Decisão Monocrática nº 5001898-91.2012.404.0000 de Tribunal Regional Federal da 4a Região, Terceira Turma, 17 de Abril de 2012

Número do processo5001898-91.2012.404.0000
Data17 Abril 2012

Cuida-se de agravo de instrumento interposto pela União Federal, contra decisão proferida em ação que trata do fornecimento de medicamento, onde o juízo a quo, realizado laudo pericial, deferiu a antecipação dos efeitos da tutela pretendida, determinando a disponibilização do fármaco.

Sustenta, inicialmente, a ilegitimidade passiva da União. No, mérito, alega que não estão demonstrados os pressupostos legais para o deferimento da medida antecipatória, nos termos do artigo 273 do Código de Processo Civil, razão pela qual deve ser suspensa e posteriormente reformada a decisão agravada.

A decisão impugnada assim foi proferida:

'1. Relatório

Silvana Pignatta, 52 anos de idade, alegando ser portadora de 'Artrite Reumatóide Soropositiva', ajuizou a presente ação contra a União, Estado do Paraná e Município de Maringá, pretendendo, inclusive em sede de antecipação de tutela, o fornecimento do medicamento RITUXIMABE (Mabthera).

Alega, em resumo, que: (i) é portadora de Artrite Reumatóide Soropositiva (CID M05-8), em estágio avançado, necessitando o uso do medicamento RITUXIMABE (Mabthera) 500 mg; (ii) já foram usadas as medidas terapêuticas que estão disponíveis no mercado, sem resultado satisfatório, sendo indicado por seu médico assistente a medicação pretendida; (iii) a droga tem preço proibitivo, uma vez que a autora dispõe apenas de sua aposentadoria como fonte de renda. Junta documentos (Eventos 1 e 6).

A análise do requerimento de antecipação da tutela foi postergada para o momento posterior à realização de perícia médica judicial (Evento 8).

O perito judicial apresentou o laudo pericial (Evento 27).

É o breve relato. Decido.

  1. Fundamentos

    Decisão antecipatória sem ouvir a outra parte é medida de exceção, pois afronta princípio basilar do processo judicial, qual seja, o contraditório, devendo ser concedida somente em casos de premente necessidade e prevalência do interesse do requerente.

    São requisitos para a concessão da antecipação dos efeitos da tutela a existência de prova inequívoca, de modo a se aferir a verossimilhança da alegação, e fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

    In casu, entendo presentes os requisitos necessários à antecipação dos efeitos da tutela.

    O direito à saúde, como é sabido, deve ser assegurado minimamente a todos, a despeito de questões políticas, entraves burocráticos ou orçamentários. Possui o artigo 196 da CF/88 eficácia plena e imediata aplicabilidade:

    'Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.'

    A esse respeito o Presidente do STF, Ministro Gilmar Mendes, na Suspensão de Tutela Antecipada 278-6-Alagoas, decidiu ser necessária a análise das peculiaridades de cada caso concreto, haja vista o conjunto de fatores envolvidos.

    A trilha metodológica indicada principia pela análise 'do texto constitucional e de como ele consagra o direito fundamental à saúde.' (STA 278-6/AL)

    Consignou Sua Excelência:

    'O direito à saúde é estabelecido pelo artigo 196 da Constituição Federal como (1) 'direito de todos' e (2) 'dever do Estado', (3) garantido mediante 'políticas sociais e econômicas (4) que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos', (5) regido pelo princípio do 'acesso universal e igualitário' (6) 'às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação'.

    Examinemos cada um desses elementos.

    (1) direito de todos:

    É possível identificar na redação do artigo constitucional tanto um direito individual quanto um direito coletivo à saúde. Dizer que a norma do artigo 196, por tratar de um direito social, consubstancia-se tãosomente em norma programática, incapaz de produzir efeitos, apenas indicando diretrizes a serem observadas pelo poder público, significaria negar a força normativa da Constituição.

    A dimensão individual do direito à saúde foi destacada pelo Ministro Celso de Mello, relator do AgR-RE nº 271.286-8/RS, ao reconhecer o direito à saúde como um direito público subjetivo assegurado à generalidade das pessoas, que conduz o indivíduo e o Estado a uma relação jurídica obrigacional. Ressaltou o Ministro que 'a interpretação da norma programática não pode transformá-la em promessa constitucional inconseqüente', impondo aos entes federados um dever de prestação positiva. Concluiu que 'a essencialidade do direito à saúde fez com que o legislador constituinte qualificasse como prestações de relevância pública as ações e serviços de saúde (CF, art. 197)', legitimando a atuação do Poder Judiciário nas hipóteses em que a Administração Pública descumpra o mandamento constitucional em apreço. (AgR-RE N. 271.286- 8/RS, Rel. Celso de Mello, DJ 12.09.2000).

