PRAZO DE 60 DIAS PARA APRESENTAÇÃO DE PROJETOS.

RAZOABILIDADE.

OBRAS QUE JÁ DEVERIAM TER SIDO FINDADAS.

ELASTICIDADE DO PRAZO COM A SUSPENSIVIDADE DEFERIDA.

OPORTUNIDADE DE INICIAR OS PROCEDIMENTOS.

POSSIBILIDADE DE SE DEMONSTRAR COM EFICÁCIA A DISPOSIÇÃO DE CUMPRIMENTO E EVENTUAL IMPOSSIBILIDADE MATERIAL.

DECISÃO DOTADA DE REVERSIBILIDADE.

LIMITES COGNITIVOS DA VIA RECURSAL ELEITA.

INJURIDICIDADE NÃO DEMONSTRADA.

MANUTENÇÃO DO DECISUM.

AGRAVO IMPROVIDO.

A antecipação da tutela contra a Fazenda Pública esbarra em limites cuja constitucionalidade foi consagrada pelo STF.

Contudo, a prévia necessidade de audiência do representante do Ente Público, assim como o não deferimento de decisões satisfativas não se prestam a obstar a implementação dos direitos fundamentais da pessoa humana, sobretudo quando o descaso público salta aos olhos.

Não cabe ao Judiciário trazer para is o encargo de deliberar sobre conveniência e oportunidade da atividade administrativa, porém quando a inércia do Ente obrigado transgride a própria dignidade humana a intervenção se impõe, pois a questão extrapola as discussões sobre o poder discricionário.

O acesso aos portadores de deficiência aos locais franqueados ao público em geral lhes é garantido constitucionalmente e a legislação infraconstitucional cuidou de regularizá-lo desde 2004.

A obrigação, portanto, não pode ser considerada a partir da imposição judicial, eis que já vigia desde muito antes do próprio ajuizamento e nada indica disposição do Agravante em cumpri-la.

Desse modo, não há como se ter o prazo de 60 dias como insuficiente, até porque apenas se determinou a apresentação do projeto em o qual certamente estará considerado o cronograma das obras cujo início deverá ser imediato – dada a extrapolante omissão – mas a realização seguirá o curso necessário à implementação.

A necessidade de adoção de complexas medidas administrativas para o cumprimento da decisão teve a sua dificuldade mitigada, eis que se de fato estiver determinada a honrar com sua obrigação, a Administração contou com o tempo em que a decisão teve suspensos os seus efeitos para iniciar as gestões necessárias.

Não residindo nos autos do recurso efetiva demonstração de impossibilidade material do cumprimento, lastreada necessariamente com a prova das medidas até então adotadas para sua implementação, resta ao Agravante postular dilação do prazo diretamente ao juízo primário, vez que a via recursal eleita possibilidade tão somente o exame do provimento impugnado.

Injuridicidade não demonstrada.

Agravo improvido.

Alega o requerente que a decisão impugnada partiu de diversas premissas falsas, como a consideração de que a municipalidade não teria promovido nenhuma adaptação desde o Decreto federal de 2004.

Descreve sobre diversas obras, cujas cópias fotográficas foram juntadas ao agravo de instrumento, para demonstrar que não há omissão estatal.

Sustenta, ainda, que não seria possível o governo federal, mediante decreto, estabelecer prazos e metas para os gestores públicos municipais, pois, segundo o requerente, a adaptação das cidades seria competência das prefeituras.

Aduz que cidades grandes e antigas, como Salvador, apresentariam dificuldades muito maiores para cumprimento das medidas do que regiões mais novas, como Brasília ou Palmas/TO.

Afirma ainda que, nos termos do Decreto nº 5.296/2004, foi fixado prazo para adaptações apenas em poucas situações, não alcançando todas as obras determinadas pela decisão impugnada, que envolvem até mesmo espaços privados, como cinemas, casas de espetáculo, auditórios, entre outros.

Alega haver grave lesão à ordem administrativa, pois a complexidade das intervenções necessárias para cumprimento da decisão impugnada traria prejuízos até mesmo para o deslocamento das pessoas e veículos pela cidade.

Sustenta, ademais, ser inviável apresentar em prazo tão curto – sessenta dias – os projetos e prazos para início e fim das obras de adaptação em toda a cidade de Salvador, sem graves prejuízos às normas de licitação, que exigem diversas etapas, como projeto básico, por exemplo.

Por fim, aduz haver risco de lesão à economia pública, pois recente projeto para adaptação de dez estações ferroviárias de Salvador tem custo estimado de R$ 6,5 milhões – despesa que se multiplicaria, ante a extensão da decisão impugnada, que determina promoção de obras de acessibilidade em todos os espaços da cidade. 2.

