Decisão Monocrática nº 5007673-87.2012.404.0000 de Tribunal Regional Federal da 4a Região, Quarta Turma, 21 de Mayo de 2012

Magistrado ResponsávelJorge Antonio Maurique
Data da Resolução21 de Mayo de 2012
EmissorQuarta Turma
Tipo de RecursoAgravo de Instrumento

Cuida-se de agravo de instrumento interposto pelo Município de Agudo contra decisão proferida em ação de rito ordinário proposta contra ele, a UFSM e a União, visando à condenação dos entes públicos ao (i) pagamento de uma pensão no valor correspondente a um salário mínimo mensal à autora Manuela; (ii) fornecimento de todo o tratamento de saúde e dos medicamentos de que a autora Manuela necessitar em razão da enfermidade de que é portadora, em especial, no momento, o custeio do exame de videofluoroscopia para avaliar deglutição e dos medicamentos Fenobarbital 40mg/ml gotas e Ácido Valpróico suspensão 250 mg/ 5ml; (iii) pagamento do valor equivalente a dois salários mínimos mensais à autora Sheila, como forma de compensar a perda de sua capacidade laborativa e de fazer frente às necessidades especiais de tratamento vivenciadas por Manuela; (iv) pagamento de indenização pelos danos materiais sofridos até o momento, no montante de R$ 3.570,00; (v) pagamento de indenização por danos morais de 1.000 (um mil) salários mínimos nacionais.

Sustenta, em síntese, que: a) seria parte ilegítima; b) seria impossível a antecipação de tutela contra a Fazenda Pública que esgote o objeto da lide; c) não seria possível fixação de multa contra a Fazenda Pública.

Requer efeito suspensivo e, ao final, a sua exclusão da lide e a revogação da antecipação de tutela.

Esses os apertados contornos da lide. Decido.

A decisão agravada assim fundamentou e concluiu:

"(...) 1. Pressupostos da tutela antecipada

É sabido que para o deferimento da antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional pretendida pela demandante, é mister que o Juiz se convença da verossimilhança da alegação, com base na prova inequívoca do direito do autor, além de se fazer necessária a presença do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, conforme reza o artigo 273, caput e inciso I, do estatuto processual civil brasileiro.

2. Da pensão alimentícia

2.1. Do ato ilícito

Tão-logo ajuizada a presente ação, foi proferida decisão indeferindo a tutela antecipatória no tangente ao pedido de pensão vitalícia. Na ocasião, registrou-se que, embora fosse consistente a argumentação dos autores, não poderia ser deferida a liminar na ausência de contraditório e de uma opinião técnica abalizada a respeito dos fatos. Instaurado o contraditório, e realizada a prova pericial, alterou-se o panorama processual, viabilizando a apreciação do pedido antecipatório.

De início, impende fixar que, no caso em apreço, o debate gira em torno da possibilidade de responsabilização dos réus pelas sequelas neurológicas que atingem MANUELA, decorrentes do parto. Os demandantes utilizaram dois fundamentos principais para embasar o pedido ora em análise: 1) negligência do Município, em razão da não estruturação do sistema público de saúde e; 2) imperícia por parte da profissional que prestou o atendimento.

Neste momento processual, apenas um desses fundamentos será adotado para a acolhida do pleito de antecipação dos efeitos da tutela, qual seja: a falha na prestação do serviço público de saúde, calcada na negligência.

A Portaria n. 569/2000 do Ministério da Saúde, que instituiu o Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento, no âmbito do Sistema Único de Saúde, é clara ao estabelecer o norte do programa:

Art. 2º Estabelecer os seguintes princípios e diretrizes para a estruturação do Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento:

  1. toda gestante tem direito ao acesso a atendimento digno e de qualidade no decorrer da gestação, parto e puerpério;

  2. toda gestante tem direito ao acompanhamento pré-natal adequado de acordo com os princípios gerais e condições estabelecidas no Anexo I desta Portaria;

    c)toda gestante tem direito de saber e ter assegurado o acesso à maternidade em que será atendida no momento do parto;

  3. toda gestante tem direito à assistência ao parto e ao puerpério e que esta seja realizada de forma humanizada e segura, de acordo com os princípios gerais e condições estabelecidas no Anexo II desta Portaria;

  4. todo recém-nascido tem direito à adequada assistência neonatal;

  5. as autoridades sanitárias dos âmbitos federal, estadual e municipal são responsáveis pela garantia dos direitos enunciados nas alíneas acima.

    O Anexo II da Portaria, que trata dos princípios gerais e condições para a adequada assistência ao parto, especifica:

    Para a adequada assistência à mulher e ao recém-nascido no momento do parto, todas as Unidades Integrantes do SUS têm como responsabilidades:

    (...)

    6. garantir a presença de pediatra na sala de parto;

    (...)

    9. garantir a realização das atividades e dispor dos recursos humanos, físicos, materiais e técnicos abaixo enunciados.