    Não obstante, esse direito subjetivo público é assegurado mediante políticas sociais e econômicas. Ou seja, não há um direito absoluto a todo e qualquer procedimento necessário para a proteção, promoção e recuperação da saúde, independentemente da existência de uma política pública que o concretize. Há um direito público subjetivo a políticas públicas que promovam, protejam e recuperem a saúde.

    Em decisão proferida na ADPF nº 45/DF, o Min. Celso de Mello consignou o seguinte:

    'Desnecessário acentuar-se, considerando o encargo governamental de tornar efetiva a aplicação dos direitos econômicos, sociais e culturais, que os elementos componentes do mencionado binômio (razoabilidade da pretensão + disponibilidade financeira do Estado) devem configurar-se de modo afirmativo e em situação de cumulativa ocorrência, pois, ausentes qualquer desses elementos, descaracterizar-se-á a possibilidade estatal de realização prática de tais direitos'.(ADPF-MC Nº 45, Rel. Celso de Mello, DJ 4.5.2004).

    Dessa forma, a garantia judicial da prestação individual de saúde, prima facie, estaria condicionada ao não comprometimento do funcionamento do Sistema Único de Saúde.

    (2) dever do Estado:

    O dispositivo constitucional deixa claro que, para além do direito fundamental à saúde, há o dever fundamental de prestação de saúde por parte do Estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). O dever de desenvolver políticas públicas que visem à redução de doenças, à promoção, à proteção e à recuperação da saúde está expresso no artigo 196.

    A competência comum dos entes da federação para cuidar da saúde consta do art. 23, II, da Constituição. União, Estados, Distrito Federal e Municípios são responsáveis solidários pela saúde junto ao indivíduo e à coletividade e, dessa forma, são legitimados passivos nas demandas cuja causa de pedir é a negativa, pelo SUS (seja pelo gestor municipal, estadual ou federal), de prestações na área de saúde.

    O fato do Sistema Único de Saúde ter descentralizado os serviços e conjugado os recursos financeiros dos entes da federação, com o objetivo de aumentar a qualidade e o acesso aos serviços de saúde, apenas reforça a obrigação solidária e subsidiária entre eles.

    As ações e serviços de saúde são de relevância pública, integrantes de uma rede regionalizada e hierarquizada, segundo o critério da subsidiariedade, e constituem um sistema único.

    Foram estabelecidas quatro diretrizes básicas para as ações de saúde: direção administrativa única em cada nível de governo; descentralização políticoadministrativa; atendimento integral, com preferência para as atividades preventivas; e participação da comunidade.

    O Sistema Único de Saúde está baseado no financiamento público e na cobertura universal das ações de saúde. Dessa forma, para que o Estado possa garantir a manutenção do sistema é necessário que se atente para a estabilidade dos gastos com a saúde e, conseqüentemente, para a captação de recursos.

    O financiamento do Sistema Único de Saúde, nos termos do art. 195, opera-se com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. A Emenda Constitucional nº 29/2000, visando a dar maior estabilidade para os recursos de saúde, consolidou um mecanismo de cofinanciamento das políticas de saúde pelos entes da federação.

    A Emenda acrescentou dois novos parágrafos ao artigo 198 da Constituição, assegurando percentuais mínimos a serem destinados pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios para a saúde, visando um aumento e uma maior estabilidade dos recursos. No entanto, o § 3º do art. 198 dispõe que caberá à Lei Complementar estabelecer: os percentuais mínimos de que trata o § 2º; os critérios de rateio entre os entes; as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde; as normas de cálculo do montante a ser aplicado pela União; além, é claro, de especificar as ações e serviços públicos de saúde.

    O art. 200 da Constituição, que estabeleceu as competências do Sistema Único de Saúde - SUS, é regulamentado pelas Leis Federais 8.080/90 e 8.142/90.

    O SUS consiste no conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, incluídas as instituições públicas federais, estaduais e municipais de controle de qualidade, pesquisa e produção de insumos, medicamentos, inclusive de sangue e hemoderivados, e de equipamentos para saúde.

    (3) garantido mediante políticas sociais e econômicas:

    A garantia mediante políticas sociais e econômicas ressalva, justamente, a necessidade de formulação de políticas públicas que concretizem o direito à saúde através de escolhas alocativas. É incontestável que, além da necessidade de se distribuir recursos naturalmente escassos por meio de critérios distributivos, a própria evolução da medicina impõe um viés programático ao direito à saúde, pois sempre haverá uma nova descoberta, um novo exame, um novo prognóstico ou procedimento cirúrgico, uma nova doença ou a volta de uma doença supostamente erradicada.

    (4) políticas que...

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