É caso de suspensão.

De acordo com o regime legal de contracautela (Leis nºs 12.016/2009, 9.494/1997 e 8.437/1992, e art. 297 do RISTF), compete a esta Presidência suspender execução de decisões concessivas de segurança, de liminar ou de tutela antecipada, proferidas em única ou última instância, pelos tribunais locais ou federais, para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.

A cognição do pedido exige, ainda, demonstração da natureza constitucional da controvérsia (cf.

Rcl nº 497-AgR, Rel.

Min.

CARLOS VELLOSO, Plenário, DJ de 06.4.2001; SS nº 2.187-AgR, Rel.

Min.

MAURÍCIO CORRÊA, Plenário, DJ de 21.10.2003; e SS nº 2.465, Rel.

Min.

NELSON JOBIM, DJ de 20.10.2004).

Está preenchido o requisito, pois em jogo, aqui, suposta violação aos arts. 203, IV, 227, § 2º e 244, da Constituição da República, adotados pelo autor da ação civil pública e pelo acórdão impugnado, e que teriam sido afrontados pelo Tribunal de Justiça local.

Não há dúvida, portanto, de que a matéria discutida na origem se reveste de índole constitucional.

Verifico que a decisão impugnada, na extensão em que proferida, possui evidente potencial de lesão às ordens administrativa e econômica.

É que a tutela antecipada, confirmada pelo Tribunal de Justiça, no sentido de determinar a apresentação, em sessenta dias, dos projetos arquitetônicos, com datas para início e término das obras de acessibilidade em toda a cidade de Salvador, incluindo até mesmo áreas particulares, inviabilizaria o bom funcionamento da máquina administrativa.

Não se desconhecem os problemas enfrentados pelos moradores das metrópoles brasileiras, sobretudo das mais antigas, como ressaltou o requerente, decorrentes da infraestrutura precária para deslocamento dos cidadãos portadores de necessidades especiais.

Com efeito, urge que medidas mais eficazes e urgentes sejam tomadas pelos gestores públicos, no sentido de que, além das novas construções, também os logradouros já edificados sejam adaptados conforme as melhores técnicas de acessibilidade.

Por outro lado, é manifesto que a apresentação de projetos arquitetônicos, para reforma de toda uma metrópole das dimensões de Salvador, em apenas sessenta dias, paralisaria vários setores da Administração Pública, com prejuízo da prestação dos demais serviços públicos.

Sobretudo no caso, em que ainda se exigiu cronograma com datas de início e término das obras e se atribuiu multa diária de dez mil reais, para o caso de descumprimento da ordem judicial.

Nesse sentido, patente a inviabilidade de elaboração de projetos apenas por meio dos recursos humanos das áreas de engenharia e arquitetura da administração pública, sendo indispensável, com efeito, licitação para contratação até mesmo dos projetos arquitetônicos de acessibilidade.

E tal medida inviabilizaria obediência ao prazo de sessenta dias fixado pela decisão impugnada, ante os procedimentos exigidos pelas normas de licitação.

Ademais, não se pode ignorar o risco de lesão à ordem econômica, porquanto, conforme documentos juntados aos autos, recente projeto de acessibilidade para dez estações ferroviárias de Salvador tem custo estimado de seis milhões e meio de reais.

Projetando-se o custo para adaptabilidade de toda a cidade, nos termos do acórdão impugnado, inevitável que recursos não previstos no orçamento sejam retirados de outras ações da Prefeitura, para cumprimento da decisão, o que implicará sacrifício de outros serviços prestados à população. 3.

Ante o exposto, defiro o pedido, para suspender a execução do acórdão proferido nos autos do Agravo de Instrumento nº 0011252-39.2010.805.0000-0, até o trânsito em julgado ou ulterior deliberação desta Corte.

Exp.

telex e ofício ao Tribunal de Justiça da Bahia e ao juízo da 5ª Vara de Fazenda Pública de Salvador/BA.

Publique-se.

Int..

Brasília, 18 de agosto de 2011.

Ministro Cezar Peluso Presidente Documento assinado digitalmente

Partes

Reqte.(s) : MunicÍpio de Salvador

proc.(a/S)(Es) : Procurador-Geral do MunicÍpio de Salvador

reqdo.(a/S) : Tribunal de JustiÇa do Estado da Bahia

intdo.(a/S) : MinistÉrio PÚblico do Estado da Bahia

proc.(a/S)(Es) : Procurador-Geral de JustiÇa do Estado da Bahia

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