    1. Atividades

    Realização de partos normais e cirúrgicos, e atendimento a intercorrências obstétricas:

    · recepcionar e examinar as parturientes;

    · assistir as parturientes em trabalho de parto;

    · assegurar a execução dos procedimentos pré-anestésicos e anestésicos;

    · proceder à lavagem e antissepsia cirúrgica das mãos;

    · assistir a partos normais;

    · realizar partos cirúrgicos;

    · assegurar condições para que as parturientes tenham direito a acompanhante durante a internação, desde que a estrutura física assim permita;

    · assistir ao abortamento incompleto, utilizando, preferencialmente, aspiração manual intra-uterina (AMIU);

    · prestar assistência médica e de enfermagem ao recém-nascido;

    · elaborar relatórios médico e enfermagem e fazer registro de parto;

    · registrar a evolução do trabalho de parto em partograma;

    · proporcionar cuidados no pós-anestésico e no pós-parto;

    · garantir o apoio diagnóstico necessário.

    No caso concreto, os prontuários anexados à inicial dão conta de demonstrar que a unidade que prestara atendimento à parturiente em Agudo não dispunha de médico pediatra, tampouco poderia assegurar a execução dos procedimentos pré-anestésicos e anestésicos, já que ausente médico anestesista. Tais circunstâncias obrigaram a profissional que estava prestando o serviço a transferir a parturiente para o Hospital Universitário de Santa Maria, fato que, segundo a perícia, foi determinante para as lesões que acometem a menor.

    Veja-se, para ilustrar, o quesito complementar "6" do MPF e a respectiva resposta (evento 129, p. 5):

    6. Por outro lado, consta nos autos que no Hospital de Agudo não havia médico anestesista e muito menos médico pediatra para acompanhar o parto. Diante disso e considerando que a Portaria nº 569/2000, do Ministério da Saúde, dispõe que para a adequada assistência à mulher e ao recém-nascido no momento do parto, todas as Unidades do SUS têm como responsabilidade para a realização de parto possuir em sua equipe profissional obstetra e pediatra/neonatologista, pode-se afirmar que o retrocitado nosocômio encontrava-se desprovido dos recursos humanos necessários à prestação de um atendimento de saúde com segurança?

    A equipe médica estava desprovida de pediatra/neonatologista e anestesista para o quadro em questão. Nenhum parto pode ocorrer sem a presença de pediatra em sala de parto. A falta de anestesista obrigou a obstetra a aplicação ou uso de fórceps médio, que era sua única saída para o caso, mesmo que sem êxito.

    E também o quesito complementar "2" do Município de Agudo, devidamente respondido (evento 110, p. 2):

    2. É possível concluir que a equipe médica (de Agudo e Santa Maria) que atuou no atendimento do caso concorreu, de qualquer forma, para o resultado lesão/enfermidade de que a criança é portadora? Em caso positivo, quem e de que forma (quais os elementos que levam a esta conclusão)?

    A lesão/enfermidade de que a criança é portadora advém de um período expulsivo prolongado, da tentativa de extração fetal em Agudo até o nascimento no HUSM, permanência fetal em canal de parto com duração de mais ou menos duas horas, em que injúria ou a agressão do tecido cerebral fetal aconteceu nesse período. (...)

    Assim sendo, resta evidenciada a falta de estrutura do sistema público de saúde no momento em que se iniciou o parto da concepta, o que obrigou o deslocamento da parturiente para Santa Maria, ocasionando as sequelas neurológicas de que MANUELA é portadora. Considerando que a saúde pública é serviço público essencial - intimamente relacionado, portanto, às atribuições do Poder Público - conclui-se que, no caso concreto, houve faute du service, dada a omissão da Estado no que tange ao atendimento das normas previstas na Portaria n. 569 do Ministério da Saúde. Considerando que essa mesma Portaria prevê que "as autoridades sanitárias dos âmbitos federal, estadual e municipal são responsáveis pela garantia dos direitos enunciados nas alíneas acima" (alínea "f" do art. 2º), restou configurado o dever de agir de tais entes políticos.

    Configurada a omissão e o dever de agir, importa destacar, ainda, que a União, o Estado do Rio Grande do Sul e o Município de Agudo procederem com negligência, à medida que simplesmente deixaram de prestar o serviço que lhes era imputado, pois não garantiram à autora "atendimento digno e de qualidade no decorrer da gestação, parto e puerpério", bem como assistência ao parto "de forma humanizada e segura" (alíneas "a" e "b" do art. 2º da Resolução 569/2000).

    2.2. Fixação da pensão

    A pretensão, em tutela antecipada, é de pagamento de pensão mensal à autora MANUELA, no valor de 1 salário mínimo por mês, e também à SHEILA, no valor de 2 salários mínimos mensais, como forma de compensar a perda de sua capacidade laborativa e de fazer frente às necessidades especiais de tratamento vivenciadas pela autora menor.

    Os elementos até então coligidos aos autos demonstram que:

  6. os autores ELCIR e SHEILA são agricultores, residentes no interior do Município de Agudo, em propriedade de terceiros (Sr. EDOLI IVO FAGUNDES), do que se pode concluir que não possuem área própria para cultivo (END9, evento 1);

  7. ressai, daí, que a atividade exercida pelos demandantes é a agricultura familiar, na qual é indispensável a mão de obra de todos os membros da família;

  8. SHEILA,...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT